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Nacionalização dos bancos americanos: a única solução?

por Alexsandro Rebello Bonatto
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Nacionalização dos bancos americanos: a única solução?E a crise do subprime não para de causar espanto. Agora vemos o início de um debate que coloca do mesmo lado gente como Paul Krugman e Alan Greenspan: o debate pela nacionalização dos bancos americanos. A palavra que sequer é pronunciada pelos americanos (lá é conhecida como “n-word”) trata-se da estatização pura e simples dos bancos em dificuldades.

Exemplos da nacionalização
A solução foi adotada na Suécia em 1991 e 1992, quando o país também enfrentou uma grave crise bancária. Com a estatização, o governo assumiu os créditos podres, limpou os balanços das instituições financeiras e, em seguida, vendeu o controle a investidores privados. O custo dessa intervenção, à época, foi de quase 10% do PIB sueco. O México também pôs em prática o que é considerado uma nacionalização temporária, em geral bem-sucedida, de parte do seu sistema bancário na esteira da crise do peso nos anos 90.

Recentemente a Alemanha aprovou uma lei abrindo o caminho para a estatização. O alvo é o banco Hypo Real State Holding, que é a principal instituição financeira alemã com foco no crédito imobiliário. Ela recebeu aportes oficiais superiores a US$ 63 bilhões do governo alemão, mas não para de apresentar prejuízos, da ordem de US$ 4 bilhões por trimestre. Se a nacionalização vier a se confirmar, será a primeira desde 1930. Da mesma forma, a Irlanda já nacionalizou o Anglo British Bank em janeiro e gastou por volta de US$ 9 bilhões na recapitalização do Banco da Irlanda e Allied Irish Banks.

Especula-se — apesar das frequentes negativas por parte do primeiro-ministro britânico Gordon Brown — que o governo britânico planeja nacionalizar o Lloyds Banking Group ou o Royal Bank of Scotland (RBS), cuja participação acionária do governo é de 43% e 70%, respectivamente. Há um ano apenas, o Reino Unido nacionalizou o Northern Rock, um dos primeiros bancos a ter prejuízos catastróficos com a exposição de hipotecas lastreadas pelo crédito subprime nos EUA.

Mas quando se fala nos Estados Unidos a história é outra e o debate promete.

A situação americana
O próprio presidente Barack Obama disse recentemente à ABC News que é preciso cautela em relação ao modelo sueco de nacionalização dos bancos tendo em vista a dimensão da indústria bancária americana. “A escala da economia americana e dos mercados de capitais vastos demais, assim como […] os problemas próprios da administração e do controle de qualquer coisa dessa magnitude” exigiriam procedimentos tão complexos, disse Obama, “que simplesmente não fariam sentido. Além disso, temos outras tradições neste país.”

Todavia, diversos especialistas prevêem que a crise atual deverá levar de alguma forma a nacionalização. Nos EUA, país onde o sistema financeiro tradicionalmente esteve sob controle privado, a situação está se tornando insustentável. Só em 2009, já foram fechados 14 bancos. Desde o início da crise, 39 instituições financeiras encerraram as atividades.

É pouco perto dos 8 mil bancos dos EUA, mas é quase oito vezes a média histórica de quatro ou cinco por ano, desde 2000. Supõe-se que muitos bancos não consigam chegar ao fim de 2009, por causa da recessão e do aumento da inadimplência. No total, 314 instituições já cederam parte de suas ações ou outros papéis ao Tesouro americano, em garantia a US$ 350 bilhões em ajuda governamental.

Há dois grandes bancos americanos especialmente ameaçados: o Citigroup, que recebeu US$ 300 bilhões do pacote de ajuda do governo — em boa parte sob a forma de garantias a empréstimos concedidos no final do ano passado — e o Bank of America (BofA), beneficiário de um programa semelhante no valor de US$ 120 bilhões concedidos no início deste ano.

Numerosos especialistas acreditam que os dois resgates concedidos, apesar do enorme volume de dinheiro envolvido, pouco adiantaram para tirar os bancos da beira da insolvência, e o governo federal pouco pode fazer agora sem se tornar acionista majoritário. Os bancos perceberam que Washington já está tentando impor controles severos mesmo sem ter o controle acionário total deles: coisas como, por exemplo, limites à remuneração de executivos incluídos em recente projeto de lei de estímulo à economia

É duvidoso que o Estado consiga administrar de forma eficiente bancos globais como o Citi e o BofA. Instituições financeiras, quando nacionalizadas, ficam sujeitas a pressões políticas. Podem ser usadas como instrumento de política econômica ou social. Isso aumentaria ainda mais o déficit público americano, já na casa de assombrosos US$ 10,8 trilhões. Alguns analistas dizem que a nacionalização poderá retardar ainda mais a identificação dos ativos tóxicos, dificultando a retomada do crédito.

A experiência da seguradora AIG, que tem 80% de suas ações nas mãos do governo, reforça essa percepção. Depois de consumir US$ 150 bilhões dos contribuintes, a AIG pode ter perdido mais US$ 60 bilhões no último trimestre de 2008 e ainda poderá precisar de mais US$ 40 bilhões do governo para sanear seu balanço.

A nacionalização do Citi e do BofA seria um fim trágico para duas instituições centenárias. A mera possibilidade de que isso aconteça mostra o grau de debilidade atual do sistema financeiro nos EUA, onde os bancos se lançaram em operações de altíssimo risco com hipotecas para tentar maximizar o lucro, inflar as cotações de suas ações na Bolsa e garantir o pagamento de bônus aos seus principais executivos.

Nacionalizar os bancos pode até ser uma necessidade temporária. “A propriedade explícita nas mãos do governo seria uma melhoria em relação à intervenção onerosa, flutuante e caprichosa de hoje”, afirma o editorial da Economist. “Mas, ao contrário da superficialidade de alguns defensores, o controle governamental dos grandes bancos não é uma solução rápida e indolor para o caos bancário.”

Posições a favor da nacionalização
Para Alan Greenspan, o governo americano pode ser obrigado a nacionalizar alguns bancos americanos de maneira temporária para evitar o aprofundamento da crise financeira e para a normalização do crédito. Em entrevista ao jornal britânico Financial Times, Greenspan, que sempre foi tido como um dos principais defensores do liberalismo econômico, afirmou que a nacionalização de parte do sistema financeiro pode ser a “opção menos ruim” a ser tomada pelos governantes americanos.

Greenspan não fez uma avaliação direta das medidas que já foram tomadas pelas equipes econômicas de George W. Bush e Barack Obama, mas, ao menos até agora, as ações ainda não conseguiram recuperar a confiança no sistema financeiro. Até agora, os políticos americanos vinham se mostrando reticentes até mesmo para transferir os créditos podres dos bancos para uma instituição estatal.

O problema é que para resgatar o sistema financeiro dessa forma, o governo americano teria de pagar mais caro por esses papéis do que a cotação atual. Para isso, entretanto, o governo teria de enfrentar e vencer uma radical oposição do Congresso, já que o eleitor e o contribuinte americano não concordam com a utilização do dinheiro público para resgatar as instituições.

Interessante é que até mesmo membros do partido Republicano, tido como contrário à intervenção do estado na economia, também defenderam idéias parecidas com a de Greenspan. “Nós precisamos nos concentrar no que funciona”, afirmou o senador Lindsey Graham, um Republicano da Carolina do Sul. “Se a nacionalização é o que funciona, então nós devemos fazer isso.”

Partilhando da visão de Greenspan, o prêmio Nobel de Economia Paul Krugman publicou artigo no New York Times julgando correta a opção pela nacionalização. A opinião de Krugman fundamenta-se em três pilares:

  • Primeiramente, “alguns bancos estão perigosamente perto do limite – na realidade, eles já teriam falido se os investidores não esperassem pelo socorro governamental em caso de necessidade”;
  • Além disso, o colapso do Lehman Brothers praticamente ruiu o sistema financeiro mundial e seria muito arriscado permitir algo semelhante com instituições do porte de Citigroup e Bank of America;
  • Para completar, muito embora os bancos precisem de fato do resgate, o governo dos EUA não poderia, fiscal e politicamente, dar grandes benefícios aos acionistas dos bancos.

Outra voz a favor da nacionalização é a do próprio arauto da crise, o economista Nouriel Roubini. Roubini escreveu recentemente um artigo sobre o assunto no Washington Post em parceria com o colega Matthew Richardson. Eles dizem que poderá parecer “blasfêmia” para economistas que acreditam no sistema de livre mercado defender a aquisição de bancos por Washington, mas que não viam alternativa em vista do prognóstico de prejuízos espantosos por parte dos bancos da ordem de US$ 1,8 trilhão, superando seu patrimônio líquido de US$ 1,4 trilhão.

É imprescindível, disseram, que o Departamento do Tesouro aponte os bancos que estão, de fato, insolventes, adquira-os e separe os chamados “ativos tóxicos”, de modo que os ativos saudáveis que sobrarem possam ser vendidos rapidamente a investidores privados, enquanto os empréstimos podres são eliminados no tempo certo. “Gastamos toda nossa munição, mas não foi suficiente para deter o bicho-papão”, dizem os autores. “Agora é hora de pegar a bazuca e acabar logo com isso.”

Em entrevista ao jornal alemão Deutsche Velle, o economista ganhador do prêmio Nobel de Economia em 2001, Joseph Stiglitz, também se mostrou a favor da nacionalização:

“Na verdade, os bancos não se encontram de boa saúde. O governo americano injetou centenas de bilhões de dólares, sem qualquer efeito prático. Os bancos estão falidos. Os americanos são atualmente donos de um número bastante grande dos principais bancos. Mas não possuem qualquer controle no funcionamento dos mesmos, e qualquer sistema em que exista uma separação entre a propriedade e o controle, só pode conduzir ao desastre. A nacionalização é a única solução para estes bancos falidos.”

Os defensores da nacionalização argumentam que não faz sentido o Estado destinar uma montanha de dinheiro dos contribuintes para salvar bancos falidos e mantê-los sob gestão privada. A nacionalização, dizem eles, seria uma medida temporária para promover o saneamento dos grandes bancos. Depois, com as contas em ordem, eles seriam devolvidos à iniciativa privada, por meio de um leilão de privatização ou de algum mecanismo semelhante. A nacionalização, dizem, também abriria caminho para a recuperação da confiança no sistema bancário, em particular nos negócios entre as próprias instituições financeiras.

Os defensores da nacionalização dizem ainda que ela permitiria contornar um problema surgido na crise: a dificuldade em atribuir preços aos papéis podres que recheiam os balanços dos bancos. Sobram títulos do gênero na praça – e faltam compradores para eles. É praticamente impossível, portanto, calcular quanto vale efetivamente a papelada. Por meio da estatização, o governo poderia transferir os “papéis tóxicos” para uma nova instituição, sem precisar antes estabelecer um preço. Seria possível, assim, isolar o “banco bom” do “banco ruim” e reforçar a confiança no sistema.

Posições contrárias a estatização
Todavia, os críticos da nacionalização dos bancos dizem que embora tal solução radical possa parecer uma saída rápida para a crise financeira americana, a história não acolheu bem a maioria dos esforços nesse sentido — sobretudo a onda de esforços dessa natureza empreendida por governos com tendências esquerdistas na Europa e em outras regiões na geração que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. Muitos desses esforços fracassaram pelos mesmos motivos: a falta de concorrência resultou em burocracias ineficientes, além de corrupção e de decisões equivocadas baseadas mais em políticas do que em praticas empresariais sadias.

Ben Bernanke, atual presidente do FED, disse numa audiência no Comitê de Serviços Financeiros da Câmara dos Deputados dos EUA, que:

“Nacionalização, no meu ponto de vista, é quando o governo assume os bancos, zera a posição dos acionistas e começa a gerenciar e controlar o banco, e nós não planejamos fazer nada parecido com isso”.

Recentemente, economistas da consultoria First Trust Advisors publicaram relatório mostrando-se contrários à nacionalização. Para eles, a opção mais adequada seria a suspensão da obrigatoriedade de marcar a mercado os títulos das instituições financeiras. Com a deterioração contínua dos preços dos ativos tóxicos, a regra obriga um agravamento constante da folha de balanço dos bancos. Sem ela, os bancos poderiam esperar um melhor momento no mercado para então marcar o valor de seus papéis.

De acordo com os economistas, essa seria uma solução mais rápida e menos custosa aos contribuintes. Até agora, de acordo com dados oficiais, o governo americano e o FED já comprometeram cerca de US$ 9 trilhões em compras de ativos, capitalizações, empréstimos e garantias para tentar manter o sistema financeiro em funcionamento. É o equivalente a 60% do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA e 75 vezes os US$ 115 bilhões destinados pelo Plano Marshall para reconstruir a Europa no final da Segunda Guerra Mundial, em 1945. O buraco parece não ter fim.

Conclusão
Embora ainda não tenha se formado um consenso em torno da possibilidade de nacionalização, a idéia, antes considerada absurda, ganha adeptos e pode acabar sendo uma questão de “quando” e “como” e não mais de “se”. Vejamos o que acontece.

Bibliografia:

  • Revista da Semana, edição 78 de 12 de março de 2009
  • Revista Isto É Dinheiro, edição 594 de 25 de fevereiro de 2009
  • Revista Época, edição 563 de 28 de fevereiro de 2009
  • Portal InfoMoney, notícia publicada em 23 de fevereiro de 2009
  • Portal Terra, notícia publicada em 25 de fevereiro de 2009
  • Site wharton.universia.net, artigo publicado em 25 de fevereiro de 2009
  • Site www.adital.com.br, entrevista publicada em 18 de fevereiro de 2009

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Alexsandro Rebello Bonatto, economista e com MBA em Gestão Empresarial, é professor universitário, instrutor e sócio da Ventura Corporate, empresa de treinamentos corporativos. Tem mais de 13 anos de experiência no mercado de crédito.

Crédito da foto para stock.xchng.

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