Nunca defendi – nem defenderei – que uma família deva viver sem lazer ou satisfação de certos desejos. Dito isso, fico tranquilo para desferir alguns comentários sobre os hábitos de muitos brasileiros e seu impacto nas finanças do lar. O ano de 2008 foi marcado, além do estouro da crise internacional, pelo susto da inflação. No entanto, poucos observaram que os preços de muitos serviços subiram além da inflação e não se deram conta de que seus hábitos em mantê-los é que colaboraram de forma decisiva para a deterioração do planejamento financeiro – e da consequente falta de dinheiro.
Exemplos? Comer fora ficou mais caro. Em casa também.
Um levantamento realizado pelo IBGE apontou que a alimentação fora do domicílio acumulou alta de 11,99% em 2008 – quase o dobro da inflação média, de 5,9%. O exagero ao almoçar e jantar em restaurantes sempre foi um vilão do orçamento doméstico e esta situação se agravou com a chegada da crise. Interessante notar que comer em casa também ficou mais caro: 10,62% de alta em 2008.
Estou certo de que o apontamento das despesas e a constante avaliação da planilha de fluxo de caixa certamente apontou estas mudanças em sua casa – daí sua grande importância. Se levarmos em consideração também o início de 2009, surgem algumas surpresas nas altas de preços:
- O cinema registrou alta de 1,27% só em janeiro deste ano, contra 0,69% em todo o ano passado;
- A ida ao motel ficou 1,14% mais cara no primeiro mês de 2009;
- Serviços de mudança subiram impressionantes 11,93% em janeiro, contra alta de 2,52% durante todo o ano de 2008;
- As autoescolas também aumentaram dramaticamente seus preços, registrando alta de 10,54% em janeiro de 2009, contra alta de 2,98% em todo o ano passado.
Por que frugalidade?
Ora, a conclusão típica ao analisar rapidamente os dados aqui fornecidos é que as altas registradas em 2008 e no começo deste ano ainda representam indícios de uma economia aquecida, com demanda em alta. Logo, cabe observar que em momentos de bonança raramente nos damos conta da necessidade de poupar e investir a fim de passarmos ilesos por eventuais crises e momentos mais complicados. Quando tudo vai bem, deixamos a frugalidade de lado e preferimos realizar desejos e objetivos materiais – consumimos pra valer.
Agora que tudo está mais complicado, o questionamento natural reaparece: e se, ao observarmos a evolução dos gastos resolvessemos diminuir a freqüência dos almoços fora de casa e das saídas de final de semana? Pois é, perceba como a dúvida cruel sobre os hábitos do passado influenciou seu presente. Mas, que influência terá no futuro? Repare como o comportamento pesa tanto quanto o conhecimento técnico de mercado, finanças e investimentos – e isso é ótimo!
É fato que quem poupou e economizou, especialmente ao notar que tudo ficava mais caro, está mais tranqüilo hoje. Quem fez isso, certamente vive dias mais calmos diante da complicada crise financeira que ainda insiste em assolar o mundo. No entanto, com a desaceleração da economia as coisas devem mudar. Os preços, bem como a inflação, tendem a murchar, já que a demanda se esfriará e sobrarão produtos nas prateleiras. O mesmo acontecerá com os serviços. Tudo voltará a ficar mais barato, para depois ficar caro de novo. Trata-se de um ciclo. Sobre como vamos encará-lo, do ponto de vista das finanças pessoais, é que interessa refletir.
Que lições tirar desta coisa de consumo versus frugalidade?
Basicamente, que consumo e um pouco de frugalidade devem ser realidades presentes na vida de todos nós. Infelizmente, não fomos muito bem educados para não fazer isso ou aquilo. A negação, assim como a crítica, nunca foi fator motivador para a maioria das pessoas. Não basta aceitar que a frugalidade em certos momentos da vida pode colaborar com seus planos de independência financeira: é preciso incorporá-la e valorizar cada centavo de diferença que ela traz em seu benefício.
Isso sem se esquecer de viver e consumir, mas com a mesma inteligência para discernir entre a hora boa ou ruim para este ou aquele desejo supérfluo. Ser frugal o tempo todo pode torná-lo uma pessoa avarenta, mesquinha – e pobre. Ser consumista o tempo todo pode torná-lo uma pessoa repleta de bens, mas vazia, sempre em busca de “algo mais” – e pobre. A coerência e harmonia entre os hábitos é que fazem a diferença. Assim espero.
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Conrado Navarro, educador financeiro, formado em Computação com MBA em Finanças e mestrando em Produção, Economia e Finanças pela UNIFEI, é sócio-fundador do Dinheirama. Atingiu sua independência financeira antes dos 30 anos e adora motivar seus amigos e leitores a encarar o mesmo desafio. Ministra cursos de educação financeira e atua como consultor independente.
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