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Um ano sem compras – A polícia do consumo

por Marina Paula
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Um ano sem compras - A polícia do consumoVocê já teve a sensação de estar consumindo somente para preencher as expectativas dos outros ou porque se sentiu, de alguma forma, constrangido ou impelido a comprar? Eu já. Quando decidi ficar um ano sem comprar supérfluos e contei às pessoas com quem convivo sobre o meu projeto, as reações foram variadas – e isso me fez refletir sobre muitas coisas.

O que eu descobri rapidamente é que as pessoas realmente querem que você consuma e a idéia de alguém passar um longo período de tempo sem comprar itens desnecessários incomoda alguns indivíduos. Após essa constatação inicial, comecei a pesquisar para entender melhor o impacto que a atitude das pessoas com quem convivemos tem no nosso próprio padrão de consumo e de que forma isso acontece.

Inicialmente, entrei em contato com as noções de obsolescência programada e obsolescência percebida. Esses conceitos remetem a práticas da indústria e do comércio que muitas vezes são desconhecidas pelo consumidor.

A obsolescência programada consiste tanto em criar um produto que logo se tornará obsoleto, pois suas funcionalidades rapidamente serão consideradas ultrapassadas, quanto em criar produtos projetados para durar pouco tempo. Podemos observar essa prática de forma muito clara nas áreas de eletrônicos e informática:

  • O celular que em um ano é considerado “top de linha” se torna, no ano seguinte, ultrapassado em função do lançamento de uma “versão mais moderna”, com mais funcionalidades que a original.
  • Outro exemplo é a máquina fotográfica maravilhosa (e cara) que foi adquirida há um ano e que estraga logo após o período de garantia. O conserto é tão caro que vale mais à pena comprar uma nova.

Já a obsolescência percebida, conceito mais relevante para a reflexão proposta neste artigo, consiste basicamente em criar um produto para que logo ele se torne obsoleto do ponto de vista do estilo ou do design. É uma estratégia mais sutil, porém extremamente eficaz, pois aposta em gerar sentimentos de inferioridade nas pessoas como forma de incentivá-las a consumir. Uma espécie de inclusão social pelo consumo.

Isso quer dizer, por exemplo, que se em um ano todos os sapatos têm saltos finos, no outro ano a moda provavelmente será usar sapatos com saltos largos, gerando uma situação na qual a pessoa que tem os saltos da estação passada fique exposta e possa ser identificada como alguém que está usando um produto fora de moda. Muitas vezes, é devido à obsolescência percebida que as pessoas se sentem impelidas a comprar e acabam gastando dinheiro em produtos desnecessários.

Sei que lendo o que foi escrito até agora fica fácil pensar que somente pessoas frívolas se deixam levar pela pressão da sociedade para que consumam, mas isso talvez não seja exatamente o que acontece.

Um consultor que chega a uma reunião usando um celular grande e antigo muitas vezes será recebido com reserva por novos clientes; um menino que continua usando o vídeo game antigo vai ser alvo de gozação do coleguinha que vem em casa para uma visita; e a mulher que usa um tênis de corrida por anos a fio poderá escutar de uma amiga que já passou da hora de trocar aquele calçado, independentemente do seu estado.

Todas essas situações citadas aqui como exemplos mostram o poder da “polícia do consumo” e o ciclo vicioso que muitas vezes leva as pessoas a consumirem e a gastarem com coisas e serviços que não desejam ou que não precisam.

Existe uma associação entre consumir e ser feliz/bem sucedido no mundo contemporâneo. É freqüente o raciocínio de que quem consome mais é mais feliz e, nessa linha, há muita incompreensão quando pessoas dotadas de grandes recursos financeiros decidem viver a vida de forma simples e discreta.

Em tempos de realidade travestida de show (reality show), a indústria do comércio se mascara de indústria da felicidade e do conforto e busca vender o impossível: a completude, o “ter tudo”, o final feliz que todos nós queremos.

O mais sério é que nós acreditamos nisso tudo e nosso questionamento passa a ser tão tênue que passamos a ser reprodutores dessa lógica, vigiando o comportamento uns dos outros e notificando as pessoas sobre as reposições de produtos que, acreditamos, devem ser feitas. Em essência, acabamos por fazer com que as pessoas se sintam mal por estarem satisfeitas com o que possuem e com a vida que levam.

Não se trata de esquecer as ambições e de viver em frangalhos, é claro, mas de refletir sobre a transitoriedade dos bens no mundo atual e da cultura de reposição e descarte constante em que estamos mergulhados. Existe um abismo entre viver bem, ter conforto e consumir de forma agradável e prazerosa (isso é possível!) e estar à mercê de modismos, aprisionado entre o olhar dos outros e uma visão distorcida do sucesso.

Fazendo um paralelo com a sabedoria popular, que garante que “o pior cego é aquele que não quer ver”, talvez o pior consumidor seja aquele que ajuda a incrementar a lógica de que imagem é tudo.

A “polícia do consumo” é ativa, atuante e perversa. Seus principais aliados não são a indústria, as empresas, o comércio ou a publicidade. Somos nós. Assim como historicamente os movimentos repressivos só foram possíveis com a adesão de uma parcela significativa da população às ideias que os norteavam, também o consumismo desenfreado só está na ordem do dia porque muitos de nós aceitamos e defendemos que se consuma cada vez mais.

Como Hobbes já dizia em uma de suas expressões mais célebres, “o homem é o lobo do homem”. Até a próxima! Grande abraço!

Foto de sxc.hu.

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