Como educador financeiro, vivo atualmente acompanhado de uma triste realidade financeira: a constatação de que milhares de brasileiros estão com “a corda no pescoço”. Este assunto parece recorrente (e de fato é), mas precisamos encontrar uma forma de ajudar essas pessoas com informações de qualidade para que não afundem ainda mais no calabouço das dívidas e possam, com inteligência e esforço saírem de um mundo de problemas para um universo de poupança e investimentos. Temos falado muito em endividamento, de forma intencional, porque este é o grande mal da economia doméstica de muitos cidadãos.
Um exemplo prático é um e-mail que recebi de uma senhora, gerente comercial de uma empresa do setor automobilístico. A Sra. Helena (nome fictício) tinha uma renda de aproximadamente R$ 5 mil. Tinha débitos em 8 cartões de crédito que chegavam a R$ 30 mil. A situação estava já tão descontrolada que ela já não conseguia pagar nem o mínimo das faturas.
Não bastando, a Sra. Helena ainda devia 3 empréstimos contraídos para pagar outras dívidas e o cheque especial. A renda estava totalmente comprometida com empréstimos. De repente, surgiu em sua vida a pergunta fatídica que acompanha atualmente muitos de nossos conterrâneos: e agora, o que fazer?
Antes de qualquer coisa, é preciso que a pessoa entenda e aceite a sua verdadeira situação e esteja disposta a ir atrás de sua recuperação financeira. Consciente de sua situação de devedor – o que significa aceitar que é o culpado -, é indispensável mudar o comportamento do indivíduo. Quer começar? Quebre a barreira das dívidas se desfazendo imediatamente dos cartões de crédito.
Então faça um diagnóstico de sua real situação financeira, afinal os problemas não podem fazer com que o mínimo de gastos de sua sobrevivência sejam comprometidos. Por exemplo, as conta de luz, água e serviços básicos devem ser honradas.
No caso da Sra. Helena, a primeira atitude incorreta que ficou clara foi sua insistência em negociar e comprar usando como base seu salário bruto (e não líquido). O salário de R$ 5 mil não representa o montante disponível, afinal temos impostos e outros descontos que precisam sem contabilizados.
Depois do diagnóstico é preciso ter em mente um objetivo claro, algo que o faça sonhar e se motivar a reverter a péssima situação. Com os dados na mão, é importante já reservar, mesmo nesse momento complicado, um pequeno valor para a realização de seus sonhos futuros.
Sabendo quanto você poderá usar para pagar as dívidas, faça uma negociação direta com o banco ou financeiras responsáveis. Não aceite ajuda de empresas de recuperação de crédito, que no final realizarão um trabalho que você próprio pode realizar. Mostre sem medo sua cara ao gerente do banco e descubra o quanto poderá aumentar seu potencial de negociação dessa forma.
Não aceite, e principalmente não se abata por chantagens ou ameaças. Descubra o seu poder de reverter a situação, afinal o interesse em receber é um item que não pode ser desprezado – e qualquer valor é melhor do que nada. Acredite, o credor quer receber e vai ouvi-lo com muita atenção. Adéqüe o seu padrão de vida ao montante que representa a diferença entre sua renda líquida, o valor dos seus sonhos e o valor utilizado para o pagamento de despesas e dívidas. Ou seja:
Dinheiro para viver = renda líquida – valor poupado para os sonhos – montante para dívidas e despesas
Esse é o melhor momento para deixar alguns gastos para um momento posterior. Experimente cancelar aquele pacote completo da TV por assinatura e Internet. Deixe de almoçar fora toda a semana e contente-se com o cinema uma vez por mês. No caso que ilustra este texto, trata-se de uma situação que exige medidas extremas. Entrar de cabeça na resolução dos problemas financeiros só dá resultado com mudança de comportamento.
No caso da Sra. Helena, o valor da dívida era expressivo. A tática que precisamos impor foi algo bastante agressivo, mas que já começa a dar resultado. A negociação dos cartões foi um sucesso e o valor a pagar foi reduzido a praticamente metade. O cheque especial foi cancelado e a dívida substituída por outra com juros menores.
Ela se matriculou em um curso de educação financeira e caminha a passos largos. Dentro do planejamento, serão 5 anos pagando a dívida – pouquíssimo tempo perto de uma vida nova que ela terá logo logo. E mesmo durante esse tempo ela estará poupando para a realização dos sonhos. Pois é, mesmo diante de tantos problemas ela alimentou sonhos e os está perseguindo com unhas e dentes. A dívida se mostrou uma oportunidade para o despertar rumo a um mundo novo, onde o consumo consciente abre janelas que passam muitas vezes despercebidas em nossa vidas.
A mensagem que fica para os amigos que se encontram em situações semelhantes é que com um pouco de dedicação e foco é possível vencer o obstáculo das dívidas. Mas, antes, é preciso acreditar que o comportamento faz a diferença e que atitude e perseverança serão mais importantes que o próprio dinheiro.
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Ricardo Pereira é educador financeiro e palestrante credenciado pelo Instituto DiSOP, trabalhou no Banco de Investimentos Credit Suisse First Boston e edita a seção de Economia do Dinheirama.
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