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Dinheirama Entrevista: Flávia Ávila, Mestre em Economia Comportamental e Professora da ESPM

por Conrado Navarro
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Dinheirama Entrevista: Flávia Ávila, Mestre em Economia Comportamental e Professora da ESPM

O que você prefere: receber R$ 100,00 hoje ou R$ 110,00 amanhã? A resposta parece simples, não é mesmo? Não é bem assim! Você já ouviu falar em Economia Comportamental?

Conversei sobre isso com Flávia Ávila, Professora da ESPM, fundadora e editora do site EconomiaComportamental.org e doutoranda em Economia pela Universidade de Brasília (UnB).

Flávia é Mestre em Behavioural Economics pelo CeDEx group (Centre for Decision Reserch and Experimental Economics) da University of Nottingham na Inglaterra, que é um dos principais centros de pesquisa em ciências comportamentais e experimentais da Europa (2013), e formada em Economia pela UnB (2007).

Ela possui mais de 10 anos de experiência em estudos experimentais sobre o comportamento humano, seja individual ou em grupo, sendo sete destes anos em áreas de consultoria interna, planejamento e inteligência de marketing de empresas de grande porte de telecomunicações.

Confira como foi nosso papo:

Flávia, você faz parte de um grupo de especialistas e pesquisadores de Economia Comportamental e Experimental. Por favor explique este conceito e a área para nosso leitor.

Flávia Ávila: A Economia Comportamental estuda a forma e como fazemos escolhas. Investiga as influências cognitivas, sociais e emocionais que influenciam na nossa decisão. Assim, seus estudos e aplicações podem melhorar as nossas escolhas nas mais diversas esferas.

Seja no contexto de compras ou para promover mudanças que possam gerar bem-estar, saúde e tranquilidade financeira, os estudos da Economia Comportamental movem o nosso olhar para detalhes antes desconsiderados.

Quando surge um problema, muitas vezes pensamos em soluções grandiosas, mas, frequentemente, os resultados desejados podem ser atingidos por meio de mudanças nos pequenos detalhes.

Por muitos anos, os economistas consideravam que entrar no nível de detalhes da psicologia atrapalharia mais que ajudaria. Viraria um balaio de gato de onde não se poderia tirar conclusão alguma.

No entanto, nos últimos anos seus estudos têm mostrado que mesmo com as imensas diferenças encontradas entre indivíduos, cometemos diariamente erros sistemáticos e previsíveis. E mais: nossas decisões são muito menos racionais, deliberativas, lineares e conscientes do que gostaríamos de acreditar.

Um dos pontos chaves da Economia Comportamental é utilizar experimentos controlados, a neurociência, entre outros métodos empíricos, para testar e medir quais, como e quanto fatores psicológicos, sociais e pequenas nuances que afetam uma determinada tomada de decisão.

O objetivo do guia e da nossa iniciativa (clique e conheça) é difundir a área e suas metodologias no Brasil, pois acreditamos que o país ainda tem muito a se beneficiar com seus estudos e aplicações, em todas as esferas.

Muitos especialistas defendem que problemas financeiros na verdade são consequências de problemas de comportamento, hábitos e atitudes nocivas em diversas áreas da vida. A Economia Comportamental consegue comprovar isso? Quais são os fatores principais para o equilíbrio?

F. A.: Existem muitos estudos sendo desenvolvidos nessa área. Um dos temas que será abordado em detalhe no Guia pelos professores Richard Thaler (University of Chicago), Scholomo Bernartzi (UCLA) e Dean Karlan (Yale University), as maiores referências no assunto atualmente, é a opção de investimentos programados e dispositivos de comprometimento.

Ou seja, hoje estou consciente da necessidade de me preocupar com meu futuro. Logo, ciente dos meus pontos fracos, opto por uma aplicação programada de poupança (todo mês o dinheiro sai automaticamente da minha conta, no dia que recebo o salário e vai direto para a aplicação).

Um programa mais sofisticado foi idealizado pelos professores Thaler e Benartzi, chamado Save More Tomorrow (SMarT). Nesse programa eles propõem que a empresa ofereça para os funcionários um produto de poupança privada no qual ele pode decidir em um período x começar a poupar em uma data futura.

Mais ainda, quando receber um aumento de salário (evitando a dor da perda). Além disso, depois que aderir ao programa o percentual de contribuição irá aumentar sempre a cada aumento de salário (considerando nossa propensão à inércia). O resultado foi incrível! No Guia, os professores Thaler e Benartzi abordarão essas e outras pesquisas na área de aposentadoria.

Já o professor Dean Karlan (Yale University) dará um panorama sobre o uso de dispositivos de comprometimento em países em desenvolvimento e abordará também o programa Save More Tomorrow (SMarT) acima, falando de alguns de seus resultados.

Além do SMarT, podemos citar alguns casos já bastante conhecidos na área, como o aumento de “adesões” aos planos 401k (plano de previdência utilizado nos Estados Unidos) ao mudar apenas a opção padrão (default option) no formulário de adesão do programa.

Em vez dos empregados terem de marcar uma opção para aderir ao plano, eles deveriam marcar caso não o quisessem, ou seja, a adesão passou a ser automática a menos que o empregado declarasse expressamente que não queria. Isso fez com que a poupança decorrente dessa previdência aumentasse em 40%.

O professor Cass Sunstein, co-autor do livro Nudge (2008) com o professor Richard Thaler, irá mostrar alguns desses resultados e discutir melhor a importância de trabalhar a opção padrão em diversas políticas públicas.

Esses são apenas dois exemplos simples, de experimentos e estudos empíricos que nos ajudam a entender melhor como conceitos aplicados da Economia Comportamental podem nos ajudar a tomar decisão melhores considerando o nosso futuro incerto.

Sobre encontrar o equilíbrio, não quero me ater a clichês, mas o autoconhecimento é ponto chave. E a economia comportamental fornece uma caixa de ferramentas e conceitos que ajudam a entender melhor o ser humano e a nós mesmos.

Quem não conhece seu calcanhar de Aquiles nas questões financeiras, pouco pode se ajudar. A fórmula matemática do gastar menos que ganha, todos já conhecem. Então, por que ainda temos tantos endividados? É nesse ponto que questões comportamentais se apresentam.

Uma das soluções que tem se mostrado muito efetivas, como vimos acima, é criar dispositivos de comprometimento, onde você amarra suas mãos para quando a tentação vier não agir da forma que “racionalmente” não gostaria.

Tem uma frase do Richard Feynman que fala um pouco isso: “O primeiro princípio é que você não deve enganar a si mesmo, mas você é a pessoa mais fácil de se enganar”.

Algumas armadilhas mentais e comportamentos nocivos podem prejudicar o controle das finanças e nossos investimentos. Você pode citar os principais desafios neste sentido e como vencê-los?

F. A.: Uma grande armadilha cada vez mais estudada é a preferência de um indivíduo por manter seu estado atual, mesmo se uma alteração de sua situação proporcionasse um aumento de bem-estar. Este viés estimula o indivíduo a permanecer onde não precise tomar nenhuma decisão.

Como diria uma frase famosa de O Mágico de Oz, “Não há lugar melhor do que o nosso lar”. Desejamos o familiar, somos avessos à perda potencial que atribuímos a uma “nova” decisão.

Como resultado, as pessoas muitas vezes “escolhem” opções pré-definidas, mesmo quando muitas outras estão disponíveis. Até mesmo opções arbitrárias que definem o status quo desempenham papéis extremamente importantes na tomada de decisões.

Além disso, há o famoso viés do presente e do desconto hiperbólico. Damos mais valor a benefícios que são recebidos agora do que benefícios a serem recebidos no futuro. Ou seja, tendemos a reduzir (descontar) o valor das coisas quanto mais no futuro for o seu recebimento.

De maneira similar, pagamentos a serem feitos no futuro também tendem a ser sentidos menos profundamente do que os pagamentos que temos que fazer no presente.

Exemplo: ao ter que escolher ganhar R$ 100 hoje ou R$ 110 amanhã, muitas pessoas escolhem a primeira opção. Já ao ter que escolher entre ganhar R$ 100 daqui a um ano e R$ 110 daqui a um ano e um dia, muitos decidem esperar um dia a mais pelos R$ 10 adicionais.

Como falamos antes, um dos pontos sendo cada vez mais estudados são os investimentos programados e dispositivos de comprometimento, pois eles incentivam que tomemos decisões em momentos nos quais a tentação ainda está na jogada (estado frio) – para que quando aconteça (estado quente) você tenha um comportamento mais próximo do que gostaria.

Você e sua equipe estão trabalhando em um Guia de Economia Comportamental e Experimental totalmente gratuito (clique para conhecer), composto de diversos artigos e materiais de renomados especialistas daqui e de fora. Fale um pouco mais desse projeto e como qualquer leitor interessado pode colaborar com ele.

F. A.: O Guia em Economia Comportamental e Experimental é um projeto sem fins lucrativos e seu objetivo é apenas difundir a área e suas metodologias, pois acreditamos que o país e a academia ainda têm muito a se beneficiar com seus estudos e aplicações, em todas as esferas.

A ideia do livro é trazer uma visão abrangente, aplicada e crítica e ele contará com artigos (e entrevistas) de professores internacionais que são as principais referências no tema, como: George Loewenstein (CMU), Cass Sunstein (Harvard), John List (Uni Chicago), Richard Thaler (Uni Chicago), Scholomo Benartzi (UCLA), Dean Karlan (Yale), Ravi Dhar(Yale),  Paul Dolan (LSE), entre outros. Mais ainda, trará contribuições de líderes do Banco Mundial e capítulos de especialistas brasileiros (FEA-USP, Coppead-UFRJ, UnB, Insper, Mackenzie, entre outros).

O lançamento já será agora, dia 23/11 na FEA-Universidade de São Paulo. Um dos líderes do projeto é a Prof Ana Maria Bianchi, da FEA.

O guia está sendo viabilizado por patrocinadores e apoiadores que gostariam de vincular sua escola, instituto e empresa a esse campo de estudo, como Coppead/UFRJ, Itaú, FEA-USP, IBCPF, London School and Economics, University of Warwick, entre outros.

Todo o material será disponibilizado gratuitamente em PDF na web e em versões impressas para os autores nacionais e internacionais, líderes no setor público e privado, universidades e bibliotecas. Para acessar o guia, clique aqui.

Empresas que queiram conversar sobre outros moldes de curso, também podem entrar em contato pelo guiaece@economiacomportamental.org.br e retornaremos rapidamente.

Que leituras você recomenda para quem quer começar a estudar mais a relação entre dinheiro, mente e comportamento? Para quem quer atuar ou se especializar nesta área, quais são os cursos e/ou passos?

F. A.: O Guia trará um material bastante completo em relação a isso. Além de livros recomendados, diversas referências, uma lista de cursos e mestrados em todo mundo.

Alguns livros mais clássicos para iniciantes seriam os livros “Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar” (Daniel Kahneman), “Nudge” (Richard Thaler e Cass Sunstein) e “Previsivelmente Irracional” (Dan Ariely).

Recentemente, um que tem ganhado grande destaque é o “Misbehaving: The Making of Behavioral Economics”, do professor Richard Thaler, considerado um dos pais da economia comportamental. Ele também tem uma perspectiva mais prática, que aplica a EC a fenômenos do nosso cotidiano e fornece aos leitores ideias sobre como tomar decisões melhores.

Um dos meus favoritos atualmente é o livro do Uri Gneezy e John List, “The Why Axis: Hidden Motives and the Undiscovered Economics of Everyday Life”, documentando experimentos de campo que mostram como incentivos podem mudar resultados no mundo real.

Outro interessante seria o do Sendhil Mullainathan e Eldar Shafir Scarcity: “Why Having Too Little Means So Much”, que reflete sobre como a escassez — e nossas respostas inadequadas a ela — molda nossa vida, nossa sociedade e nossa cultura.

Já o professor Paul Dolan, em “Felicidade Construída: Como Encontrar Prazer e Propósito no Dia a Dia”, inicia os leitores na ciência da felicidade e nos modos de alcançá-la.

Finalmente, o título do novo livro de Dan Ariely, “Irrationally Yours: On Missing Socks, Pickup Lines and Other Existential Puzzles”, mostra como podemos lidar mais racionalmente com as mazelas do nosso cotidiano. E o mais legal, teremos todos eles no Guia com artigos ou entrevistas em português: Richard Thaler, Cass Sunstein, John List, Paul Dolan, Dan Ariely, e vários outros.

Flávia, muito obrigado pelo seu tempo e parabéns pelo trabalho na área. Por favor deixe uma mensagem final para quem se interessou pelo tema e reforce a participação no Guia de Economia Comportamental e Experimental. Até a próxima!

F. A.: As implicações da Economia Comportamental são abrangentes, e suas ideias são fundamentais nas nossas decisões do dia a dia, mas também vêm sendo aplicadas em várias esferas no mundo todo do setor privado à formulação de políticas públicas.

Em 2010, o governo do Reino Unido montou o “Behavioural Insights Team” (BIT), uma unidade especial dedicada a aplicar a ciência comportamental à política e serviços públicos.

Em 2013 veio a notícia de que o governo americano estava formando uma equipe de nudge nessa mesma linha. Sua dimensão tem sido tamanha que no último dia 15 de setembro, direto da Casa Branca, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, publicou um decreto que institui a ciência comportamental como diretriz para políticas públicas e gestão governamental.

Já no caso do Brasil, a área é praticamente desconhecida. No entanto, evidências não faltam de que países como o nosso ainda têm muito a se beneficiar com seus estudos e aplicações.

Assim, contamos com todos vocês para nos ajudar a fazer desse projeto um sucesso e uma realidade. Não deixe de acessar o site oficial do Guia e baixar sua cópia (clique aqui).

Obrigada ao Dinheirama e parabéns pelo fantástico trabalho. Até a próxima!

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