Varejista do setor de insumos agrícolas, a AgroGalaxy (AGXY3) protocolou na segunda-feira, 2, seu plano de recuperação judicial na 19.ª Vara Cível de Goiânia, estabelecendo uma clara divisão entre credores que manterão relações comerciais com a empresa e aqueles que não pretendem continuar operando com o grupo.
O documento, finalizado após um fim de semana de intenso trabalho, foi apresentado dentro do prazo legal de 60 dias e traz condições especialmente favoráveis para produtores rurais e fornecedores estratégicos.
“O plano de RJ (recuperação judicial) reúne as condições de pagamento que permitam garantir a viabilidade da continuidade operacional, resultando na recuperação financeira da companhia para cumprir o plano e honrar suas obrigações com os credores”, disse, em nota, Eron Martins, CEO da AgroGalaxy.
Ele assumiu o comando da empresa após a saída do então presidente, Axel Labourt, e de cinco conselheiros durante o pior momento da crise da companhia.
Em comunicado ao mercado, a empresa informou que o plano prevê o pagamento integral, sem qualquer desconto, de créditos devidos a fornecedores, trabalhadores e produtores rurais que se enquadrem como parceiros do grupo, com prazos específicos para cada categoria.
“A proposta alia condições para retomarmos a rentabilidade, preservando nossa relação com os produtores e parceiros comerciais de longo prazo”, disse Martins, no comunicado.
Descontos e prazos
A proposta estabelece que fornecedores que mantiverem relações comerciais receberão 100% do valores devidos em 10 anos, enquanto credores financeiros terão prazo de 11 anos.
Para produtores rurais parceiros, o plano prevê início dos pagamentos já nos primeiros meses após a homologação do plano de recuperação. Já os credores que não aderirem às condições de parceria enfrentarão descontos significativos e prazos mais longos.
A recuperação judicial da varejista reflete a crise que se abateu sobre o setor de distribuição de insumos agrícolas nos últimos anos.
A combinação de juros altos, queda nos preços das commodities e supersafras que derrubaram ainda mais as cotações criou uma tempestade perfeita para empresas muito endividadas como a AgroGalaxy, conglomerado que se formou a partir da fusão de grandes distribuidores regionais do setor – como Agro100, Rural Brasil e Agroplanta.
Com dívidas de R$ 4,6 bilhões, em apenas dois meses desde o pedido de recuperação, que foi protocolado em setembro, a empresa implementou forte reestruturação. Fechou metade de suas lojas que caíram de 149 para 74 unidades e reduziu o quadro de funcionários em mais de 40%.
A nova direção aposta em produtos mais rentáveis, como defensivos e sementes, reduzindo a exposição ao mercado de fertilizantes, conhecido por margens menores.
Perda de valor
A crise da companhia, que registrou receita líquida de R$ 9,3 bilhões em 2023, teve repercussão no mercado financeiro. Seis fundos do agronegócio (Fiagros) têm exposição à empresa, variando de 0,39% a 8,2% de seus patrimônios.
No mercado de ações, os papéis da companhia encerraram o pregão de segunda-feira cotados a R$ 0,77, após oscilarem entre R$ 0,57 e R$ 0,97.
Nas últimas 52 semanas, as ações que já chegaram a valer R$ 4,14 caíram a R$ 0,38, refletindo a deterioração do valor de mercado da empresa, hoje estimado em R$ 120,91 milhões.
O plano entregue à juíza Alessandra Gontijo do Amaral também garante o pagamento integral de verbas trabalhistas em até 12 meses, limitadas a 150 salários mínimos, com primeira parcela de R$ 6 mil liberada em 30 dias após a homologação.
Para pequenas empresas, oferece pagamento único de R$ 1 mil a quem aceitar encerrar a dívida ou recebimento integral com carência de dois anos.
Os próximos passos incluem um período de 30 dias para que credores apresentem objeções ao plano. Se houver contestações, será convocada uma assembleia geral de credores para votação.
A aprovação dependerá de diferentes quóruns em cada classe de credores – trabalhistas, com garantia real, quirografários e microempresas -, com regras específicas de maioria simples ou qualificada.
A AgroGalaxy é uma das principais plataformas do varejo de insumos agrícolas do País, com carteira de 30 mil clientes.
O grupo busca com o plano de recuperação tornar viável sua continuidade operacional, enquanto equaciona o passivo acumulado durante anos de expansão agressiva via aquisições no mercado de distribuição de insumos.
Empresa evita venda imediata de ativos
A AgroGalaxy não tem planos imediatos de venda da Sementes Campeã unidade que reportou receita de R$ 605 milhões e Ebitda (lucro antes do pagamentos de juros, depreciações e amortizações) ajustado de R$ 80 milhões no ano passado, conforme apurou o Estadão/Broadcast.
Segundo uma pessoa próxima da empresa, o foco agora seria reorganizar a operação, e não considerar a venda de ativos. Eventuais movimentos estratégicos, acrescentou, poderiam ser considerados após a conclusão da recuperação judicial.
O grupo, formado a partir de aquisições realizadas pelo fundo Aqua Capital desde 2016 – incluindo a Rural Brasil, Agro100, Sementes Boa Nova, Grão de Ouro, Agro Ferrari e Ferrari Zagatto, tem como prioridade após o pedido de recuperação a reestruturação operacional.
A Sementes Campeã, que responde por 11% das receitas com insumos, mas gera 23% do Ebitda, é vista como um ativo valioso que poderia despertar interesse no mercado, especialmente por sua unidade de beneficiamento de sementes em Água Fria de Goiás.
No campo jurídico, porém, a empresa enfrenta desafios com bloqueios de valores. O Banco ABC Brasil mantém cerca de R$ 35 milhões retidos, enquanto o Banco do Brasil conseguiu, na semana passada, uma decisão favorável do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) que permite a retenção de recebíveis dados pela AgroGalaxy em garantia de empréstimos.
Em razão da recuperação, AgroGalaxy adiou a publicação do seu balanço relativo ao terceiro trimestre.