Após mais de um ano estagnada, a comercialização de energia elétrica no mercado livre brasileiro assiste a uma retomada e vem batendo recordes no início de 2024, conforme a piora do cenário de chuvas e a maior demanda por eletricidade trouxeram mais volatilidade de preços e incertezas para os agentes, motivando-os a contratar o insumo por prazos mais longos.
Segundo dados antecipados à Reuters pelo Balcão Brasileiro de Comercialização de Energia (BBCE), em fevereiro até o dia 15, os negócios fechados via plataforma eletrônica somaram 4,83 bilhões de reais, superando em 187,5% a cifra apurada no mês todo de fevereiro de 2023. Já o volume de energia transacionada alcançou 35,30 mil GWh no mesmo período, alta de 85,2%.
Também foram registrados neste mês recordes diários na plataforma da BBCE para a quantidade de contratos negociados (728, ante a marca anterior de 722 em janeiro de 2019) e volume de energia (7,5 mil GWh, contra máxima de 5,3 mil GWh em 26 de janeiro deste ano).
Alexandre Thorpe, presidente da BBCE, afirma que essa retomada está ligada principalmente à mudança de condições climáticas, com chuvas abaixo da média histórica no período úmido e incertezas para o futuro, como a transição do El Niño para o La Niña e seus efeitos sobre o setor elétrico.
As chuvas que devem chegar às usinas hidrelétricas do Brasil entre fevereiro e julho deste ano devem alcançar a quinta pior média da história, no cenário mais otimista, apontou nesta segunda-feira o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
O cenário de chuvas trouxe mais volatilidade aos preços, gerando tanto uma busca maior por contratações de energia para “hedge”, quanto mais espaço para trading “puro”.
“Tem uma mudança muito rápida da situação de 2023 para uma preocupação de preços para 2024 e em diante, até porque o mercado hoje está operando o ano, está operando 2025”, disse Thorpe à Reuters.
“Nos 45 dias iniciais de 2024, já operamos um terço do volume (de energia) de todo 2023”, destacou.
Com mais de 40 acionistas, entre eles grandes grupos do setor elétrico e comercializadoras, a BBCE concentra cerca de 35% de todos os negócios registrados na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
Os números de fevereiro seguem uma tendência já positiva de janeiro, quando a plataforma da BBCE registrou o recorde histórico mensal de 66 mil GWh negociados, alta de 113% contra janeiro de 2023.
O montante financeiro alcançou 7 bilhões de reais, 144% maior na comparação anual.
A retomada dos negócios no mercado livre já vinha sendo notada por grandes geradores como a Eletrobras, que sofreu no último ano com a tendência de preços baixos da energia por possuir elevados volumes para vender depois da descotização de suas hidrelétricas na privatização.
Tendência Sustentável
Na avaliação de Thorpe, a maior volatilidade dos preços de energia deve se manter nos próximos meses, garantindo também maior volume de negócios no mercado livre.
“Há uma expectativa de ser um ano efetivamente bastante movimentado e volátil. Quando você vê o alongamento da curva, os agentes operando 2025, fica bem claro que essa volatilidade vai continuar.”
“Pode ter algum período um pouco menos (de volatilidade), pode ter alguma acomodação, mas nada que volte a um preço estático como a gente viu em boa parte de 2023.”
Os preços da energia elétrica vêm subindo neste ano principalmente após uma frustração com o período chuvoso, mas há dúvidas no mercado se essa tendência é realmente sustentável, uma vez que os reservatórios de hidrelétricas não estão em condições alarmantes após temporada úmida favorável em 2023 e o Brasil enfrenta uma sobreoferta de energia.
Em relatório divulgado na sexta-feira passada, os analistas do BTG Pactual afirmaram após reunião com geradores de energia que “todos” concordam que o forte crescimento na geração de energia renovável nos últimos anos impulsionou a volatilidade intradiária dos preços, aumentando o risco a preços apesar do excesso de oferta estrutural.
“A hidrologia também desempenha um papel crítico na dinâmica dos preços, e a maioria (dos geradores) concorda que outra estação chuvosa abaixo da média (2024/25) será decisiva para uma efetiva reavaliação dos preços da energia”, escreveram João Pimentel, Gisele Gushiken e Maria Resende, do BTG.