Uma medida provisória do governo brasileiro impondo novas regras para a utilização de créditos fiscais atraiu nesta quarta-feira críticas de exportadores do país, com representantes de setores que vão de café a petróleo considerando “inconstitucionais” as medidas, que vão deixá-los menos competitivos nos mercados globais.
A reação contra a MP anunciada na terça-feira representa o mais recente teste nas relações entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o poderoso setor do agronegócio, que apoiou seu antecessor Jair Bolsonaro.
“Embora seja fundamental a implementação de ações para o equilíbrio fiscal, as medidas anunciadas violam frontalmente a imunidade das exportações, o princípio da não-cumulatividade, o princípio do não confisco, todos previstos na Constituição Federal…”, afirmou a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), em nota.
Segundo a Abag, a MP revoga uma série de mecanismos da legislação da contribuição ao PIS e Cofins, que possibilitariam a compensação do saldo credor de créditos presumidos dessas contribuições com quaisquer débitos controlados pela Receita Federal ou ressarcidos em dinheiro.
O Brasil é o maior exportador mundial de commodities, incluindo café, carne bovina, frango, açúcar e soja, setores impactados pela medida. Mas também a indústria de petróleo, segmento em que o país tem ganhado importância, aponta problemas na MP.
A ABPA e a Abiec, que representam gigantes da carne como JBS e BRF, afirmaram que a medida obrigará as empresas a dependerem mais dos bancos para obter crédito, gerando despesas adicionais e sobrecarregando desnecessariamente as suas operações.
“O efeito no custo de produção é direto e imediato”, afirmaram em comunicado, acrescentando que a medida pode desencadear inflação de alimentos e perda de empregos no Brasil.
“É preciso lembrar que referidos créditos não configuram benefícios, uma vez que foram acumulados ao longo da cadeia produtiva e representam um custo tributário indevido”, acrescentou a Abrafrigo, que também representa processadores de carne bovina.
O governo brasileiro afirma que está tentando compensar a desoneração da folha salarial de várias indústrias, ao mesmo tempo que pretende levantar quase 30 bilhões de reais para eliminar o déficit primário este ano.
A ABPA e a Abiec, contudo, afirmam que a medida contraria a lógica determinada pelos regulamentos da Organização Mundial do Comércio da qual o Brasil é signatário que veda “exportações de tributos”.
A medida gera “uma desproporcional e inconstitucional restrição a não cumulatividade, além de tornar o Brasil um grande exportador de resíduos tributários, em total contrariedade ao determinado em nossa Constituição…”, afirmou o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).
O Cecafé, assim como outros setores, já acionou a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), para que a MP não seja aprovada no Congresso. O tema pode ser judicializado, apontaram especialistas à Reuters.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) afirmou em nota que tomará todas as medidas jurídicas e políticas para contestar os termos da MP, acrescentando que o presidente da CNI, Ricardo Alban, interrompeu sua participação na comitiva oficial do governo brasileiro à Arábia Saudita e China, para tratar do assunto no Brasil.
A Anec, que representa os exportadores de grãos e cereais no Brasil, não respondeu imediatamente a um pedido de comentário. Nem a Abiove, que fala pelas processadoras e tradings de soja, incluindo a Bunge e a Cargill, com operações locais.
A associação de produtores de biodiesel, Aprobio, afirmou que tentará convencer o governo a reconsiderar a medida para proteger os investimentos e promover o uso de fontes energéticas menos poluentes.
Setor de petróleo critica
O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), que representa as petroleiras e distribuibuidoras de combustíveis, afirmou que a nova regra impacta o caixa das empresas, que terão que utilizar outros recursos para pagar seus impostos que não os créditos de PIS/Cofins.
“Também afetará a competitividade da indústria nacional e as estratégias de investimentos e inovação das corporações, comprometendo a dinâmica do mercado com prejuízos para a geração de emprego e de renda, e reflexos importantes na economia nacional”, pontuou.
Já a Abag lembrou que a desoneração da folha de pagamento terá uma mudança gradual a partir de 2025, enquanto as medidas em relação ao uso dos créditos de PIS/Cofins, bem como da vedação ao ressarcimento do saldo credor derivado de crédito presumido, são permanentes e com efeito imediato.
“Com isso, o atual planejamento financeiro das empresas sofrerá implicações instantâneas, comprometendo investimentos e corroborando para uma elevação da insegurança jurídica e de negócios no país”, destacou a Abag, que também defende a “devolução” da MP pelo Congresso Nacional.