A expansão acelerada da oferta de CDBs de bancos pequenos e médios prometendo ao investidor elevada rentabilidade com o seguro do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) incomoda grandes instituições financeiras, incluindo o Master, preocupa o Banco Central e provoca uma reação em cadeia. Para especialistas, o FGC passou a ser usado pelas plataformas de investimento como uma propaganda para vender produtos arriscados aos clientes sem se preocupar com o efeito negativo que isso gera sobre o sistema financeiro.
Entrou em vigor em julho uma regra elaborada pelo Banco Central – a terceira desde 2021 – para moderar a emissão de CDBs que os bancos menores estavam usando para captar dinheiro do público no mercado oferecendo taxas de retorno de até 140% do CDI, bem acima do oferecido por grandes bancos, cuja rentabilidade não passa de 100% do CDI.
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A reação do BC veio como resposta a uma avalanche desse tipo de captação, que ficou popular em plataformas de investimentos, mas colocou em alerta o governo e o sistema bancário. O temor se acentuou depois que o Congresso passou a discutir – e segue discutindo, nos bastidores – um aumento do valor segurado pelo FGC para esse tipo de aplicação.
A propaganda desse tipo de investimento diz que, em caso de quebra do banco emissor que vendeu o CDB, o cliente conta com a cobertura pelo FGC (Fundo Garantidor de Crédito), que indeniza até R$ 250 mil por CPF.
O fundo é administrado pelo conjunto dos bancos e é composto por uma contribuição equivalente a 0,01% do valor depositado em ativos garantidos, como conta-corrente, poupança, CDBs e letras de crédito imobiliário e agrícola. Ou seja, todos pagam, mas quem está usufruindo da propaganda são os bancos menores e mais arriscados, que assim conseguiram turbinar a captação de recursos.
Master
Bancos médios, pequenos e cooperativas de crédito, fora do topo da cadeia financeira, hoje respondem por 24% do total de aplicações de investimento com garantia do FGC. Em 2019, esse porcentual era menor, de 16,7%.
Esses ativos são majoritariamente CDBs: 83% do valor em aplicações com seguro das instituições menores são CDBs e RDBs (um tipo de título de menor expressão). Como comparação, nos bancos maiores, esse porcentual é próximo de 50%.
A expansão ajudou instituições pouco conhecidas do pequeno investidor a arrecadar recursos e crescer. Um desses bancos é o Master, líder nesse tipo de estratégia. Segundo dados do Banco Central de junho, o banco e suas controladas têm R$ 45,6 bilhões em depósitos bancários a prazo lançados no mercado. A maioria em CDBs, de acordo com dados do balanço do Master.
A quantia é mais de oito vezes superior à de junho de 2021, quando o banco estreava a marca Master – antes, ele tinha outro controlador e se chamava banco Máxima.
Nesse intervalo de três anos, o patrimônio líquido do Master também cresceu de R$ 456 milhões em junho de 2021 para R$ 4,2 bilhões em junho deste ano, e o banco absorveu outras duas marcas, o Voiter (antigo Indusval) e o Will Bank.
Procurado, o Master informou, por meio da assessoria de imprensa, que a estratégia sempre foi de diversificação de meios de captação e “isso se mantém, tanto para ativos com ou sem cobertura (do FGC) e, como resultado, até junho já fechamos R$ 1,43 bilhão em (captações de) letras financeiras”. As letras financeiras não têm o seguro do FGC.
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Risco
Ainda que a estratégia tenha permitido o crescimento de bancos menores, o que reduz a concentração bancária, ela também agregou risco ao sistema como um todo, afirma o professor da FGV-EAESP Rafael Schiozer, especializado em estudos relacionados à estabilidade, gestão de riscos e crises financeiras.
“Depositantes colocam dinheiro em (títulos de) instituições com depósito segurado sem se preocupar com o risco do banco. Dessa forma, há uma transferência de risco do investidor desse banco para o FGC, compartilhado com todo o sistema financeiro”, afirma Schiozer. “Então, há um incentivo, que na economia chamamos de risco moral, para que o banqueiro não se importe muito com o risco do banco (ao usar o dinheiro captado) nem com o depositante nem com o investidor”.
O resultado prático disso pode ser medido por outro indicador. O custo de captação de bancos de primeira linha se aproximou ao de uma instituição mais arriscada, segundo dados do Relatório de Estabilidade Financeira do BC de abril deste ano.
Novas regras
O Banco Central fez pelo menos três investidas recentes para moderar a velocidade de expansão desse tipo de captação por meio de CDBs.
Em 2021, passou a exigir que os bancos que dependem muito da emissão de títulos baseada na propaganda do FGC façam uma contribuição extra para o fundo. A lógica é a seguinte: se querem usar o seguro como isca, que paguem mais. O número de instituições que fizeram o pagamento extra, ao fim daquele ano, era de 17. Em 2023, já estava em 40.
O BC percebeu o aumento rápido de instituições com disposição de pagar mais para seguir com o FGC e sugeriu uma nova norma em dezembro de 2023, que entrou em vigor em julho deste ano, criando travas para a captação e um desestímulo para a prática sem a proibir.
“O que percebemos é que algumas instituições passaram a buscar outros passivos não cobertos pelo FGC, o que é bom porque traz mais investidores institucionais para o jogo. Letras financeiras principalmente, que não são cobertas pelo FGC”, afirma o diretor-executivo do FGC, Daniel Lima.
Seguro maior
O incômodo no mercado financeiro e no BC acionou as sirenes quando, em agosto, durante a tramitação da proposta de autonomia do Banco Central, uma emenda apresentada pelo senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI) propôs a elevação do valor coberto pelo FGC de R$ 250 mil por CPF para R$ 1 milhão (veja a proposta aqui). Operadores do mercado bancário viram na iniciativa uma tentativa dos bancos menores de alargar a atuação que já estava sob crítica.
O argumento do senador, apresentado na exposição de motivos, era o de “incentivar maior competitividade” no setor bancário contra “o monopólio dos serviços para as instituições mais tradicionais e maiores”.
Ciro argumentou que elevar o seguro para R$ 1 milhão colocaria o Brasil mais perto do patamar dos Estados Unidos, uma vez que lá a garantia é de US$ 250 mil dólares, o que seria equivalente a R$ 1 milhão. Procurado pela reportagem, ele não quis se manifestar.
A proposta foi rechaçada pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), pela Associação Brasileira de Bancos (ABBC) e pela Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi). O argumento é que o limite de garantia atual, de R$ 250 mil, cobre mais de 99% dos depositantes e cerca de 50% das aplicações.
“A elevação dessa garantia para R$ 1 milhão não teria impacto algum na proteção de depositantes e investidores vulneráveis, mas, por outro lado, aumentaria o custo das instituições financeiras com efeitos negativos na oferta e no preço das operações de crédito. Ademais, a elevação da garantia ordinária aumentaria o risco moral, facilitando a alavancagem excessiva de parte das instituições financeiras e potencializando a formação de crises bancárias”, afirma a nota das associações de bancos.
A iniciativa teve resistência ainda do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que segundo o relator da proposta de autonomia do BC, Plínio Valério (PSDB-AM), se mostrou descontente com a proposta e afirmou que ela deformaria o conteúdo original da proposta, que é voltada ao funcionamento do BC. A emenda acabou rejeitada. Procurado, o BC não se manifestou
O Estadão apurou, porém, que o assunto não morreu e o acordo político feito no momento em que a emenda veio a público é que a proposta não entraria na PEC de autonomia do BC, mas que poderá voltar em outro projeto de lei, o que integrantes do Senado e do mercado bancário não duvidam de que possa acontecer
A maior interrogação é o que fará o governo Lula. Integrantes da equipe econômica demonstraram, nos bastidores, contrariedade com o aumento do limite do FGC e o risco provocado pela ascensão rápida das captações de bancos menores. A proposta, porém, contém outro ponto que pode interessar ao governo: a estatização do fundo garantidor.
Em junho, o FGC tinha pouco mais de R$ 107 bilhões em depósitos, hoje de natureza privada. Uma importante figura no setor bancário disse temer que o governo se interesse em absorver a quantia para o Tesouro Nacional. Para o governo seria interessante porque a receita entra antes e os gastos só ocorrem depois em eventuais indenizações em caso de quebra de banco.
Procurada, a Fazenda não havia se manifestado até a publicação deste texto. O espaço segue aberto.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.