Dando sequência ao conjunto de artigos que visa proporcionar ao leitor do Dinheirama o básico da arte de investir em ações, vamos abordar hoje alguns conceitos e práticas da Análise Fundamentalista. Ela considera basicamente as informações contábeis (lucro, receita, faturamento, entre outras) e os indicadores da empresa em sua área de atuação, como produção, investimentos em infra-estrutura, ampliação, liquidez, endividamento e recursos humanos.
Fazendo-se valer de um método de cálculo denominado Fluxo de Caixa Descontado, os analistas determinam o chamado preço justo de uma ação e analisam se a saúde financeira e mercadológica da empresa, comparando seus dados com a de seus concorrentes. Aventure-se conosco nesse universo um pouco mais técnico, mas igualmente fascinante.
Entendendo o preço justo
Primeiro, entenda que o preço das ações nas bolsas não é o próprio preço justo, mas uma média de expectativas entre compradores e vendedores da ação. Lembre-se da psicologia envolvida na negociação de ações.
A cotação é um dado de mercado, enquanto o preço justo é uma avaliação individual. Em análise fundamentalista, as informações utilizadas geralmente envolvem níveis futuros e previstos da atividade econômica nacional, setorial e da empresa, além de considerações políticas que possam influenciar no comportamento de variáveis econômicas, afetando as taxas de retorno esperadas e o grau de incerteza a ela associado. O principal indicador que baliza o preço das ações é o Indicador Preço/Lucro, mais conhecido como P/L.
Principais Objetivos da Análise Fundamentalista
- Precificação de Ações. Para investimentos em ações de uma companhia aberta, esse método é utilizado na determinação do “Preço Justo”. Para isso, basta dividir o valor econômico calculado pelo número total de ações da empresa. A relação entre o “preço justo” e seu valor de mercado (cotação em Bolsa) indicará o potencial do ativo-objeto, determinando a decisão de COMPRA ou VENDA desses papéis.
- Fusões e Aquisições. Para determinar os valores-base em negociações de compra, venda, fusão, participações acionárias e parcerias entre empresas industriais, comerciais e de serviços (operações de M&A).
- Projetos e “startups”. Para determinar a viabilidade econômica de projetos. Por exemplo a ampliação das instalações de uma indústria, a entrada em um novo segmento, lançamento de novos produtos ou a criação de novas empresas. (elaboração de planos de negócios).
Método de análise econômica para empresas e projetos (viabilidade)
Este é um dos modelos mais aceitos e difundidos. Como o próprio nome sugere, baseia-se nos fundamentos que a empresa ou o projeto apresentam. Sob essa ótica, para que a empresa ou o projeto sejam viáveis e tenham chance de sucesso, é imperativo a existência de um planejamento adequado e realista, que contemple toda a diversidade ambiental, temporal e estratégica envolvida nesse processo.
Dessa forma, a análise fundamentalista pode servir para avaliar projetos de empresas “start-ups” ou mesmo aquelas já em fase operacional. Em geral, esse trabalho é realizado com 2 focos principais:
- Aspectos materiais. Informações históricas contábeis e financeiras, disponibilidade tecnológica, capacidade financeira, fontes de recursos, capital humano, histórico de desempenho empresarial dos sócios, entre outros;
- Aspectos subjetivos. O momento/oportunidade de mercado, projeções de desempenho, cenários macroeconômicos, risco envolvidos, alternativas de investimento, valores éticos, sócio-ambientais, entre outros.
A partir da análise conjunta desses elementos são definidas as premissas para a elaboração da projeção de resultados para os próximos anos. Essa medida de desempenho permite construir os fluxos de caixa futuros (a quantidade de anos projetados depende da natureza da atividade – em geral são projetados 6 anos/exercícios).
Fluxo de Caixa Operacional (Free Operating Cash Flow)
Uma vez constituídos os fluxos de caixa da empresa/projeto, pode-se avaliar seu valor atual através da metodologia do Fluxo de Caixa Descontado, que consiste em trazer para o valor presente (VPL) os fluxos futuros a uma taxa de desconto tecnicamente definida. O exemplo mais comum e difundido em larga escala é o modelo CAPM, baseado no Beta (indicador de volatilidade) da empresa:
CAPM = RF + b*( RM – RF )
Onde:
CAPM (Capital Asset Pricing Model) – precificação do custo do capital para investimento;
(RM – RF) – Taxa de risco
RF (risk free) – taxa livre de risco (no Brasil é a Selic/CDI);
RM (risk market) – risco de mercado (varia de acordo com a natureza da atividade);
O Beta (b) é um indicador de risco da empresa em relação ao seu setor de atuação e de suas empresas concorrentes.
Assim, pode-se resumir essa metodologia através das seguintes equações:
Valor Econômico Da Empresa = Fluxos Projetados + Perpetuidade
Ou
Vo = VP (Período de Crescimento) + VP (Período de Estabilidade)
Ou
Vo = VP (Valor Explícito) + VP (Valor Residual)
O que é perpetuidade?
A perpetuidade é o valor presente dos fluxos de caixa futuros (período estável) – do último exercício projetado para o período explícito até o “infinito”. Ou seja, o método contempla a expectativa de continuidade da empresa. Dessa forma, é considerada a capacidade da companhia de obter sucesso em sua atividade por tempo indeterminado.
Análise Vertical e Horizontal
Através dessas análises podemos visualizar rapidamente variações anormais de contas de uma demonstração financeira, e, assim, elaborar estudos mais detalhados sobre essas anormalidades.
Análise Vertical
O objetivo da análise vertical é poder observar, ao longo do tempo, o comportamento das demonstrações financeiras mostrando a participação percentual em cada exercício social de subcontas em relação a uma conta base que equivale 100%.
Esta análise, ao contrário da análise horizontal, não é afetada pela inflação, uma vez que trata de contas de uma mesma demonstração financeira, e portanto, de valores que encontram-se em moeda de uma mesma data. A idéia é comparar a proporção de cada subconta dentro do cenário global e suas evoluções nas comparações com exercícios diferentes.
Repare no exemplo abaixo. Note que no ano 19X3, o Passível Circulante correspondia a 44,5% do total de Passivos (239.476), enquanto que em 19X5 representava 39,5% do do total daquele ano (275.086):
Análise Horizontal
O objetivo do estudo através da Análise Horizontal é comparar a evolução individual das contas que compõem as demonstrações financeiras em períodos de tempos consecutivos.
A análise horizontal pode ser exposta de duas formas. Para exemplificar, consideremos a conta “Clientes” classificada no ativo circulante do balanço patrimonial, cujos valores encontram-se em moeda constante de 31/12/X5, portanto, a variação percentual a ser apurada é real.
Forma 1. Mede a evolução da conta ao longo dos períodos, tomando-se como base o primeiro período em análise.
Forma 2. Mede a variação percentual ocorrida entre dois períodos sucessivos, visando analisar sua uniformidade em relação aos períodos em estudo.
Como podemos observar, o exercício de 19X3 obteve uma variação atípica. O uso das análises vertical e horizontal apresenta importantes informações do comportamento das demonstrações financeiras do passado, presente e oferece subsídios para projeções futuras da companhia.
O espaço é curto para tantos referênciais técnicos. Nossa proposta é iniciá-lo no mundo da análise de ações e precificação, mas fazê-lo com responsabilidade e cuidado. Teremos mais adiante artigos mais profundos sobre alguns indicadores importantíssimos como Preço/Lucro, Índice de Liquidez e Endividamento. Por enquanto, perceba que a infinidade de técnicas pode ser complexa, mas muito benéfica para sua participação no mercado. Não deixe que o “economês” o assuste. Fique de olho e comente.
Os seguintes sites foram usados como referência:
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Ricardo Pereira é Analista Financeiro Sênior da ABET Corretora de Seguros, trabalhou no Banco de Investimentos Credit Suisse First Boston e edita a seção de Economia do Dinheirama.
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Crédito da foto para Marcio Eugenio.