Aqui no Dinheirama, no mais recente livro lido sobre finanças pessoais, na revista especializada ou no site de uma consultoria financeira, não importa, há uma mensagem sempre marcante quando o planejamento financeiro pauta a discussão: tomar decisões pensando no futuro, também chamado de longo prazo, é parte essencial de uma estratégia eficiente de formação de patrimônio e construção de uma vida mais tranquila. É consenso entre os amantes do tema, mas não entre a maioria da população.
Se o futuro não existe, como planejá-lo?
Expressões como “O futuro a Deus pertence”, “Viva a vida no presente, único momento possível”, ambas oriundas da sabedoria popular e “No longo prazo todos estaremos mortos”, do famoso economista Maynard Keynes, para ficar em poucas variantes, têm lugar garantido na agenda romântica de justificativas da grande parcela da população que não gerencia seus recursos (financeiros, morais, profissionais etc.).
O paradoxo torna-se mais interessante quando passamos a observar o futuro como uma consequência do presente. Não se trata de filosofia ou autoajuda, mas de uma constatação simples: o futuro inexiste, é fato, mas só existe se, no presente (hoje), criarmos condições para tal. É mais ou menos assim: o amanhã pode não existir, é futuro, incerto, mas se ele acontecer precisarei ter saldo suficiente para pagar o cartão de crédito e o plano de saúde.
Não é tão simples. Se o problema fosse apenas nossa visão de futuro, talvez as oportunidades de mudança fossem mais nítidas. Há a questão cultural, carregada com o peso de anos de instabilidade econômica, política e social. Porque por muito tempo fomos manipulados, sendo obrigados a viver sob regimes autoritários, fechados e com pífia administração para o longo prazo. A inflação, por exemplo, arruinava qualquer desejo de planejamento.
Futuro quer dizer tempo. Para o dinheiro, tempo é tudo!
Enxergar o futuro quando estamos endividados é horrível. Dói. As contas vão vencer, nossos nomes serão protestados ou colocados nas famosas listas de maus pagadores. E, ao optar por não pagar o que devemos, a dívida cresce – muitas vezes de forma incrivelmente rápida. E ao final de um, dois, cinco anos, devemos quantias inacreditáveis. Mas devemos! Só então nos damos conta de que o futuro existe e agora é presente. Muito presente. O futuro é ali na frente, mas depende do aqui, agora. Filosofia básica de bar.
Felizmente, a sociedade já se prepara para viver e incentivar iniciativas sérias de educação financeira, capazes de fazer refletir até mesmo as famílias mais humildes, dotadas das mais diversas razões para ignorar a chance de um amanhã melhor. Acreditar que é possível mudar o futuro, que não tem nada a ver com destino, deve ser o primeiro passo.
Ora, quem constrói patrimônio através de um fluxo de caixa confortável, equilibrado e que destina somas relevantes para os investimentos sabe que o poder dos juros compostos, prática da matemática financeira que faz crescer montantes aplicados (lado bom) ou emprestados (lado triste), é muito maior quando o tempo é usado com sabedoria. Pequenos aportes, por muito tempo, trazem boa fortuna e qualidade de vida.
Qualidade de vida?
Sim, pois quem aprende a poupar e investir desde cedo, aceitando que o futuro não é apenas a certeza da morte, destina pequenos valores para os projetos de médio e longo prazo, podendo usar boa parte das receitas do presente para aproveitar melhor o agora. Um outro grupo, tido como modelo de comportamento, prefere viver “intensamente” e gasta tudo e ainda toma dinheiro emprestado. Quer ver na prática?
- Formado, com seus 20 e poucos anos, o sujeito começa a trabalhar e, com a família, estabelece algumas metas pessoais e profissionais. Então destina, todo mês, uma quantia pequena, mas razoável, para a previdênvia complementar (para os 60+ anos), para a compra do carro e entrada em uma casa própria dali 10 anos. Com estes planos em mente, e dado o horizonte de tempo à sua frente, ele destina cerca de 30% de suas receitas para seus sonhos. Ele investe e usa o tempo. Com o restante do que ganha, pode fazer muita coisa. E faz;
- Formado, com seus 20 e poucos anos, o sujeito tem que começar a trabalhar em qualquer emprego porque precisa arcar com parcelas atrasadas de um carro financiado quando ainda era universitário. Os pais pagavam uma parte e ele outra. De vez em quando exagerava e os pais cobriam tudo ou deixavam uma ou outra parcela para trás. Ele faz questão de ter os itens de consumo da moda, mas porque o observam por isso e não por necessidade, e a única opção de construir patrimônio que vislumbra é através de financiamentos. Na prática, ele não faz quase nada do que realmente gostaria.
Qual dos dois tem mais futuro?
“Depende”. Depende das circunstâncias, depende do perfil de cada um, depende da profissão, de seu relacionamento, disso, daquilo. “Depende” é uma resposta que sempre funciona, especialmente quando falta coragem para assimilar certas verdades. Então tá. Um crê no futuro como fruto de seus atos, outro crê no presente como saída para todos os seus problemas – o que, essencialmente, cria mais problemas. Situações assim são comuns, estão por toda parte. Infelizmente.
Ah, o futuro… Não pretendo convencê-lo de que o futuro só será mais rico, confortante e melhor desfrutado se você se planejar. Prefiro apenas despertar em você o desejo de questionar-se acerca dos dias e anos que virão e suas aspirações e motivações para mudar o presente de alguma forma. Tudo porque esses dias alguém me perguntou: “Mas Navarro, por que o futuro é tão importante?”. Minha resposta, óbvia como quase tudo que escrevo, foi: “Porque ele chega! Rápido!”.
Crédito da foto para freedigitalphotos.net.