Pelo andar da carruagem, mesmo depois de superado o susto de uma possível moratória norte-americana, onde a aflição tomou conta dos mercados internacionais assim como de veteranos de guerra, pensionistas e credores, poucas horas de sono tranquilo estarão disponíveis nos próximos tempos para aqueles que acompanham a novela da economia mundial, seja por força da profissão ou por senso de realidade.
O fato é que as explicações oferecidas e elaboradas por especialistas, que apresentavam o forte impacto da crise de 2008 como justificativa para a paralisia da maior economia do mundo em 2009, e que depois foram reapresentadas para explicar a irrelevante reação ensaiada em 2010, tornaram-se agora teses sem validade, com quase nenhuma sustentação. Passados quase três anos após a quebra do Lehman Brothers (lembram-se do primeiro dominó da série?), a economia americana patina em meio a um dos maiores confrontos políticos de sua história, com sequelas ainda imprevisíveis.
A sensação que fica é a de que a roda emperrou como resultado de uma quebra na engrenagem econômica, fazendo a confiança dos tradicionalmente convictos e autoconfiantes empresários norte-americanos ser reduzida a pó, resultando em uma fortuna em caixa a espera de um empurrão, uma luz no fim do túnel, um alento.
Não há dúvida sobre a imperiosa necessidade de mudanças nesta engrenagem econômica que encantou o mundo por décadas de sucesso e dinamismo. Mas também não há dúvidas sobre a dificuldade de uma mobilização nacional nessa direção, ainda mais quando o cenário aponta uma sociedade ainda crente na força natural de reciclagem e reinvenção do seu potencial empresarial, e que por sua vez é conduzida por um dos governos mais desprovidos de força política de sua história.
Franklin Delano Roosevelt (presidente por quatro mandatos, de 1933 a 1945) enfrentou uma barra e tanto com a grande depressão, mas em sua “salvação” veio a Segunda Grande Guerra, e com ela o rompimento do “ponto de inflexão” – a partir da união nacional em prol de um maciço emprego da sociedade no esforço de guerra e com isso o desatar do nó econômico de sua época. A história que se seguiu sabemos de cor. Mas e quanto ao momento atual? O que desatará o nó? A torcida é grande.
Mas não deixemos de olhar para as bagunças da própria casa enquanto contemplamos a confusão nos vizinhos. Não estaremos nós também enfiados em um gigante e imponente “Ponto de Inflexão”?
A partir de 1990, iniciamos finalmente a abertura de nossos mercados, a consolidação aos trancos e barrancos da nossa jovem democracia e a inevitável inclusão da palavra competição no vocabulário cotidiano das empresas. Em 1994 começamos a debelar a inflação, cuja queda se consolidou (mas nunca deixou totalmente de nos ameaçar) e diante de uma economia “de verdade” avançamos e inovamos como poucas vezes se observou. No período seguinte, fortalecemos as instituições, saneamos o sistema financeiro e o próprio estado por meio de um forte processo de privatização.
Em 2003, inauguramos uma fase de exploração do câmbio desvalorizado (mas que agora foi embora e vai demorar a voltar), expandindo as fronteiras do processo exportador, bem como passamos a valorizar e praticar a continuidade de políticas econômicas e fiscais que vinham dando certo (independentemente de terem sido implementadas por outro grupo político), colocamos em prática um modelo próprio de desenvolvimento do mercado interno e também surfamos na onda gigante e confortável das commodities.
Em 2008, superamos todas as expectativas dos analistas internacionais e das agências de avaliação de risco, enquanto ícones do mercado financeiro internacional viravam pó da noite para o dia (muitas vezes no mesmo dia em que seus economistas chefes liberavam avaliações bastante pessimistas sobre as economias emergentes), para em seguida serem salvos pelo dinheiro dos contribuintes de seus países.
Mas a fila anda e não é difícil pensar no que consiste o nosso “Ponto de Inflexão”. E é justamente por não termos atravessado tantas décadas de bonança e sucesso ininterruptos que posso deixar a sentença assim, subentendida e incompleta para ser preenchida na cabeça de cada leitor. Sabemos bem onde estão os nossos nós, não sabemos?
Talvez a falta de espaço para ilusões seja uma vantagem. Mas não podemos perder tempo. Até o próximo texto.
Foto de sxc.hu.