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A Mania das Tulipas da Holanda medieval e suas lições

por João Guilherme Brotto
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A Mania das Tulipas da Holanda medieval e suas liçõesAprender com os erros do passado é uma constante na vida de qualquer ser humano. Deveria ser também, uma constante dos mercados e dos investidores. Mas não é bem assim. Nos últimos 41 anos, o Brasil enfrentou nada menos do que 13 crises financeiras – algumas, inclusive, deixaram o país praticamente falido e sem condições de crescer por anos e anos.

Mas isso não é só um “privilégio” nosso. Em geral, as crises financeiras costumam afetar o mundo todo, principalmente com a economia globalizada que passamos a ter com o avanço da tecnologia.

Muitos falam que a Crise do Subprime poderia ter sido evitada caso o sistema financeiro dos EUA fosse mais rígido e mais fiscalizador. Assim como muitos falam que o Brasil poderia ter tido sorte melhor na década de 80, a chamada “Década Perdida”, caso tivesse feito outras escolhas na década anterior. Assim como a Crise Asiática de 1997 – que desencadeou a Crise Russa e Brasileira nos anos seguintes – poderia não ter ocorrido se os Tigres Asiáticos fossem mais ferozes quanto aos especuladores. E assim por diante. Todas as crises parecem ter um perfeito antídoto após ocorrerem.

Mas por que é que não aprendemos e pomos em prática tudo o que é falado e que pode servir para evitar um novo desastre? Tivesse eu a resposta para isso, estaria bilionário, portanto, cabe a nós aprender com os erros do passado para evitar repeti-los no futuro.

Um caso interessantíssimo de crise não data de nenhum período possível de se imaginar, mas impressiona pelas semelhanças com o que temos visto no mundo nos últimos anos. Estou falando da Mania das Tulipas, que ocorreu na Holanda medieval do século XVII.

A economia holandesa do século XVII era uma das mais vigorosas da Europa. O forte comércio têxtil do país elevava a renda média da população aos níveis mais altos entre os europeus. Tal situação estimulou a construção civil em Amsterdã e inflou os preços dos imóveis.

Uma economia em franco crescimento com uma população tendo um poder de compra cada vez maior (alguma semelhança com o Brasil atual?) impulsionou o comércio de flores, mais especificamente das tulipas – que passaram a custar tanto como uma obra de Van Gogh nos dias de hoje.

Desde quando começaram a surgir, as tulipas haviam sido associadas à riqueza e ao poder e já no primeiro quarto do século XVII começaram a ser comercializadas a preços exorbitantes. A coisa chegou a um ponto tão surreal, que apenas um bulbo da Semper Augustus (uma das espécies mais desejadas) custava mais do que um sobrado germinado em Amsterdã.

Tal situação começou a atrair especuladores. Quem não podia, por exemplo, comprar ações na bolsa de Amsterdã, apostava na valorização dos bulbos. Cada flor recebia uma identificação contendo todos os seus dados, como a data em que havia sido plantada, o peso, a história de por onde havia passado, enfim, um raio-x completo. Algo que pode ser comparado ao site de Relações com Investidores de uma empresa.

Para se ter uma ideia da dimensão do negócio, Edward Chancellor, autor do ótimo “Salve-se Quem Puder” (Cia. das Letras), conta que os 2500 florins que podiam custar um bulbo equivaliam a 27 toneladas de trigo, cinqüenta toneladas de arroz, quatro bois gordos, oito porcos cevados, doze ovelhas gordas, dois barris de vinho, quatro tonéis de cerveja, suas toneladas de manteiga, três toneladas de queijo, uma cama com lençóis, um guarda-roupa completo e uma taça de prata.

Tendo o privilégio de poder olhar o caso séculos depois e já conhecendo o perfil de uma bolha financeira, não é difícil dizer que cedo ou tarde, a Mania das Tulipas iria pelos ares. Foi o que aconteceu em 3 de fevereiro de 1637. A primavera estava para chegar e o período de entrega dos bulbos também (os investidores[bb] montavam suas posições nas flores no mercado futuro, comprando no inverno para retirar na primavera).

Boatos davam conta de que não haveria compradores para a nova safra e que não seria possível vender tulipas para ninguém a preço nenhum.  A partir daí os contratos não foram honrados e a inadimplência prevaleceu. Isso te lembra algo? Canchellor faz um interessante paralelo para explicar o que ocorreu aí com o que acontece no mercado de ações atualmente:

“A grande variedade de bulbos de tulipa lembra a multidão de ações encontradas em mercados acionários posteriores. Com os bulbos variegados de preços altos fazendo o papel de blue chips, e os bulbos propagadores comuns lembrando as small caps. Assim como a Mania das Tulipas foi inicialmente estimulada por um aumento nos preços dos bulbos mais valorizados, atraindo novos participantes para o mercado, também os surtos de expansão no mercado de acionário comumente são desencadeados por uma alta acentuada nos preços das ações de um setor específico, instigando pessoas de fora a especular”.

O autor diz que outra característica comum dos mercados altistas é que, à medida que a mania progride, declina a qualidade das ações que atraem a especulação.

“A maré alta faz flutuar todos os navios, até mesmo os que têm piores condições de navegação. A Mania não foi diferente: a especulação com bulbos Semper Augustus deu lugar a um comércio maníaco de bulbos propagadores. Várias outras características da Mania das Tulipas são comuns em surtos posteriores no mercado acionário: boatos alimentando o surto, o rápido crescimento da alavancagem com o uso de contratos futuros e títulos de crédito, um notável consumo entre os especuladores, preços em drástica elevação seguidos por súbito pânico sem causa, e passividade inicial do governo seguida por uma intervenção tardia”.

Como foi relatado por Chancellor, a Mania das Tulipas é capaz de explicar, perfeitamente, muitas crises[bb] que viriam no decorrer dos séculos seguintes e, provavelmente, as que ainda veremos nos próximos.

Esse breve resumo da Mania das Tulipas foi contado porque está inserido dentro de um contexto em que não se imagina que uma crise pudesse ter ocorrido. A Mania das Tulipas é, mais do que um resgate histórico, um alerta.

Um alerta de que não importa o quanto os mercados sejam regulados e o quanto os agentes econômicos preservem pela sustentabilidade do sistema (há grandes controvérsias a respeito disso), as crises sempre vão ocorrer. Não há como prevê-las e muito menos, passar ileso por elas.

No entanto, conhecê-las e saber o que representaram é fundamental pois as crises são capazes de nos oferecer uma visão mais abrangente acerca do mundo, da história e o que pode influenciar um movimento de alta ou de baixa no mercado de ações[bb]. Esse é o primeiro passo para encarar o que não há como fugir.

Crédito da foto para freedigitalphotos.net.

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