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Risco fiscal e rendimentos de Treasuries em alta são obstáculos a Selic de 1 dígito, dizem economistas

A MCM projeta uma Selic em 10% ao ano no fim de 2024, além de déficits fiscais durante todo o mandato de Lula

por Reuters
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Banco Central 3

 O avanço firme dos rendimentos dos títulos norte-americanos iniciado há três meses, na esteira de preocupações com a inflação e com a situação fiscal dos Estados Unidos, é um obstáculo adicional para o Brasil reduzir a taxa básica Selic a níveis muito inferiores a 10%, em um cenário em que a preocupação crescente com as contas públicas domésticas ainda é a principal barreira, avaliam economistas do mercado e ex-dirigentes do Banco Central.

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Desde o início de agosto, o rendimento do Treasury de 10 anos — referência global para decisões de investimento — saltou cerca de 100 pontos-base, o que deu impulso às demais curvas de juros ao redor do mundo. No Brasil, o DI (Depósito Interfinanceiro) para janeiro de 2028, por exemplo, também subiu perto de 100 pontos-base no mesmo período.

A percepção trazida pelo movimento é a de que o Banco Central do Brasil, que nesta quarta-feira anunciará o novo patamar da Selic, hoje em 12,75% ao ano, terá mais dificuldades para conduzir a taxa básica para a casa de um dígito.

No auge do otimismo, antes da escalada dos yields, algumas instituições chegaram a projetar uma Selic abaixo de 8% no fim de 2024 e em 6,50% em 2025, conforme o Sistema de Expectativas de Mercado do BC. Já a curva a termo brasileira chegou a precificar uma Selic terminal de 8,75% ao ano.

A mediana do mercado aponta atualmente para uma Selic em 9,25% ao ano no encerramento de 2024. Porém, já há casas calculando uma taxa básica de 10,50% no fim do ano que vem, sem cortes adicionais em 2025.

“Se tivéssemos uma situação diferente lá fora, seria até possível o BC acelerar o processo de queda da Selic. Mas o que o mercado vê hoje é em torno de 10,50% ou 10,75% para a taxa final do processo de queda”, disse Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC e presidente do conselho de administração da gestora Jive Investments, ressaltando que acha o patamar “excessivo”.

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“O BC deve chegar a 8%? Não sei dizer, mas é mais para 9% que para 11% na minha visão”, ponderou.

Para Figueiredo, é provável que o Federal Reserve consiga iniciar seu processo de cortes de juros no segundo semestre do ano que vem, o que ampliaria o espaço para o BC brasileiro chegar a uma Selic terminal de um dígito.

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva começou com a Selic em 13,75% ao ano.

No mercado financeiro, uma das visões é a de que o desequilíbrio fiscal brasileiro — ainda longe de ser equalizado –- deixa o país mais vulnerável à disparada dos yields.

“Em tese, a elevação do juro norte-americano poderia ser parcialmente compensada por uma política fiscal mais apertada no Brasil, o que não está acontecendo”, comentou o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC e sócio da Schwartsman & Associados. “Lá fora o ambiente dificulta um pouco (os cortes da Selic), mas não é só uma questão de juro longo norte-americano.”

Desde a última sexta-feira, a percepção do risco fiscal brasileiro piorou, após Lula afirmar que a meta de resultado primário zero em 2024 dificilmente será alcançada e que o governo não quer cortar investimentos em obras.

Na segunda-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tentou minimizar o impacto das declarações, mas apenas reforçou o mal-estar com a área fiscal. Em reação, as taxas dos contratos futuros de juros dispararam no Brasil.

O economista Mauro Schneider, da MCM Consultores Associados, diz que, isoladamente, a alta da curva de juros nos EUA tende a limitar o quanto a Selic pode cair, mas em sua visão o equilíbrio fiscal brasileiro ainda é o principal desafio.

“O elefante na sala é o fiscal. Na prática, até poderia em tese nem haver um efeito negativo dos juros lá fora subindo, se o cenário fiscal brasileiro não estivesse piorando”, ponderou Schneider.

A MCM projeta uma Selic em 10% ao ano no fim de 2024, além de déficits fiscais durante todo o mandato de Lula.

Impactos

Um dos fatores para o avanço recente dos rendimentos dos Treasuries foi a percepção de que, com a economia dos EUA ainda acelerada, o Federal Reserve precisará manter sua taxa básica de juros em patamares elevados por mais tempo.

Além disso, o Fed iniciou em 2023 um processo de redução de seu balanço, por meio da venda de títulos de longo prazo, além de estar atuando na rolagem de títulos, em um ambiente de déficit público elevado. O resultado é o aumento dos prêmios de risco incorporados à curva norte-americana.

No Brasil, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, vem chamando atenção para este fenômeno. Para ele, um dos custos de os juros estarem mais altos nos EUA é a redução da liquidez para os países emergentes.

Em tese, a liquidez menor para o Brasil poderia impulsionar o dólar ante o real, pressionando a inflação, com reflexos para a política monetária.

“Vemos o dólar se fortalecendo sobre o euro, mas há efeitos diretos sobre o Brasil também. Quando se coloca isso nos modelos, há um impacto na ordem de 0,2 ponto na projeção de inflação para os próximos anos”, pontuou Schwartsman. “Não é o fim do mundo, mas o BC fica um pouco mais distante da meta (de inflação).”

(Imagem: Reprodução/Pedro França/Agência Senado)
(Imagem: Reprodução/Pedro França/Agência Senado)

Para Sérgio Goldenstein, estrategista-chefe da Warren Rena, a elevação da curva norte-americana não é o principal desafio para a política monetária brasileira.

“O canal de transmissão seria a taxa de câmbio. E o real tem sido um ativo com melhor comportamento, muito por conta da solidez das contas externas brasileiras”, avaliou Goldenstein.

“Por isso, vejo o risco fiscal muito mais que o risco internacional. Se o Brasil passar por uma mudança na meta fiscal, a Selic pode terminar acima dos 10% caso haja uma depreciação maior do câmbio ou uma desancoragem de expectativas de inflação”, completou.

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