A proposta de taxação mínima sobre bilionários deve angariar mais apoio conforme os esclarecimentos técnicos estão sendo compartilhados com os países do G20, disse o formulador da proposta, o economista francês Gabriel Zucman, expressando otimismo quanto ao possível apoio dos Estados Unidos à iniciativa.
A afirmação ocorre após a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, ter dito ao Wall Street Journal nesta semana que o governo da maior economia do mundo acredita na taxação progressiva, mas que não poderia aderir à ideia de um mecanismo global para tributar bilionários e distribuir as receitas.
Falando em Brasília, onde participa de um simpósio sobre taxação internacional promovido pela presidência brasileira do G20, Zucman disse à Reuters que uma taxação sobre bilionários consta no programa de governo do presidente dos EUA, Joe Biden, e que representantes do país lhe disseram diretamente que a oposição de Yellen é direcionada a eventual acordo global para canalização dos recursos levantados.
“Há uma conversa separada e distinta, que é: por que não juntamos o dinheiro e o usamos para vários fins, para distribuição internacional ou para criar um fundo? Essa é uma questão distinta”, disse o diretor da instituição independente European Union Tax Observatory.
“Nesse ponto, está claro que a secretária Yellen se manifestou contra essa ideia. Mas não é isto que está sendo discutido aqui no G20. O que está sendo discutido é a criação de um padrão comum, que trata da tributação mínima dos super-ricos.”
Zucman, que foi encarregado pelo governo brasileiro de detalhar a ideia em um relatório a ser apresentado em julho aos ministros de Finanças das 20 maiores economias do mundo, afirmou que um trabalho preliminar já mostra que uma taxação anual de 2% sobre a fortuna de bilionários, em dólar, mostra-se a melhor alternativa para assegurar que os ultrarricos paguem sua justa parte em impostos ante outras opções que existem à mesa.
O modelo atingiria cerca de 3.000 indivíduos — dos quais pouco mais de 100 estão na América Latina — com potencial de levantar cerca de 250 bilhões de dólares anualmente. Para Zucman, o fato de a discussão sobre a distribuição desses recursos não estar em questão não tira sua relevância mesmo em países que não contam com grande presença de bilionários.
“Mesmo nos países onde não há necessariamente muitos indivíduos super-ricos, há um grande benefício em realmente fazer algo para tributá-los, que é que isso provavelmente reforçará a confiança nos governos”, disse ele, defendendo que a medida reforça a democracia e pavimenta o caminho para outros ajustes tributários pelos governos.
Segundo Zucman, os achados até aqui mostram que apenas elevar a progressividade do imposto de renda não é suficiente para atingir esse estrato, que reporta relativa baixa renda em relação à sua riqueza. Para fins de taxação, essa riqueza poderia ser medida com base na participação societária em empresas listadas em bolsas ou, em caso de negócios fechados, olhando para empresas similares no mercado acionário, defendeu.
Zucman também saudou o caráter meritocrático da taxação sobre heranças, mas afirmou que apenas trabalhar nesse front não é suficiente, já que essa taxação “chega tarde demais, uma vez na vida.”
Expectativa por declaração
Além do Brasil, França, Espanha, Colômbia, União Africana e Bélgica já expressaram apoio direto à proposta, bem como a África do Sul, que assumirá no ano que vem a presidência rotativa do G20, disse Zucman. Em tese, isso ajuda a sustentar um apoio contínuo à proposta que, o economista admitiu, ainda deverá levar anos para se tornar realidade, mas que é viável dentro do que chamou de “novo padrão internacional para uma globalização mais justa”, tal qual está se provando a implementação de uma tributação mínima global sobre o lucro de multinacionais.
Zucman também disse estar otimista com o progresso das conversas até aqui, considerando que a ideia foi apresentada pelo Brasil há apenas três meses no G20, e que espera uma demonstração concreta de apoio vinda do grupo após o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ter dito que buscaria esse objetivo para julho.
“A esperança é que vários países, tantos países quanto possível, tenham uma declaração sobre tributação, e tenho esperança de que possamos ter uma declaração como essa”, disse.
Zucman afirmou que essa será uma proposta para “começo de conversa” e que caberá aos países definir o melhor caminho, ressaltando que seu relatório apresentará variações que poderiam ser consideradas, incluindo diferentes alíquotas ou uma eventual ampliação do escopo da taxação a pessoas com patrimônio superior a 100 milhões de dólares, por exemplo.
O economista defendeu que o sistema adotado seja similar ao acordo feito entre países para a taxação mínima global sobre o lucro de empresas multinacionais, na qual governos poderão sobretaxar empresas de países não participantes. Nesse formato, Zucman acredita que não seria necessário imaginar um número mínimo de países aderindo ao modelo para que ele funcione.
“Bilionários gostam de viajar, gostam de passar uma temporada na França, no Brasil, isso permite que esses países os taxem um pouco. E também possuem ativos internacionalmente diversificados, em muitos países, possuem imóveis e assim por diante. Portanto, é possível que os países do acordo tributem esses bilionários”, disse.
No momento em que o governo brasileiro se prepara para elaborar proposta de reforma da tributação sobre a renda e o patrimônio, Zucman disse que o Brasil está liderando o debate sobre a taxação de super-ricos e que uma discussão global sobre o tema pode impulsionar a aprovação de medidas internamente.
“Se houver progresso em nível internacional, com muitos países endossando esta nova norma, isso também facilitará a reforma tributária no Brasil”, afirmou.