Matheus comenta: “Olá amigos do Dinheirama! Gostaria de saber mais sobre a dívida externa. Qual é o seu valor atual? O que é a Dívida Externa de Curto, Médio e Longo prazo? Vale apena pagá-la? Se sim, porque o Brasil não ‘junta uns trocos’ e termina com isso de uma vez? Gostaria de saber mais sobre o assunto e tenho certeza de que o Dinheirama é o lugar certo para isso. Obrigado pela atenção”.
Olá Matheus. Você tem razão, desde que aprendemos as primeiras noções de economia somos assombrados pela chamada Dívida Externa. Mas, na ponta da língua, poucos sabem sua origem, como no decorrer do tempo o volume foi aumentando, como os empréstimos contraídos foram utilizados etc. Como é papel do Dinheirama esclarecer tudo que envolve economia e finanças, vamos abordar o tema de uma forma muito direta. Esperamos que os leitores participem desse debate e deixem suas opiniões nos comentários e no nosso fórum.
Origem da dívida
A origem da dívida externa remonta o ano de 1824. Na época, foi contraída uma dívida no valor de 3 milhões de libras esterlinas, ficando conhecida depois como “empréstimo português”. A principio, o valor serviria para cobrir despesas do período colonial. Na prática, significava um pagamento à Portugal pelo reconhecimento de nossa independência.
Em 1829 foi realizado um novo empréstimo, que entrou para história como o “ruinoso”, realizado com o intuito de cobrir parcelas não quitadas na dívida anterior. Fechado o empréstimo, o Brasil recebeu apenas 52% do acordado. Os 48% restantes serviram para cobrir os juros da dívida anterior. Foram registrados outros dois empréstimos considerados importantes durante o período de império (1843 e 1852) que ainda serviram para pagamentos de débitos relativos ao primeiro empréstimo, saudado completamente apenas em 1890.
Durante a chamada república do “café com leite”, o endividamento foi só aumentando. Analisando friamente a situação, percebe-se que o intuito foi a necessidade de garantir os privilégios da elite. O presidente Campos Salles, eleito em 1898, viajou para a Inglaterra pessoalmente, antes da posse, para negociar a dívida com os banqueiros Rotshild. O site HistoriaNet nos conta mais:
“Deste encontrou surgiu o acordo denominado Funding Loan, que suspendeu o pagamento da dívida por 13 anos. O pagamento dos juros seria realizado em 3 anos, em títulos da dívida pública, podendo o Brasil obter um novo empréstimo. Como garantia do cumprimento do acordo, as rendas das alfândegas brasileiras ficaram hipotecadas aos credores ingleses”
“Em 1906 surgiu uma nova dívida graças ao inicio da “Política de Valorização do Café”. Foi assinado o Convênio de Taubaté, entre os governadores de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, que, a partir de empréstimos tomados no exterior, comprariam e estocariam excedente da produção de café”.
De lá pra cá…
No período posterior ao golpe militar os empréstimos continuaram a aumentar de maneira expressiva, graças a política econômica desenvolvida no Brasil naquela época. O momento ficou conhecido como “milagre econômico”, quando viu-se a economia brasileira crescer a taxas elevadíssimas, com o ingresso maciço de capital estrangeiro. Ah sim, nesse período a dívida saltou de 4 para 12 bilhões de dólares.
Podemos traçar a história do endividamento no período militar em dois estágios:
- Governos Costa e Silva e Médici, 1968 a 1973 – Milagre Econômico. Nessa época, os empréstimos foram usados para absolutamente tudo. Desde a operacionalização de empréstimos via crédito direto para aquisição de geladeiras, secadores de cabelo, automóveis e outros bens até o financiamento de grandes obras urbanas como estradas, viadutos e redes de energia elétrica.
- Governo Geisel, 1974 a 1979. Nessa segunda fase, a indústria de bens de consumo duráveis, lideradas pela grande produção de automóveis, encalhou. Isso ocorreu, em grande parte, por causa da crise mundial gerada pelo petróleo, repercutindo no aumento das taxas de juros. Taxas estas que somadas aos gastos dos grandes projetos de geração de energia levaram à necessidade de novos empréstimos, considerados, pois, indispensáveis.
O ano de 1982 foi, economicamente, o ano da falência declarada do modelo brasileiro de desenvolvimento. Assim, o país recorreu ao FMI e, ao final do governo Figueiredo (final da ditadura militar), a dívida externa brasileira chegava a casa de 100 bilhões de dólares.
O endividamento externo do país é ruim? É bom?
Como percebemos no decorrer do texto, a dívida externa existe há muito tempo e, por muito tempo, diversos fatores nos levaram a acreditar que o endividamento externo seria a solução de nossos problemas. Prática chamada de “morfina imprescindível”. O site Economia Online nos ajuda a entender melhor:
“Nossa história sempre foi marcada pela política do fraco contra o rico e pela crescente desvalorização de nossas exportações. No entanto, quase sempre o preço das importações permanecia forte. Desta maneira, fomos escravos de um grande déficit na balança comercial, fazendo com que seguidos governos optassem pela solução mais fácil: o financiamento externo, usado não só para tapar lacunas emergenciais, mas para conseguir a rolagem da própria dívida”
O Governo é o detentor de toda a dívida?
Não. Ao contrário do que muitos pensam, a dívida externa pertence, em sua maior parte, às grandes empresas privadas. Sabe-se que 60,1% dessa dívida, algo em torno de R$ 130 bilhões, cabe ao setor privado. Do total dessa dívida do setor privado, cerca de 80% correspondem às dívidas de médio e longo prazo. Os valores de curto prazo na sua maior parte correspondem à linhas de crédito para financiamento do comércio exterior, periodicamente renovadas.
Perfil da Dívida Brasileira
O perfil da dívida externa brasileira mudou bastante da década de 80 até hoje em dia. Naquele tempo, o grande devedor era o setor público. Em dezembro de 1980, por exemplo, 69% dos 53,8 bilhões que o país devia eram responsabilidade do governo federal. Em 1985, esse percentual era de 82%.
Hoje, o setor público não-financeiro (governo federal, estados, municípios) responde por algo próximo a 20% da dívida externa bruta. Considerando-se a dívida externa líquida do setor público, ou seja, deduzindo-se da dívida bruta as reservas internacionais do Banco Central (que cresceram muito nos últimos anos e giram em torno de 175 bilhões de dólares), pode-se dizer que o Brasil está em uma posição bastante confortável se comparada aos idos de 1980.
E o calote, é uma opção?
Se for considerado inadimplente o Brasil perde todo o crédito no exterior. Um dos pontos principais que trouxeram respeitabilidade e confiança ao país foi, justamente, o compromisso do governo em honrar os contratos. A Argentina optou por um caminho diferente e as consequências foram sentidas de forma muito intensa. Com a reestruturação, a coisa melhorou.
As desconfianças geradas por uma moratória levariam anos para serem absorvidas totalmente pelo país e pelos investidores internacionais. Acredite, muitos dos reflexos negativos que ainda temos em nossa economia hoje são oriundos da inadimplência da década de 80.
Enfim, melhoramos bastante.
Os números mudaram muitos nos últimos anos e a confiança internacional no Brasil está novamente para ser testada, através das agências internacionais de rating, com a tão celebrada e aguardada chegada do grau de investimento. O Risco Brasil nunca esteve em patamares tão baixos.
Podemos concluir que hoje, com uma política econômica mais austera, a dívida externa esta controlada. Nota-se superávits primários anualmente alcançados, que servem para pagamento dos juros da dívida. O país economiza e quem ganha somos nós, graças a estabilidade e confiança que conquistamos.
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Ricardo Pereira é Analista Financeiro Sênior da ABET Corretora de Seguros, trabalhou no Banco de Investimentos Credit Suisse First Boston e edita a seção de Economia do Dinheirama.
Crédito da foto para Marcio Eugenio.