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Brics? Brasil perde influência e bloco vira “Cribs”: Entenda

Menção textual ao desejo do Brasil de entrar no Conselho de Segurança da ONU foi "diluído" para "países dos Brics", em um movimento fracassado da diplomacia brasileira

por Redação Dinheirama
3 min leitura
Presidente Lula (por videoconferência) participa da reunião estendida dos Brics, em Kazan, na Rússia

O documento final da 16ª Cúpula do Brics em Kazan, na Rússia, retrocedeu no apoio explícito à demanda histórica do Brasil de conquistar um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU). A expansão do Brics de cinco para dez membros no ano passado acabou por complicar a negociação interna. Ao fim, a Declaração de Kazan, primeira reunião de líderes ampliada, deixou de mencionar de forma clara o endosso ao objetivo comum de Brasil, Índia e África do Sul. É uma mudança na influência do Brasil, que pode reescrever o Brics para “Cribs”, com China e Rússia

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Agora, em vez de fazer referência nominal aos três países, o parágrafo sobre a reforma ampla nas Nações Unidas – cujo ponto central é o conselho – foi modificado e cita de forma genérica “os países do Brics”. Na prática essa redação abarca também os novos membros plenos – Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Irã.

O texto acordado na Rússia expressa o compromisso dos líderes do Brics em: “Apoiar as aspirações legítimas dos países emergentes e em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina, incluindo os países do Brics, a desempenhar um papel maior nos assuntos internacionais, em particular nas Nações Unidas, incluindo seu Conselho de Segurança”. A versão anterior, emanada da Cúpula de Johannesburgo, em 2023, dizia nominalmente “incluindo Brasil, Índia e África do Sul”.

A diferença pode parecer sutil, mas oculta um obstáculo novo movido pelos países africanos recém-admitidos no Brics, Egito e Etiópia. Ambos possuem ressalvas ao protagonismo da África do Sul no próprio continente e manifestaram essa objeção. Assim como o Brasil quer ser o primeiro latino-americano no Conselho, a África do Sul busca se posicionar como principal candidato africano.

A Declaração de Kazan também atesta agora que os líderes reconhecem “as aspirações legítimas dos países africanos, refletidas no Consenso de Ezulwini e na Declaração de Sirte”. Firmados em 2005, esses acordos regionais buscam assegurar ao menos dois assentos permanentes no Conselho de Segurança da ONU para o continente africano e delegam a escolha dos países à União Africana.

Declaração ainda é favorável

Ao fim de cada cúpula anual, o Brics publica uma Declaração, um documento geralmente extenso – o atual tem 134 parágrafos. Esse texto resume os trabalhos e expressa a posição atual oficial e de consenso do grupo. Por isso, diplomatas passam meses trabalhando no conteúdo e intensificam as conversas nos dias que antecedem e até durante a cúpula.

Reservadamente, diplomatas ponderam que o documento ainda é favorável ao País e que, para obter o consenso, incluíram que os líderes “reconhecem” o teor da Declaração de Johannesburgo, em 2023 – na qual o Brasil foi mencionado. Seria uma forma de reparar a exclusão dos três países e lembrar do compromisso anterior. No entanto, eles admitem que agora o “denominador comum” foi rebaixado e que a falta de apoio singularizado desfavorece os interesses do Brasil. Um negociador disse que o texto mais genérico foi uma “sutileza” para destravar o impasse no Brics.

Membros parceiros

A cúpula do Brics, realizada entre terça-feira, dia 22, e quinta-feira, dia 24, serviu para o anfitrião Vladimir Putin contestar seu isolamento internacional e promoveu uma agenda que desafia o poder do Ocidente. Os líderes selaram a criação da nova categoria de membros “parceiros” no grupo, para a qual foram convidados 13 países, enquanto os efeitos da grande expansão anterior começaram a ficar explícitos.

Como o grupo se pauta pela regra do consenso interno, as decisões podem se ver amarradas caso algum membro esteja em desacordo. Diante da nova realidade em um tema sensível, o perfil da participação no Brics desses 13 potenciais “países parceiros” ainda será definido, mas a ideia é que não tenham as mesmas prerrogativas de veto que os dez membros detêm.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, na cerimônia de boas-vindas aos chefes das delegações do BRICS realizada pelo presidente russo, Vladimir Putin, como parte da 16ª cúpula do BRICS em Kazan
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, na cerimônia de boas-vindas aos chefes das delegações do BRICS realizada pelo presidente russo, Vladimir Putin, como parte da 16ª cúpula do BRICS em Kazan (Imagem: Sergey Bobylev/ Brics)

ONU

Tema central no Brics, a posição oficial dos membros sobre o Conselho de Segurança da ONU voltou na Rússia a ser objeto de disputa na negociação do documento para que a criação da categoria de países parceiros se materializasse.

Desde a cúpula de 2023, o Brasil tem exigido manifestação de apoio cada vez mais claro à sua demanda, ao lado da Índia e da África do Sul, como contrapartida para concordar com o ímpeto expansionista, patrocinado sobretudo pela China e encampado pela Rússia, por causa da adversidade vivida por Putin desde a invasão da Ucrânia. Essa moeda de troca se repetiu em Kazan.

O País é, via de regra, contrário ao processo de aumento do grupo por entender que pode ter seu poder de influência diluído e por antever problemas em encontrar consensos, como o que ocorreu durante a presidência russa. O Itamaraty tem buscado restringir as discussões à definição de princípios e de critérios de adesão, antes da escolha de novos países. Em geral, mas nem sempre, consegue algum apoio da Índia, que também vê seus interesses regionais ameaçados com o que o chanceler Mauro Vieira chamou de “aumento desmedido” – o Paquistão, vizinho rival da Índia bate à porta e o empoderamento da China também desagrada a Nova Délhi.

O processo de expansão do Brics continua em pauta. Agora, porém, eles decidiram consultar os convidados a aceitar certos princípios antes de anunciar sua adesão. A preocupação com a dificuldade de consensos já era um alerta durante as negociações sul-africanas, assim como a manutenção de coesão política em temas como a reforma da ONU. Grupo ainda informal, o Brics é desde sua fundação heterogêneo e abarca nações com interesses às vezes conflitantes.

Chefes de delegação chegam à 16ª cúpula do BRICS. Presidente da China Xi Jinping
Chefes de delegação chegam à 16ª cúpula do BRICS. Presidente da China Xi Jinping (Imagem: Kirill Zykov/ Brics)

Fracasso diplomático

Negociadores envolvidos na redação do texto relataram que havia insatisfações desde as últimas reuniões de chanceleres, que abordaram o tema. Houve desentendimento em Nova York, no mês passado, e o encontro acabou sem uma declaração conjunta, um fracasso diplomático. Quando os ministros se encontraram na cidade russa de Nijni Novgorod, em junho, a redação já havia sido alterada e estava bastante similar à que prevaleceu em Kazan, quatro meses depois, apenas com a menção aos “países do Brics” substituindo o trio Brasil, Índia e África do Sul.

Apesar da barganha em Kazan, um diplomata com conhecimento do caso creditou a redação final à resistência de Egito e Etiópia – ou seja, é uma consequência direta da expansão do Brics com membros plenos, aprovada em 2023. O tema voltou a ser discutido entre os ministros, mas os países não se comprometeram em apoiar o pleito da África do Sul – o que, por tabela, derrubava a menção a Brasil e Índia.

Os três países têm um grupo de articulação diplomática e geopolítica conjunto, o IBAS, e almejam uma posição permanente no Conselho de Segurança. Em paralelo, o Brasil também faz parte há 20 anos do G4 – aliança entre Brasil, Alemanha, Japão e Índia – que também busca pressionar em favor da mesma demanda. Nesse caso, a China recusa em aceitar a presença japonesa.

Conselho de Segurança

Estabelecido no pós-guerra, em 1945, o Conselho de Segurança da ONU conta com 15 membros, sendo dez vagas rotativas – que já foram ocupadas pelo Brasil – com dois anos de mandato e cinco fixas e com poder de veto – EUA, China, França, Reino Unido e Rússia. A reforma do órgão é uma demanda dos países do Sul Global e do Brics para aumentar a representatividade. A busca por um assento permanente tornou-se um objetivo da política externa brasileira, governo após governo.

A reforma do Conselho de Segurança da ONU não tem horizonte de curto prazo, mas vem sendo reiterada pelo Brasil. O País já conseguiu manifestações favoráveis a sua ambição vindas de França, Reino Unido e Rússia. Da China e dos EUA não. Pequim afirmou apenas de forma genérica que “apoia a aspiração do Brasil por desempenhar um papel ainda mais proeminente na ONU”. Washington já falou em incluir um país latino-americano, mas o Departamento de Estado nunca garantiu que fosse o Brasil – e cita nominalmente os demais membros do G4.

A China só avançara no âmbito do Brics. A menção foi conquistada no ano passado, durante uma longa negociação sobretudo com a China, que relutava em fazer concessões. Durante a Cúpula de Líderes em Johannesburgo, África do Sul, a delegação brasileira celebrou que havia conseguido mudar a redação usual, deixando o apoio ao pleito brasileiro mais claro e textualmente registrado. Segundo testemunhas da declaração, os chineses apenas observaram durante os embates em Kazan.

Era a contrapartida para liberar a expansão entre membros plenos, uma forma de estabelecer um texto base com que todos deveriam concordar e a partir do qual não aceitariam retrocessos – somente evolução.

A delegação brasileira tentou amarrar esse compromisso, para destravar a ampliação almejada pela China – o maior incentivador da expansão do Brics. E conseguiu que a própria chineses adotassem um tom, pela via multilateral, que nunca avançou bilateralmente. Apesar de cobrar que o acordo fosse mantido agora, a diplomacia brasileira não pode fazer com que ele se mantivesse explícito como antes.

Oficialmente, o Itamaraty fez apenas um comentário genérico sobre o a Declaração de Kazan. “O documento final reflete a posição de todos, está muito bem”, disse o chanceler Mauro Vieira, sem citar o imbróglio sobre o Conselho de Segurança.

Veja a declaração final do Brics

G-20, Israel e Ucrânia

Entre outros assuntos tratados, a Declaração de Kazan expressa suporte a iniciativas do Brasil no G-20, como o chamado à ação para reforma da ONU, à Aliança Global contra a Fome e a Pobreza e à Força-Tarefa para Mobilização Global contra a Mudança do Clima. O grupo chamou de “histórica” a Declaração do Rio de Janeiro sobre Cooperação Tributária Internacional, que aborda a taxação de grandes fortunas.

O documento final do Brics celebra a iniciativa da Rússia de estabelecer uma Bolsa de Grãos do Brics que poderá ser expandida no futuro para outros setores agrícolas.

O comércio de grãos foi severamente afetado após a invasão russa da Ucrânia, em fevereiro de 2022, quando os portos foram bloqueados, impedindo o escoamento da produção ucraniana, o que elevou preços no mundo todo. Um acordo para permitir a exportação foi mediado pela Turquia, mas depois os russos o romperam unilateralmente até que o prazo expirou em julho de 2023. A Ucrânia acusou a Rússia de vender ilegalmente grãos de áreas ocupadas e lucrar bilhões de dólares.

A respeito da guerra em si, os países buscaram se resguardar novamente, diante da ausência de consenso entre eles. A maioria não condenou a invasão russa – ao contrário do Brasil. Eles mencionaram que cada um possui uma posição própria em relação à “situação na Ucrânia e em seus arredores”. O Brics disse que o tema deve ser tratado no Conselho de Segurança da ONU e na Assembleia Geral da ONU. “Observamos com apreço as propostas relevantes de mediação e bons ofícios, visando a uma resolução pacífica do conflito por meio do diálogo e da diplomacia”, disseram os líderes, sem mencionar a iniciativa de Brasil e China, elogiada por Putin, mas rejeitada por Volodmir Zelenski.

Já em relação aos conflitos no Oriente Médio, os países avançaram uma linguagem mais dura contra Israel, não só por causa das operações na faixa de Gaza, na caça aos terroristas do Hamas, mas também no Líbano. Eles condenaram ataques a colaboradores da ONU – diante da recente invasão à base da missão de paz no Sul do Líbano – a Unifil – que deixou feridos.

Os países também condenaram e classificaram como “ato terrorista premeditado” a detonação de aparelhos de comunicação eletrônicos no Líbano – a explosão de pagers e rádios de comunicação era voltada a eliminar extremistas do Hezbollah, mas também atingiu civis. O ato é amplamente atribuído à inteligência de Israel, embora o país não assuma. O Brasil não havia usado essa classificação antes. Os dois grupos apoiados pelo Irã são omitidos no texto.

(Com Estadão Conteúdo)

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