O Brasil vive hoje um momento extremamente interessante em sua trajetória econômica. O mundo vive respingos de uma crise, até certo ponto séria, com novos desdobramentos surgindo diariamente. Por aqui, a todo o momento surgem notícias que trazem alento e muito entusiasmo. A mais recente é a descoberta de petróleo na bacia de Santos, que colocará o país entre os maiores no mundo no que se refere ao “ouro negro”.
Notícias importantes, divulgadas recentemente pelo IBGE e pelo próprio governo, apontam para a aceleração no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), mesmo diante da crise atual, centrada no subprime e nos bancos norte-americanos. Ações pontuais e o bom momento garantem uma capacidade de crescimento maior que as obtidas durante boa parte dos últimos 20 anos. Será que estamos, enquanto país, aproveitando esta importante oportunidade?
Surge o porém!
Mesmo com todo esse histórico positivo, com cortes de juros, controle inflacionário, entrada recorde de dólares ao país (inclusive na forma de investimentos), internamente acontece uma batalha político-econômica acirradíssima: a questão da CPMF.
Quando foi criado, o imposto tinha objetivo e prazo. Tenho um amigo que sempre comenta que, no Brasil, tudo que é provisório acaba se tornando definitivo. Neste caso, ele está quase certo, pois ainda não se decidiu oficialmente pelo definitivo da CPMF. A julgar pelas inúmeras vezes que o imposto foi prorrogado, sinto-me inclinado a concordar com ele.
Com as prorrogações ocorridas, o objetivo foi mudando. O governo busca, na manutenção da CPMF, garantir cerca de R$ 40 bilhões/ano. Ao que tudo indica, o governo vai aumentar ou pelo menos manter seus gastos públicos e precisa, pra valer, da verba proveniente do imposto do cheque.
Aspectos da economia
A política monetária do Banco Central, sustentada no regime de metas de inflação implantada em 1999, tem se mostrado um sucesso e os resultados mostram isso. Inflação dentro dos parâmetros da meta, juros em queda (os menores da era Real) e PIB em alta são um cala boca desconcertante nos críticos do modelo. Aumentando a abrangência da análise, o câmbio flutuante, o controle das contas públicas com repetidos superávits primários para pagar juros e reduzir o endividamento são elogiados por todos e mostram os acertos no caminho.
Quando o governo Lula assumiu o poder, manteve e até aperfeiçoou aspectos dessa política, tida anteriormente com neoliberal. Alguns aspectos positivos da era globalizada também colaboram com os resultados do presente momento:
- O mais espetacular crescimento econômico global da história, de 2002 até agora, que permitiu forte demanda por exportações de commodities, o carro chefe de nossa atuação lá fora, trazendo milhões de dólares ao país, enchendo nosso cofre de reservas cambiais e somando saldo positivo em nossa balança comercial.
- Conseguimos superar, mesmo que momentaneamente, a questão de energia, fantasma que volta a nos assustar nestes idos de 2007.
Se está tudo bem, para que a CPMF?
Calma! O artigo não tem apadrinhamento político ou vertente partidária. Até agora foram discutidos fatos e acontecimentos verídicos. Com todos esses resultados positivos, que merecem destaque não só aqui, mas no mundo todo, o governo se animou e começaram a ocorrer “gastanças”:
- Previdência. Os aumentos reais em cima do salário mínimo trouxeram forte impacto nas contas;
- Pessoal. O presidente Lula justificou, através da necessidade de melhorar o atendimento público, a contratação de mais pessoal.
- Programas de Assistência Social (como o Bolsa Família). Marca presente no governo atual, o assistencialismo merece ressalvas e sua eficiência é periodicamente questionada por órgãos nacionais e internacionais.
A matemática do governo
É importante salientar que todos os gastos tiveram aumento superior à inflação e do próprio crescimento real da economia brasileira. E, a cada novo aumento nesses gastos, mais clara fica a necessidade de aumentar impostos (na mentalidade governista). Só isso já foi suficiente para alimentar o desespero pela prorrogação da CPMF.
Hoje o Brasil gasta, em média, o equivalente a 12% do PIB só com a previdência. Para um país relativamente jovem e de baixa renda, o número surpreende e assusta. Estamos em níveis semelhantes aos de paises ricos e de população mais velha, como Alemanha e Itália.
A melhoria nos serviços, que justificaria a contratação de mais pessoal, não existiu. Se existiu, seu resultado foi pífio. Os programas sociais que hoje garantem bom desempenho na avaliação do governo funcionam como uma muleta para os necessitados e mascaram uma realidade cruel: o país é incapaz de preparar mão de obra qualificada e gerar empregos na medida certa. Isso faz dessa necessidade social uma ação permanente e não emergencial.
Um exemplo interessante
O grande espelho para o mundo de hoje é o modelo chinês. Lá não se dá comida, não se usa algo como o Bolsa Família e muito menos há previdência pública. Na China se gasta menos (proporcionalmente ao tamanho da economia) e se arrecada menos impostos. No entanto, os investimentos em infra-estrutura e educação são pesados e constantes. Contando com os investimentos privados, milhões de pessoas saem da pobreza todo ano. Muito há que ser feito, é claro, mas o modelo tem seus méritos claros.
O Brasil não pode dormir em berço esplendido. Na economia, tudo pode mudar do dia para a noite e fazer desse período de bonança um elo de sustentabilidade deveria ser prioridade nacional. Melhor que dar o peixe, é ensinar a pescar.
O artigo foi baseado em notícias e reportagens do jornal O Estado de S. Paulo.
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Ricardo Pereira é Analista Financeiro Sênior da ABET Corretora de Seguros, trabalhou no Banco de Investimentos Credit Suisse First Boston e edita a seção de Economia do Dinheirama.