Ao longo do século XVIII, Portugal foi inundado pelo ouro extraído (roubado) do Brasil, um fluxo de riquezas que inicialmente trouxe prosperidade, mas rapidamente se mostrou uma maldição econômica.
Esse fenômeno, frequentemente chamado de “maldição dos recursos”, contribuiu significativamente para o declínio de Portugal, que passou de potência colonial a uma das nações mais pobres da Europa Ocidental no século XIX. A análise apresentada por Davis Kedrosky e Nuno Palma em The Cross of Gold explora como a abundância de ouro transformou Portugal e como ela moldou sua economia de forma negativa.
No auge da mineração, o Brasil produzia mais de 140 mil quilos de ouro por ano, e mais de 80% desse total era enviado a Portugal.
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O impacto foi profundo: o influxo de ouro valorizou o real, encarecendo os bens domésticos em relação às importações e desviando recursos da indústria nascente e da agricultura de cereais para setores não comercializáveis, como produção de carne e vinho. Esse processo, combinado com a dependência de importações inglesas, bloqueou a industrialização e perpetuou a fragilidade econômica de Portugal.
A análise revela que o aumento de 30% no valor do real durante o século XVIII foi acompanhado por déficits comerciais crescentes. Na década de 1750, o déficit com a Inglaterra ultrapassava 1 milhão de libras por ano, representando uma dependência estrutural das manufaturas britânicas. Essa dinâmica prejudicou a diversificação econômica e manteve Portugal como um exportador de produtos primários em vez de um competidor industrial.
Os países ibéricos eram os “gigantes” do século XVI, contrastando-os favoravelmente com a Inglaterra, uma “pequena ilha insignificante… um mero anão”.
“Em 1750, a produção portuguesa per capita excedia os níveis francês e espanhol; Lisboa era a quarta cidade mais populosa da Europa. Apenas um século depois, no entanto, Portugal era a nação mais pobre da Europa Ocidental, condenada a um período de estagnação econômica que durou até as primeiras décadas do século XX”, pontuam os pesquisadores.
Inglaterra
Enquanto Portugal afundava na estagnação, a Inglaterra colheu os benefícios indiretos do ouro brasileiro. O ouro usado para pagar bens manufaturados britânicos impulsionou a Revolução Industrial na Inglaterra, criando um ciclo virtuoso de inovação, crescimento econômico e desenvolvimento tecnológico. Assim, o mesmo recurso que prejudicou Portugal contribuiu para o surgimento da Inglaterra como potência global.
No final do século XVIII, Portugal tentou proteger e promover sua indústria, mas os esforços foram insuficientes. Faltavam escala e tecnologia para competir com as economias mais avançadas, como a britânica. Além disso, o aumento das importações de grãos para cidades costeiras como Lisboa agravou a baixa produtividade na agricultura, dificultando ainda mais a transição para uma economia industrial.
O resultado foi um colapso econômico que marcou o início de um longo período de estagnação. A pesquisa de Kedrosky e Palma estima que, por volta de 1800, o PIB per capita de Portugal era até 40% inferior ao que teria sido em um cenário sem o ouro brasileiro.
Maldição dos Recursos
A história do ouro brasileiro é um exemplo clássico dos perigos da dependência de recursos naturais. Embora o ouro tenha gerado prosperidade temporária, ele também revelou as armadilhas de um modelo econômico baseado em riqueza fácil: inflação, déficits comerciais, desindustrialização e, finalmente, estagnação. Portugal, que foi uma potência no século XVI, tornou-se economicamente dependente da Inglaterra, perdendo o ímpeto para competir no cenário global.
Para o Brasil, o legado é igualmente complexo. A exploração intensiva do ouro reforçou um modelo de desigualdade e dependência econômica que perdurou por séculos. Até hoje, o país luta para diversificar sua economia e reduzir a dependência de commodities, enquanto enfrenta os desafios estruturais herdados do período colonial.
A análise apresentada por Kedrosky e Palma ilumina uma questão central no desenvolvimento econômico: como a abundância de recursos pode moldar destinos nacionais. Portugal, ao se tornar dependente do ouro brasileiro, sacrificou sua chance de se industrializar e competir com outras potências europeias. A Inglaterra, por outro lado, soube aproveitar a oportunidade para construir uma economia avançada.