Analisando
Desvendando o Modelo de Negócios das empresas
O grande gargalo
Por Guilherme Cruz
Pela primeira vez, em 20 anos, a safra de verão de 2022/2023 foi maior que a capacidade de armazenamento do Brasil. A estimativa da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) foi de que o país tenha colhido 189,5 milhões dos principais grãos na primeira safra (soja, milho e arroz), enquanto a capacidade total de armazenagem do país é de 187,9 milhões de toneladas. Com a segunda e terceira safras, o Brasil estima ter chegado perto das 318 milhões de toneladas.
Esse déficit gigantesco de armazenagem – ou seja, a diferença entre grãos colhidos e capacidade de estocagem – provoca uma série de problemas. Com a necessidade de transportar um volume grande de grãos ao mesmo tempo, o sistema logístico fica sobrecarregado e os preços dos fretes inflacionam. Não havendo transporte nem armazenagem, os produtores chegam ao ponto de “estocar” os grãos a céu aberto.
Como vimos, não basta o produtor ficar obrigado a vender, em tese, no pior momento possível (já que a oferta é maior logo depois da colheita), ele ainda corre o risco de perder parte da produção com a exposição à umidade, contaminação por fungos e bactérias, além do ataque de insetos, roedores e pássaros, por exemplo. De acordo com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o Brasil perde 20% da sua produção no pós-colheita, principalmente em razão da situação de armazenagem precária.
ara a safra 2023/2024, a história deverá se repetir. E pelos próximos dez anos também, se as coisas continuarem como estão. Fato é que a safra de grãos cresce em ritmo muito mais acelerado do que a capacidade de armazenagem consegue acompanhar.
Segundo a Conab, desde 2010 a produção de grãos cresceu em média 5,3% ao ano, já o CAGR de armazenagem foi de 2,6%. A FAO (Food and Agriculture Organization) recomenda que a capacidade estática ideal de armazenamento de um país seja 1,2 vez maior que a sua produção anual, visando a segurança alimentar. Hoje, o Brasil armazena cerca de 60% do produzido, ou seja, metade do recomendado.
Um ponto crítico no déficit está na baixa capacidade instalada nas fazendas brasileiras. Enquanto o Brasil possui apenas 15% da capacidade total instalada em fazendas, a Argentina tem 40%, a União Europeia possui 50%, os EUA, nosso principal competidor no agronegócio, tem 65% e o Canadá, 85%.
Os EUA oferecem aos produtores o Farm Storage Facility Loan Program (FSFL), programa de financiamento a juros baixos (3,75% a.a. com prazo de empréstimo de até 12 anos) para que os agricultores construam ou melhorem suas instalações de armazenagem.
O PCA (Programa para Construção e Ampliação de Armazéns) tem o mesmo intuito, entretanto, o programa tem se mostrado insuficiente em sua função. Segundo a Conab, da criação do PCA em 2013 até hoje, o aumento da participação das fazendas na capacidade de armazenagem nacional não chegou a 1 p.p.
A ABIMAQ (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), em estudo elaborado sobre o PCA para a CSEAG (Câmara Setorial de Armazenagem de Grãos), propôs que os recursos disponibilizados pelo programa deveriam ser de R$ 15 bilhões para evitar a ampliação do déficit de armazenagem. O último PCA foi de R$ 6,65 bilhões, maior valor já disponibilizado pelo programa. Esse montante é suficiente para aumentar em até 7 milhões de toneladas a capacidade instalada, o equivalente a cerca de 550 plantas.
Entretanto, mais um dos problemas do déficit está no fato de que esse valor não chega totalmente ao produtor. A Kepler Weber (KEPL3) estima que cerca de 70% dos recursos disponibilizados pelo Plano Safra são liberados pelos bancos. Burocracia, falta de documentação dos produtores, exigência de garantias e até o depósito compulsório dos bancos são fatores que impedem que todo o valor seja destinado.
Mas a Kepler não assiste a esse cenário de forma passiva. Para tentar amenizar essa dependência do PCA, a companhia lançou no fim do ano passado um Fiagro – FIDC em parceria com o BTG Pactual e o BNDES.
Com a oferta de R$ 300 milhões, a maior parte do aporte vem do BNDES com R$ 210 milhões em cotas seniores. O BTG Pactual terá até R$ 30 milhões aportados adicionalmente em cotas subordinadas mezanino, além de até R$ 60 milhões da Kepler Weber em cotas subordinadas júnior.
O fundo da Kepler, assim como o PCA, financia tanto a aquisição dos equipamentos quanto a obra, com as infraestruturas civil e elétrica. O custo total de implantação de uma planta de armazenagem fica basicamente em 50% de equipamentos e 50% de obra. O prazo do financiamento é de até dez anos (contra 12 anos do PCA), carência de 18 meses (contra 24 meses do PCA) e taxa de CDI+ 3,5% a.a. (contra 7% a 8,5% do último PCA).
Evidentemente que o montante do Fiagro e suas condições não batem de frente com o PCA. Mas ele se torna atrativo à medida que há redução da taxa de juros e pode se tornar um benchmarking para que outros bancos criem veículos de investimentos semelhantes.
No fim das contas, tanto os recursos do PCA aumentando quanto com o Fiagro e novos investimentos privados direcionando dinheiro para a armazenagem, favorecem a Kepler Weber, líder do setor.
😎Fala, Dudu!
Sua carta sátira semanal do gestor do primeiro hedge fund de Niterói
Bom dia, meus sobrinhos. Como vamos? O tio está terrivelmente triste pelo frio que está fazendo em Niterói. Então hoje é sem risadolinha.
Vamo lá.
Essa é a mistura do Brasil com…– Na semana passada, o BRICS anunciou a entrada de novos integrantes no bonde: Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Argentina, Egito, Irã e Etiópia. O que antes era uma sigla para o poderio econômico de emergentes, agora é uma sigla para o poderio de emergentes que têm recursos naturais.
Aparentemente, o principal pré-requisito para entrar é ter um governo que sempre flerte com o totalitarismo ou pelo menos que tenha a figura de um salvador da pátria. A principal dúvida agora é saber qual será a nova sigla: NeoBRICS, BRICSIA+, China+10, AABBRICS ou simplesmente Clube de Regatas dos BRICS.
18π – O governo não dá trégua para o mercado mesmo. Na semana passada, a BNDESPar indicou os ministros Carlos Lupi (PDT) e Anielle Franco (PT) como conselheiros da Tupy (TUPY3), multinacional brasileira de metalurgia.
Se você acha que dois ministros de esquerda não têm nada a ver, eu digo que você está enganado, meu sobrinho. Primeiro, porque o que mais tem por aí é conselheiro inútil filho do fundador. Segundo, o atual presidente Lula já foi metalúrgico para complementar a sua renda de sindicalista. Tem tudo a ver, sim!
Zanin passa-te a bufa, aceitas? – Na última quinta, o STF formou maioria para liberar o porte de maconha para uso pessoal. A maconha tá ganhando de 5×1 no placar e o único ministro que votou contra foi o calouro Cristiano Zanin.
De acordo com notícias, o voto contra do ministro frustrou o eleitorado do presidente Lula, que o indicou. Mas aqui precisamos lembrar que Zanin não é o “ministro da esquerda”, ele é o “ministro ex-advogado do Lula”. Então, em uma reviravolta à la M. Night Shyamalan, ele pode ser o ministro “terrivelmente evangélico” que Bolsonaro tanto sonhou. Ele é? Não sei! Eu não moro com ele. O que será que Zanin dá like e julga quando ninguém está vendo? Seria ele um fake esquerda?
I don’t know. You tell me.
🔭Panorama
A visão abrangente dos últimos acontecimentos de um setor
Era uma vez um sonho
Por Saulo Pereira
A China dispensa apresentações. Além de ser um dos maiores países do mundo, é também um dos mais populosos, e possui o sonho de se tornar a maior potência econômica mundial.
Mas esse sonho chinês pode estar com os dias contados, pois o setor imobiliário, que representa quase 30% do PIB, parece estar passando por uma grave crise. Em um efeito dominó, ela pode desencadear uma série de eventos que podem afetar todo o mundo, inclusive o Brasil.
Para entendermos como a situação tomou essas proporções, precisamos voltar um pouco no tempo. A partir do fim da década de 1980, a China começou a deixar de ser um país fechado e passou a abrir o seu mercado.
Diversas empresas estrangeiras puderam entrar no mercado chinês, apesar de o país ainda ser controlado por um único partido, o PCC (Partido Comunista Chinês). Ainda assim, conseguiu apresentar um crescimento acelerado ao longo das décadas seguintes.
Esse crescimento econômico fez com que muitos chineses que viviam no campo migrassem para as grandes cidades em busca de melhores condições de vida. Além disso, a população continuava crescendo a cada ano.
Esse rápido processo de urbanização fez o governo olhar o setor imobiliário com olhos diferentes. O plano era basicamente o seguinte: levar as pessoas do campo para as novas e modernas cidades que seriam construídas. Assim, o mercado consumidor aumentaria e, consequentemente, o PIB do país cresceria e se tornaria o maior do mundo em poucos anos.
Na teoria, o plano tinha tudo para dar certo, mas uma coisa que o governo não previu aconteceu: muitas pessoas compraram novas casas como investimento, esperando o preço se elevar para vender no futuro. Isso provocou um efeito dominó no setor que está sendo sentido agora.
De fato, ao longo dos anos, entre 2010 e 2020, o preço dos imóveis subiu, mas muitos eram usados apenas como reserva de valor pelas famílias. Com isso, muitas cidades fantasmas surgiram na China. Lugares que foram planejados para acomodar 1 milhão de pessoas, tinham apenas 300 mil vivendo. Algumas cidades pareciam até cenário de filme de terror.
Um dos estopins para essa crise imobiliária pode ter sido a pandemia da Covid-19. Um dos primeiros sinais dessa crise apareceu quando a Evergrande (OTCMKTS: EGRNF) entrou em default, em 2021. Em outras palavras, ela deu um calote nos seus credores.
Bom, com o surgimento da pandemia e com muitos imóveis desocupados, o preço começou a cair, junto com as economias das famílias chinesas. Ao longo dos últimos dois anos, o número de venda de novos imóveis também caiu e o que acontece quando uma empresa não vende? Isso mesmo, ela quebra.
O gráfico abaixo mostra o percentual de vendas entre os meses de janeiro e julho de 2021 e 2023 das principais companhias do setor.
Mas calma, a situação fica pior. A Country Garden (HKG: 2007), que é a maior empresa em números de projetos, recentemente teve a brilhante ideia de atrasar o pagamento da sua dívida, de mais de US$ 500 bilhões. Talvez “atrasar” seja apenas um eufemismo para um outro calote.
E essa crise imobiliária já está aparecendo no setor financeiro. A Zhongrong International Trust, um fundo de investimento, não pagou alguns dos seus credores, sendo que ele possui uma parte considerável dos seus investimentos no setor imobiliário.
Quanto a nós, brasileiros, resta ficarmos de olho no que acontece por lá. Afinal, a China representa mais de 25% de todas as exportações brasileiras. Dentre os principais produtos, podemos mencionar o minério de ferro, a soja e a carne bovina.
Será que o sonho do governo chinês de tornar o país a maior potência do mundo acabou?
Há quem diga que não. O nosso analista de logística, minério e aço, Thiago Duarte, gravou um vídeo no qual ele vai te apresentar um ponto de vista diferente sobre o que anda acontecendo por lá. Veja na seção a seguir.
🍷 Sommelier
Consumimos de tudo. Trazemos o que importa
Por Thiago
Todos nós sabemos que uma onda de terror ronda a China. A mídia e as redes sociais não cansam de repetir o mesmo discurso de que a economia chinesa está à beira de um colapso.
Mas será mesmo?
No vídeo desta semana, eu falo sobre o problema do setor imobiliário chinês e mostro por que esse problema não parece ser generalizado nem tão grave a ponto de causar um colapso na economia do país.
Se você tem VALE3 na carteira, você precisa assistir – fica a dica.
⏳ Atemporalidades
Leia agora, leve pra vida.
O tempo magnifica a margem entre sucesso e fracasso. Ele multiplica o que você alimenta. Bons hábitos fazem o tempo seu aliado. Maus hábitos fazem o tempo seu inimigo. — James Clear
Por hoje é só, pessoal 🤙
Bebam café, se hidratem e usem bem seu tempo.
Boa semana e bons negócios!
Abraços,
Por Leandro Siqueira
É especialista em ações da Spiti e bacharel em Economia pela UFRJ. Atuou na gestão de clube de investimentos e no banco de investimento Modal antes de fundar a plataforma de educação financeira Varos (ex-Edufinance). Hoje, lidera um time de sete analistas CNPI.