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Brasil reabre discussão sobre novas hidrelétricas mirando segurança energética

Apesar do senso de urgência dessa pauta para agentes do setor elétrico, que veem a fonte desperdiçando seu potencial, a discussão pode esbarrar na agenda ambiental

por Reuters
3 min leitura
Hidrelétricas

O Brasil deve voltar a avaliar a construção de novas usinas hidrelétricas, uma possibilidade que havia sido enterrada após os impasses ambientais gerados por Belo Monte, e que agora ensaia um retorno diante da mudança da matriz elétrica nacional e do papel das hídricas para garantir a segurança do fornecimento de energia.

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A discussão sobre uma nova política pública para a fonte, com remuneração diferenciada e possível retorno de estudos para novos projetos, vem sendo encabeçada por grandes geradores hidrelétricos e encontra receptividade no Ministério de Minas e Energia, com acenos favoráveis do ministro Alexandre Silveira.

Apesar do senso de urgência dessa pauta para agentes do setor elétrico, que veem a fonte desperdiçando seu potencial, a discussão pode esbarrar na agenda ambiental, ponto sensível para o governo Lula, ponderam especialistas.

O país tem pelo menos sete projetos de usinas hidrelétricas, somando 2,4 gigawatts (GW) de potência, com estudos em diferentes estágios, que poderiam ser retomados nos próximos anos, segundo mapeamento da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage).

Esses potenciais empreendimentos, localizados nos Estados de Roraima, Rondônia, Amapá, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, seriam avaliados sob novos protocolos sociais, ambientais, técnicos e econômicos, ressalta a presidente da Abrage, Marisete Pereira.

“A gente poderia voltar a trabalhar novos aproveitamentos hidrelétricos, com todo o cuidado, de modo que pudéssemos contar com esses recursos para garantir a segurança energética do sistema”, disse ela à Reuters.

Pereira, ex-número dois do Ministério de Minas e Energia no governo anterior, destaca que a fonte hídrica, ainda predominante na matriz brasileira, com 50% capacidade instalada, é capaz de fornecer energia e potência ao sistema elétrico a qualquer momento do dia e de forma flexível.

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Esse atributo, também proporcionado por termelétricas, é essencial para compensar a variabilidade da geração das energias eólica e solar, que têm impulsionado o crescimento do parque gerador nacional nos últimos anos.

A última hidrelétrica construída no Brasil foi Belo Monte, projeto considerado controverso por seus impactos ambientais na Amazônia e às comunidades tradicionais e indígenas locais. A usina a fio d’água (sem reservatório) no rio Xingu consumiu investimentos bilionários e foi totalmente finalizada em 2019.

Desde então há um vácuo de novos projetos hidrelétricos, tanto pela dificuldade do mercado em avançar com estudos — antes conduzidos principalmente pelo setor de construção, que minguou nos últimos anos –, como pelo maior interesse pela geração eólica e solar, que possui custos mais baixos e implementação mais simples.

Menor escala, reversíveis

Uma das possibilidades para evitar novos alagamentos de grandes áreas e garantir segurança energética são as usinas hidrelétricas reversíveis, que teriam menor escala em relação a uma Belo Monte, por exemplo, e poderiam minimizar impactos ambientais.

Esses projetos de até 300 MW, enquanto Belo Monte tem 11,2 GW, funcionariam bombeando água entre reservatórios de forma a capturar benefícios para o sistema.

“A usina bombeia água para o reservatório de cima quando a energia está barata, ao longo do dia, e gera energia na ponta, quando a energia está mais cara e a demanda está maior”, explica Gil Maranhão Neto, diretor de comunicação e responsabilidade social corporativa da Engie Brasil.

“É um dos serviços que as hidrelétricas poderiam prestar, mas hoje não tem regulação que estimule. Você teria que ter leilões especiais para energia de ponta, que não está previsto hoje, o que temos são leilões de capacidade.”

Essas mudanças regulatórias precisam vir associadas a um debate mais amplo de valorização da fonte, acrescentou ele, de forma a permitir que empreendedores possam retomar estudos para novos projetos.

“Esses quatro anos de estudo (para novos projetos) demandam por usina, por alto, 20 milhões de reais de investimento. Hoje ninguém está fazendo isso, ninguém está fazendo esse papel.”

Do ponto de vista socioambiental, o executivo da Engie ressalta que o debate avançou muito a nível mundial e que as hidrelétricas são hoje alocáveis em emissões de “green bonds” e registráveis em mecanismos internacionais de desenvolvimento limpo.

“Uma hidrelétrica, assim como qualquer grande infraestrutura pesada, é um elefante na sala, não estou negando isso. Mas esses impactos (socioambientais) e essa transformação hoje são medidos de forma consensual no mundo, de forma científica, são compensados e mitigados também através de ‘standards’ a nível global e cientificamente demonstráveis.”

No Governo

O debate sobre novas hidrelétricas é visto com bons olhos pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que vem pontuando em seus discursos públicos que a fonte foi “abandonada” e que o país não pode abdicar do potencial hídrico.

Na última sexta-feira, ao ser questionado por jornalistas sobre retomada de grandes projetos hidrelétricos, Silveira disse que, se dependesse dele, isso seria discutido.

“Se dependesse do ministro de Minas e Energia do Brasil, se discutiria, sim, as grandes hidrelétricas. Mas não necessariamente eu estou dizendo que serão as grandes hidrelétricas, até porque isso não é um resultado de curto prazo.”

Silveira destacou que o Brasil tem as pequenas centrais hidrelétricas, chamadas de PCHs. “Muitas delas, o Brasil já tem estudos que demonstram que é possível se avançar.”

Charles Lenzi, presidente da Abraget, entidade que representa geradores hídricos de menor porte, afirma que o país tem cerca de 600 projetos de PCHs, somando 9 GW e espalhados por todo o país, inclusive próximos aos grandes centros de carga, em estágio avançado para iniciar construção nos próximos anos.

“A gente tem que explorar esses potenciais com todo o critério, com todo o rigor necessário nos processos de licenciamento e com ênfase muito grande em sustentabilidade, tanto para as grandes quanto para as pequenas usinas”, disse Lenzi.

Entretanto, o debate sobre novas hidrelétricas é sempre sensível do ponto de vista político, principalmente após Belo Monte, mesmo que o foco agora esteja em usinas de menor porte, avalia Ricardo Baitelo, coordenador do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA).

“Os riscos socioambientais e até de acionistas estão aí da mesma forma que já estavam (na época de Belo Monte). Para você conseguir fazer um empreendimento, tem o custo político também, eu acho que o custo político vai ser maior ainda.”

Baitelo lembra que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva projeta a agenda ambiental — em frentes como a redução do desmatamento da Amazônia e a transição para uma economia verde — como um cartão de visitas do Brasil, algo que pode limitar o ímpeto das hidrelétricas, em determinado momento.

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