Apesar de a decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central de manter o juro em 10,5% nesta quarta-feira (31) ter sido unânime, ao contrário daquela vista duas reuniões atrás, pode-se dizer que o placar está agora em 3 para o time do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, contra 2 do time Lula (representado pelo diretor de política monetária, Gabriel Galípolo).
A leitura do comunicado revela que o balanço de riscos traçado pelo Banco Central mudou da última reunião para esta, apresentando mais fatores altistas (3) do que baixistas (2), enquanto no encontro passado apontava um empate em 2 a 2.
“Uma mudança relevante no texto foi a alteração no cenário de riscos, que de forma implícita ficou assimétrico, com o Copom adicionando novo risco altista: a combinação das políticas econômicas externa e interna pode ter impacto inflacionário, ou seja, caso o câmbio mais depreciado afete a dinâmica inflacionária”, comenta Nicolas Borsoi, economista-chefe da Nova Futura Investimentos.
Ele explica que isso decorre de uma situação incômoda vivida pelo Copom, “com o comitê necessitando endurecer o discurso sem sinalizar altas na Selic, precificadas pelo mercado, o que nos parece improvável”.
Ou seja, o BC se utilizou dessa alteração para não discutir uma alta na Selic, “que seria natural dadas as alterações nas projeções do IPCA de 2025 nos cenários base e alternativo”.
Étore Sanchez, economista da Ativa Investimentos, destaca que o termo “interromper o ciclo de queda” foi removido do comunicado, o que pode ser interpretado como uma postura dura.
“Contudo, é difícil acreditar que a decisão foi dura, visto que, mesmo com o avanço das expectativas de inflação, a autoridade manteve a taxa de juros inalterada, bem como sua sinalização”, explica.
Jogo de cena no Copom
Esta postura unânime também pode esconder, segundo o analista político Roberto Reis, da Convex Research, um “jogo de cena” com o mercado, principalmente da parte de Galípolo, especulado como o preferido para assumir a presidência do BC a partir de 2025.
Eles evitam grandes demonstrações de apoio incondicional a Galípolo, preferindo orientá-lo a se alinhar com a maioria do atual Banco Central, elogiando a equipe atual e evitando declarações controversas.
“Essa abordagem mantém Galípolo voando abaixo dos radares, garantindo que sua aprovação seja tranquila e natural”, diz Reis.
A tática de Lula inclui a frase “Vai lá e vota pela manutenção dos juros e eu te anuncio como o novo presidente do BC, eles vão todos acreditar que foi uma escolha técnica”. Para Reis, isso encapsula perfeitamente a estratégia de Lula. “Lula está colocando Galípolo à prova, forçando-o a demonstrar lealdade ao atual Banco Central e a agir de acordo com suas diretrizes para ganhar a confiança do mercado e dos adversários políticos”, afirma ele em um relatório produzido antes da decisão de hoje.
Lula, inclusive, manteve a sua habitual pressão sobre Campos Neto ao fazer uma declaração minutos antes da decisão do Copom.
“… a inflação está controlada, só falta a gente reduzir a taxa de juros, que não depende só do governo, mas que a gente vai conseguir também”, disse durante evento sobre obras de ampliação e aeroportos em Mato Grosso.