Apesar de a B3 (B3SA3) ter responsabilizado os membros do Conselho de Administração da Americanas (AMER3) sobre a fraude de R$ 25 bilhões revelada em janeiro de 2023, a decisão demorou quase um ano para se tornar pública, ressalta o Instituto Empresa, entidade que reúne minoritários e defende investidores.
A avaliação da Bolsa sobre o assunto derrubou a tese da varejista, que defendia a ser uma vítima das fraudes e atribuía a culpa exclusiva a alguns diretores. Com isso, os nomes de Carlos Alberto da Veiga Sicupira, Jorge Felipe Lemann e Paulo Alberto Lemann, filhos de Jorge Paulo Lemann, que faziam parte do controle acionário e do Conselho à época das fraudes, também foram multados e culpados.
A Bolsa salientou a falta de ação dos conselheiros em relação à auditoria e aos mecanismos de controle interno da Americanas, reiterando que eles falharam em tomar as providências para evitar as fraudes contábeis.
A saída de Sicupira e dos Lemann do Conselho, contudo, não retirou a influência do trio de acionistas de referência da Americanas, a LTS, que conta ainda com Marcel Telles. Isso porque Eduardo Saggioro Garcia, sócio da holding, que já fazia parte do conselho, foi reconduzido ao posto para um novo mandato de dois anos.
O grupo de empresários ficou conhecido pela trajetória virtuosa no capitalismo brasileiro, que contou com a compra de três grandes marcas americanas: Budweiser, Burger King e Heinz. A história é contada no livro “Sonho Grande”, que poderia ser atualizado para “Fraude Grande”, considerando o fracasso com a Americanas.
“Uma cultura tão eficiente quanto implacável, em que não há espaço para o desempenho medíocre. Por outro lado, quem traz resultados excepcionais tem a chance de se tornar sócio de suas companhias e fazer fortuna”, diz parte do livro que parece necessitar de uma atualização.
As ações da Americanas, em um ano, têm que de aproximadamente 92%.
Blindagem na CPI
O trio não escapou da análise da B3, porém conseguiu fugir de qualquer punição ou exposição durante a CPI da Americanas conduzida pela Câmara dos Deputados e encerrada um ano atrás.
Parte do colegiado apontou “blindagem” ao trio de controladores da empresa (Carlos Alberto da Veiga Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Hermann Telles). O relatório final foi aprovado por 18 votos contra 8 contrários.
O ex-CEO da Americanas, Miguel Gutierrez, apontado pela empresa como o grande responsável pela fraude, enviou uma carta de 17 páginas (veja aqui) aos membros da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigava a crise na rede varejista.
No documento, Gutierrez disse que “nunca soube” que a pressão dos controladores da Americanas por resultados “teria levado a atos de manipulação da contabilidade”. Ele afirma, contudo, que o setor tinha “forte influência e controle” dos controladores, os bilionários Carlos Alberto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles.
Gutierrez diz que o CEO que o sucedeu, Leonardo Pereira, fez acusações levianas contra ele para desviar o foco da investigação para longe dos acionistas controladores. Segundo ele, o 3G atua ativamente da gestão das empresas de seu portfólio e controla rigorosamente suas finanças.
“No caso da Americanas, isso ocorre não apenas por meio da presença dos controladores (ou de pessoas diretamente ligadas a eles) no conselho de administração ou no comitê financeiro, e da forte presença de membros desses órgãos no dia-a-dia da companhia (especialmente na área financeira), mas também através da sua holding LTS, cujos funcionários, ainda que não tivessem cargos oficiais na companhia, participavam de sua gestão e de seus acompanhamentos”, destaca.
Demora da B3
Para Eduardo Silva, Presidente do Instituto Empresa, não há o que justifique a B3 demorar quase um ano para publicar as sanções definitivas contra os conselheiros.
“Ela não se submete às formalidades do Judiciário e nem padece da falta de recursos humanos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), questiona. Ele ressalta que o mercado precisa ser informado da rejeição das condutas para que isso paute novos comportamentos e evite que os imputados continuem exercendo cargos análogos em outras companhias.
O órgão apontou que os conselheiros foram omissos na fiscalização e na gestão dos controles internos, permitindo que as irregularidades se estendessem por quase duas décadas. A B3 indicou que os conselheiros deveriam ter exercido maior diligência e supervisão.
Ou seja, a reprovação das condutas é muito semelhante às atribuídas aos diretores, sendo as multas praticamente idênticas, evidenciando a responsabilidade compartilhada pela gestão das fraudes. Os membros do Comitê de Auditoria das Americanas sofreram as maiores multas pelo fato de não terem conseguido demonstrar a atuação efetiva do órgão.
Veja as punições da B3 para os conselheiros
Nome | cargo | multa |
---|---|---|
Anna Christina Ramos Saicali | Membro do Conselho de Administração | R$ 395.099,00 |
Carlos Alberto da Veiga Sicupira | Membro do Conselho de Administração | R$ 263.399,33 |
Celso Alves Ferreira Louro | Membro do Conselho de Administração | R$ 263.399,33 |
Cláudio Moniz Barreto Garcia | Membro do Conselho de Administração | R$ 263.399,33 |
Eduardo Saggioro Garcia | Presidente do Conselho de Administração | R$ 263.399,33 |
Jorge Felipe Lemann | Membro do Conselho de Administração | R$ 263.399,33 |
Luiz Carlos Di Sessa Filippetti | Membro do Conselho de Administração (independente) | R$ 263.399,33 |
Paulo Alberto Lemann | Membro do Conselho de Administração | R$ 263.399,33 |
Paulo Antunes Veras | Membro do Conselho de Administração (independente) | R$ 263.399,33 |
Mauro Muratório Not | Membro do Conselho de Administração (independente) Membro do Comitê de Auditoria | R$ 395.099,00 |
Sidney Victor da Costa Breyer | Membro do Conselho de Administração (independente) Membro do Comitê de Auditoria | R$ 395.099,00 |
Vanessa Claro Lopes | Membro do Conselho de Administração (independente) Membro do Comitê de Auditoria | R$ 395.099,00 |
Novo paradigma
Para o Instituto Empresa, a decisão da B3 marca, também, um novo paradigma de responsabilização dos Conselheiros. Em eventos anteriores, a própria Comissão de Valores Mobiliários (CVM), acabou por isentar os Conselheiros em fatos que escandalizaram o mercado como a aquisição da Refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, que redundou em um brutal prejuízo à Petrobras.
Naquele caso, nomes como da então Presidente do Conselho de Administração, Dilma Rousseff, foram tidos como não responsáveis pelas decisões que tomaram no Conselho.
Veja a decisão sobre a Americanas