O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) está estudando o cálculo da inflação através de notas fiscais eletrônicas, afirmou o presidente da instituição, Marcio Pochmann, defendendo a necessidade de modernização e maior acesso a bancos de dados pela instituição conforme a digitalização avança na sociedade.
Em entrevista à Reuters na terça-feira, o economista afirmou que o uso de notas fiscais, atualmente empregado em caráter experimental pelo IBGE, permitiria mapear de forma rápida a inflação em todas as cidades do país, com um nível de detalhamento aprofundado.
Atualmente, o cálculo do oficial Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) é feito por um levantamento mensal conduzido pelos pesquisadores da agência em 13 áreas urbanas, levantando cerca de 430 mil preços em 30 mil estabelecimentos.
Pochmann destacou que a mensuração da inflação a partir das notas fiscais eletrônicas faz parte de um trabalho ainda em curso e para o qual não há conclusões tomadas, mas que poderá abrir portas para análises mais específicas, corroboradas por dados coletados tempestivamente, e para comparação com os resultados auferidos com a coleta tradicional.
“O IBGE não consegue fazer o levantamento dos preços em todas as cidades do Brasil, faz em algumas, que são representativas. Mas com a nota fiscal eletrônica, é possível ter o registro do cafezinho que você tomou, a hora que você tomou, no local que você tomou. Ou seja, tudo isso bem trabalhado permitiria você ter inflação, por exemplo, medida em todas as cidades do Brasil,” disse.
“Tecnicamente isso é possível fazer, agora não é do dia para a noite, nós temos um modelo de cálculo de inflação que vai muito bem,” afirmou ele, pontuando que o IBGE fez um acordo de cooperação com o Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), que dispõe dessas informações, além de algumas secretarias de Estados.
Marco Legal
Ex-presidente da Fundação Perseu Abramo, ligada ao Partido dos Trabalhadores (PT), Pochmann assumiu o comando do IBGE em agosto do ano passado sob críticas de opositores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e insinuações de que o instituto poderia passar a manipular dados para favorecer o governo.
Pochmann afirmou que “fake news” envolvendo o trabalho do IBGE, inclusive em relação à confiabilidade do IPCA, fazem parte de um questionamento à ciência que também ocorre em outros lugares do mundo.
“O que eu entendo importante é que não se encontrou ainda melhor método de fazer políticas públicas, de enfrentar a realidade, que não seja através de pesquisas consistentes, com metodologia internacionalmente reconhecida, e com o rigor que é necessário. E o IBGE reúne isso já há 88 anos,” disse ele.
Pochmann avaliou que, apesar de o Brasil realizar ampla coleta de dados por diferentes atores governamentais, não há operacionalidade ou metodologia comum, uma agenda que o IBGE pretende colocar na mesa em conferência sobre riscos e oportunidades do Brasil na era digital, que reunirá produtores e usuários de dados entre 29 de julho a 2 de agosto no Rio de Janeiro.
As discussões devem contribuir para a proposta de um novo marco legal a ser apreciado pelo Congresso, mirando a estruturação de um Sistema Nacional de Geociências, Estatísticas e Dados, disse ele. O debate também abarcará a coleta de dados pelas gigantes de tecnologia e como essas informações, sem identificação dos usuários, poderiam ser compartilhadas com o poder público para produção de estatísticas, adicionou.
Orçamentos familiares
Dentre as 17 novas pesquisas que o IBGE pretende divulgar a partir do próximo ano, está a Pesquisa de Orçamentos Familiares, feita pela última vez em 2017, que também deverá lançar luz sobre a necessidade de possíveis mudanças de ponderação nos componentes para o cálculo da inflação.
“A gente vem vendo, historicamente, que a alimentação a cada pesquisa de orçamento familiar reduz o peso, porém aumentam os gastos de serviços. Então isso significa, na verdade, que temos que atualizar essa recomendação estatística”, disse Pochmann.
O economista, que não comentou a conjuntura econômica por avaliar que o IBGE produz dados, mas a tarefa de interpretá-los cabe à sociedade, afirmou que o compartilhamento de dados de movimentação a partir dos sinais de telefonia móvel já é uma realidade em alguns países e permitiria ao Brasil atuar, por exemplo, na formulação de políticas públicas assertivas em casos como o do Rio Grande do Sul, onde inundações históricas em maio e junho deixaram mais de meio milhão de desalojados.
O IBGE já teve reunião inicial sobre o tema com as três maiores operadoras do país – Vivo, TIM e Claro – em conjunto com o Ministério das Comunicações.
No escopo da integração possível para futura análise, também poderiam entrar os dados da Dataprev (previdência social), Inep (educação), Datasus (saúde), Receita Federal (tributação) e os do Banco Central (pagamentos realizados por Pix), ele acrescentou. A ideia, ressaltou ele, não é ter acesso a dados que possam revelar informações individualizadas de pessoas ou empresas, de maneira que seria preservado o mesmo sigilo estatístico já garantido por lei às pesquisas censitárias e por amostragem que o IBGE conduz.