Depois de uma série de reuniões ministeriais e consecutivos adiamentos nas últimas semanas, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou na noite desta quarta-feira, 27, o pacote de medidas de contenção de gastos na tentativa de dar uma sobrevida ao arcabouço fiscal e retomar a confiança nas contas públicas. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também anunciou, porém, uma medida que vai na direção contrária: a isenção de Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil por mês – promessa de campanha do presidente Lula.
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A proposta – divulgada por Haddad em um pronunciamento em rede nacional na TV e na rádio – integra a reforma tributária da renda e será enviada ao Congresso separadamente e só no próximo ano, mas foi anunciada junto ao pacote na tentativa de minimizar o impacto político e aplacar a resistência às medidas de ajuste fiscal – ainda que a contragosto da Fazenda, como mostrou o Estadão.
Como forma de compensar a perda de receita com a ampliação da faixa de isenção da tabela do IR, o governo também anunciou uma taxação para quem ganha acima de R$ 50 mil por mês – o governo deve propor uma alíquota mínima sobre a soma de todas as fontes de renda.
O ministro também afirmou que, quando houver déficit primário (saldo negativo nas contas), “ficará proibida a criação, ampliação ou prorrogação de benefícios tributários”.
A equipe econômica prevê poupar R$ 70 bilhões com o pacote de ajuste fiscal até o final do mandato – R$ 30 bilhões em 2025 e R$ 40 bilhões em 2026. As medidas não envolvem corte de gastos em relação aos valores de hoje, mas representa uma diminuição do ritmo de crescimento dessas despesas nos próximos anos.
O pacote, que será detalhado nesta quinta-feira, 28, inclui, entre outras medidas, a limitação o crescimento do salário mínimo no limite de despesas do arcabouço fiscal, e propõe mudanças nas regras abono salarial e na previdência de militares
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sinalizou a líderes do Congresso que o pacote terá um impacto fiscal de R$ 308,5 bilhões entre 2025 a 2030. Serão R$ 29,8 bilhões em 2025, R$ 39,7 bilhões em 2026, R$ 47,1 bilhões em 2027, R$ 55,9 bilhões em 2028, R$ 63 bilhões em 2029 e R$ 73 bilhões em 2030.
Em junho, o Estadão revelou que um “cardápio” de medidas estava em preparação para ser apresentado a Lula, logo após um forte movimento de alta da moeda americana, e que o objetivo era tentar enquadrar as principais despesas no limite de crescimento do arcabouço – 2,5% ao ano acima da inflação. Cinco meses depois, as discussões amadureceram e as medidas foram autorizadas por Lula, embora desidratadas em relação à proposta original, que seria mais ampla.
O objetivo do pacote é melhorar as expectativas sobre as contas do governo e dar mais confiança ao arcabouço fiscal, um conjunto de regras que têm por objetivo controlar a trajetória da dívida pública. Hoje, há uma série de despesas que crescem acima do limite total permitido pelo arcabouço – “espremendo” o espaço disponível para outros gastos, como investimentos e custeio. Esse cenário pode levar à paralisia da máquina pública e, em um cenário mais extremo, ao rompimento do próprio teto da regra.
Porém, a informação de que o governo anunciaria o aumento da isenção do IR surpreendeu negativamente o mercado, aumentou a incerteza e levou o dólar a fechar na máxima histórica nominal de 5,91 nesta quarta-feira.
Semanas de negociações
Ao longo do mês de novembro, o presidente Lula realizou uma série de reuniões com ministros e técnicos para fechar as medidas. Além de Haddad, Lula se encontrou com Rui Costa (Casa Civil), Simone Tebet (Planejamento), Esther Dweck (Gestão), Nísia Trindade (Saúde), Luiz Marinho (Trabalho), Camilo Santana (Educação), Carlos Lupi (Previdência Social) e Wellington Dias (Desenvolvimento Social), entre outros ministros.
O objetivo das reuniões, de acordo a própria Fazenda, era que as outras pastas também pudessem “opinar e contribuir” no pacote de cortes. Como mostrou o Estadão, porém, alguns ministros se manifestaram publicamente contra as mudanças, expondo o racha dentro do governo a respeito das medidas de ajuste fiscal que atingissem benefícios sociais.
Uma estratégia do governo diante desse cenário foi que as medidas também atingissem o “andar de cima”, a fim de mitigar as resistências. A pedido de Lula, a pasta da Defesa foi incluída no pacote, com mudanças na previdência dos militares.
Na última segunda-feira, após mais um encontro ministerial para tratar do assunto, Haddad afirmou que a reunião com Lula havia sido “definitiva” e que a versão final do pacote havia sido aprovada pelo presidente. Ele afirmou, contudo, que as propostas seriam apresentadas à cúpula do Congresso antes de serem anunciadas.
O encontro de Lula e Haddad com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para apresentar as medidas se deu no fim da tarde desta quarta-feira. Depois, Lula se reuniu com os líderes dos partidos para apresentar as medidas.
Horas antes do anúncio, o ministro da Educação, Camilo Santana, disse estar satisfeito com o pacote do governo e afirmou que é preciso garantir o equilíbrio fiscal do País. “O que eu tenho conhecimento é que não haverá nenhum prejuízo para a educação brasileira”, afirmou, após participar do lançamento de um livro da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, no Senado
Recados do Banco Central
Nas últimas duas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), o Banco Central elevou a taxa básica de juros (Selic) de 10,50% para 11,25% ao ano e deu recados ao governo sobre a importância de se reequilibrar as contas públicas. A preocupação da autoridade monetária acontece pelo forte aumento do dólar este ano, que encarece o preço de produtos importados e pressiona as expectativas de inflação.
“Durante a reunião, foi enfatizado o desafio de estabilizar a dívida pública em virtude de aspectos mais estruturais do orçamento público. Mencionou-se que a redução de crescimento dos gastos, principalmente de forma mais estrutural, pode inclusive ser indutor de crescimento econômico no médio prazo por meio de seu impacto nas condições financeiras, no prêmio de risco e na melhor alocação de recursos”, afirmou o BC.
Nas últimas semanas, o Boletim Focus elevou a projeção para o IPCA de 4,5% para 4,64%, acima do teto da meta para este ano. Os juros mais altos tornam mais caro para o governo rolar a sua dívida, tendo forte impacto sobre a dívida bruta, que já saltou 7 pontos percentuais no governo Lula (de 71,68% em dezembro de 2022, para 78,27% em setembro de 2024).
O ajuste fiscal ajudará o Banco Central de duas formas. Primeiro, reduzindo a pressão sobre a demanda por bens e serviços, já que o governo é um grande “comprador” na economia. Segundo, pelo efeito no mercado de câmbio, ajudando a fortalecer o real. As duas medidas ajudariam o BC a levar a inflação para a meta, reduzindo a necessidade de novos apertos nos juros.
Leia íntegra do pronunciamento de Fernando Haddad
Queridos brasileiros, queridas brasileiras, boa noite!
Nos últimos meses, trabalhamos intensamente para elaborar um conjunto de propostas que reafirmam nosso compromisso com um Brasil mais justo e eficiente. Este não é um esforço isolado do governo do presidente Lula, mas uma construção conjunta, que busca garantir avanços econômicos e sociais duradouros.
Hoje, temos sinais claros de que estamos no caminho certo. O Brasil não apenas recuperou o tempo e o espaço perdidos, mas voltou a ocupar seu lugar de destaque no mundo, entre as dez maiores economias. Agora, crescemos de forma consistente, com um PIB superior a 3% ao ano. O desemprego, que castigava nossa gente no período anterior, colocando milhões de famílias abaixo da linha de pobreza, hoje está entre os mais baixos da nossa história.
Mais famílias estão voltando a ter renda e trabalho dignos. Garantimos reajustes reais para o salário mínimo e aumentamos a faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até dois salários. Programas como o Minha Casa, Minha Vida e Farmácia Popular ganharam um novo impulso. E novos programas como o Pé-de-Meia, o Desenrola e o Acredita chegaram para combater a evasão escolar, ajudar as pessoas a recuperarem o crédito e apoiar quem quer empreender.
O combate a privilégios e sonegação nos permitiu melhorar as contas públicas. Se no passado recente, a falta de justiça tributária manteve privilégios para os mais ricos, sem avanços na redistribuição de renda, agora arrecadamos de forma mais justa e eficiente. Cumprimos a lei e corrigimos distorções. Foi assim com a tributação de fundos em paraísos fiscais e fundos exclusivos dos super-ricos.
Mas sabemos que persistem grandes desafios. Diante do cenário externo, com conflitos armados e guerras comerciais, precisamos cuidar ainda mais da nossa casa. É por isso que estamos adotando as medidas necessárias para proteger a nossa economia. Com isso, garantiremos estabilidade e eficiência e asseguraremos que os avanços conquistados sejam protegidos e ampliados.
Já devolvemos ao trabalhador e à trabalhadora o ganho real no salário mínimo. Esse direito, esquecido pelo governo anterior, retornou com o presidente Lula. E com as novas regras propostas, o salário mínimo continuará subindo acima da inflação, de forma sustentável e dentro da nova regra fiscal.
Para garantir que as políticas públicas cheguem a quem realmente necessita, vamos aperfeiçoar os mecanismos de controle, que foram desmontados no período anterior.
Fraudes e distorções atrasam o atendimento a quem mais precisa. Para as aposentadorias militares, nós vamos promover mais igualdade, com a instituição de uma idade mínima para a reserva e a limitação de transferência de pensões, além de outros ajustes. São mudanças justas e necessárias.
Para atender às famílias que mais precisam, o abono salarial será assegurado a quem ganha até R$ 2.640. Esse valor será corrigido pela inflação nos próximos anos e se tornará permanente quando corresponder a um salário mínimo e meio. As medidas também combatem privilégios incompatíveis com o princípio da igualdade. Vamos corrigir excessos e garantir que todos os agentes públicos estejam sujeitos ao teto constitucional.
Juntos com o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, aprimoramos as regras do orçamento. O montante global das emendas parlamentares crescerá abaixo do limite das regras fiscais. Além disso, 50% das emendas das comissões do Congresso passarão a ir obrigatoriamente para a saúde pública, reforçando o SUS.
Essas medidas que mencionei vão gerar uma economia de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos e consolidam o compromisso deste governo com a sustentabilidade fiscal do país. Para garantir os resultados que esperamos, em caso de déficit primário, ficará proibida a criação, ampliação ou prorrogação de benefícios tributários.
Combater a inflação, reduzir o custo da dívida pública e ter juros mais baixos é parte central de nosso olhar humanista sobre a economia. O Brasil de hoje não é mais o Brasil que fechava os olhos para as desigualdades e para as dificuldades da nossa gente. Quem ganha mais deve contribuir mais, permitindo que possamos investir em áreas que transformam a vida das pessoas.
Reafirmamos, portanto, nosso compromisso com as famílias brasileiras: proteger o emprego, aumentar o poder de compra e assegurar o crescimento sustentável da economia. Exatamente por isso, anunciamos, hoje, também a maior reforma da renda de nossa história. Honrando os compromissos assumidos pelo presidente Lula, com a aprovação da reforma da renda, uma parte importante da classe média, que ganha até R$ 5 mil por mês, não pagará mais Imposto de Renda.
É o Brasil justo, com menos imposto e mais dinheiro no bolso para investir no seu pequeno negócio, impulsionar o comércio no seu bairro e ajudar a sua cidade a crescer. A nova medida não trará impacto fiscal, ou seja, não aumentará os gastos do governo. Porque quem tem renda superior a R$ 50 mil por mês pagará um pouco mais. Tudo sem excessos e respeitando padrões internacionais consagrados.
Você sabe: essa medida, combinada à histórica Reforma Tributária, fará com que grande parte do povo brasileiro não pague nem Imposto de Renda e nem imposto sobre produtos da cesta básica, inclusive a carne. Corrigindo grande parte da inaceitável injustiça tributária, que aprofundava a desigualdade social em nosso país.
Queridos brasileiros e brasileiras, as decisões que tomamos, a partir de hoje, exigem coragem, mas sabemos que são as escolhas certas porque garantirão um Brasil mais forte, mais justo e equilibrado amanhã. Tenham fé de que seguiremos construindo um país onde todos possam prosperar pela força de seu empenho e trabalho. Saibam que o governo do presidente Lula é parceiro de cada família brasileira nessa caminhada.
Com um governo eficiente, estamos construindo um Brasil mais forte e mais justo. Muito obrigado e boa noite.
(Com Estadão Conteúdo)