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Dinheirama Entrevista: Neide Ayoub, Coordenadora do PROCON-SP

por Conrado Navarro
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Dinheirama Entrevista: Neide Ayoub, Coordenadora do PROCON-SPUm dos principais objetivos de nosso trabalho é oferecer a você, leitor, informações capazes de direcioná-lo para decisões mais coerentes e inteligentes, especialmente no que tange às finanças pessoais. Um dos grandes desafios dos dias de hoje é lidar com a abundante oferta de produtos e, principalmente, de crédito para comprá-los.

São frequentes os casos em que sentimos (e vivemos na pele) as consequências de uma decisão tomada de forma atabalhoada  – e isso tem reflexos em nossa dignidade e na forma como conduzimos nosso dia a dia familiar. Entram em cena os nossos direitos e os órgãos de apoio ao consumidor, sempre atentos às práticas usadas pelas empresas e prontos a nos atender e facilitar o entendimento de situações complexas que envolvem nosso orçamento (contratos, contas etc.).

Tive a grata oportunidade de falar sobre tudo isso com Neide Ayoub, Administradora e Economista pela Universidade Mackenzie, MBA pela FIPE e atual Coordenadora do PROCON-SP. Acompanhe nossa conversa:

Neide, gostaria de começar nosso papo parabenizando a Fundação PROCON pelo trabalho realizado em prol de nossos consumidores e pedir que você detalhe melhor como funciona e em que tipos de dúvidas/problemas o PROCON pode auxiliar nosso leitor.

Neide Ayoub: Obrigada Conrado. Quero também te parabenizar pelo trabalho no Dinheirama, uma das melhores uniões de conhecimento especializado com linguagem acessível e informações focadas nos legítimos interesses dos consumidores.

Bem, vamos às respostas: O PROCON possui várias frentes que partem de sua atribuição principal, que é solucionar problemas de consumo – em âmbito individual ou coletivo, trazidos pelos consumidores que se utilizam dos seus canais de atendimento ou a partir de investigações próprias.

Nossas demandas são armazenadas e compartilhadas em uma base de dados de Reclamações Fundamentadas criada pelo PROCON, em 1991 em resposta ao Código de Defesa do Consumidor. Desde 2011, nosso banco passou a integrar o Sistema Nacional de Reclamações Fundamentadas, com gestão técnica do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça e, a partir de maio deste ano, da recém-criada Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), cujo resultado é um mapeamento dos conflitos de consumo em extensão nacional.

Essas informações subsidiam na prevenção, educação, fiscalização, imprensa, ajustamentos de conduta e demais trabalhos na esfera administrativa, além de ajuizamento de ações civis públicas, quando a situação exigir. Tudo isso contando com um programa de municipalização, através de 250 PROCONS municipais no Estado.

Sendo responsável pela política estadual de defesa do consumidor, o PROCON pode também assumir novas atribuições caso as mudanças mercadológicas exijam. Este é o caso do Núcleo de Tratamento do Superendividamento, visto que não trabalhávamos referido tema antes de 2006.

Apenas mais um detalhe: nosso atendimento se restringe às relações de consumo, ou seja, as que contam de um lado com o consumidor finalista, e do outro com o fornecedor, aquele que desenvolve determinada atividade comercial com habitualidade. Embora o CDC possa ter artigos aplicáveis a relações de consumo de pessoas jurídicas, atendemos apenas pessoas físicas.

Quais são hoje os principais problemas recebidos por vocês em relação a financiamentos e empréstimos e como eles poderiam ser evitados?

N. A.: A área de Assuntos Financeiros tem sido, há alguns anos, a segunda mais demandada no órgão, perdendo apenas para Produtos – as demais são Alimentos, Saúde e Serviços essenciais e privados. Mas, vejam, no nosso Ranking, em que são classificados os fornecedores mais reclamados, no ano de 2011 o 1º e 3º lugares foram ocupados por bancos.

Em parte, o grande problema decorre da falta de transparência quanto às implicações da contratação de produtos bancários. Contratos repletos de cláusulas estrategicamente complexas, com metodologias de cálculos não padronizados, problemas no preenchimento e alternância de critérios conforme a conveniência em um mesmo contrato, enfim, uma série de problemas que levam a valores que não conferem com o pactuado.

Esse cenário revela uma regulação frouxa e fiscalização pouco atuante por parte do Banco Central do Brasil, ainda que inúmeras vezes “provocado” por entidades civis e públicas de defesa do consumidor. Denota, também, uma importante lacuna em termos de um atendimento eficiente e comprometido por parte das instituições financeiras.

O assunto mais reclamado na área de assuntos financeiros é cartão de crédito, cujos problemas principais são: não reconhecimento de compras, seguros, tarifas e demais lançamentos e ainda o envio de cartão não solicitado. Há também problemas com o “pagamento mínimo”, apresentado por consumidores ao se surpreenderem com um enorme saldo remanescente. Nestes casos, é comum encontrarmos credores que recusam renegociações anteriores ao prazo mínimo de 60 ou 90 dias de inadimplência.

A demanda é elevada também com relação à cobrança de tarifas e de “ressarcimento de despesas de terceiros” não justificado, além de lançamentos, transferências, saques e empréstimos em conta corrente, inclusive originários de benefício previdenciário, e, ainda, cobrança abusiva por atraso no pagamento.

Como você vê o papel da educação financeira para auxiliar os consumidores a entender melhor seus direitos e, ao mesmo tempo, terem mais detalhes antes de realizar operações financeiras?

N. A.: A educação financeira é importantíssima, mas não suficiente, se considerarmos que a forma como lidamos com o dinheiro tem maior relação com nossa base emocional do que com a nossa lógica racional: ao decidirmos, damos atenção antes ao coração e utilizamos nossa racionalidade muitas vezes tão somente para transformar nossa escolha na “melhor decisão”.

E temos que lembrar que não mudamos nossa matriz emocional com cursos, palestras ou leituras de cartilhas de educação financeira. Portanto, um conjunto de ações voltadas à educação financeira promove uma iniciação que requer amadurecimento com elementos da psicologia a fim de se conquistar o imprescindível autoconhecimento e o desejado equilíbrio financeiro.

Daí nossa parceria com a Professora Vera Rita de Mello Ferreira, uma referência em Psicologia Econômica, disciplina na qual encontramos elementos para instrumentalizar os consumidores na tomada de decisões.

Exemplo: podemos demonstrar, em um curso, todas as vantagens financeiras da compra à vista sobre a parcelada, mas, saber poupar por um prazo razoável a fim de viabilizar a melhor opção requer muita disposição. Temos entraves também no campo social: um forte enaltecimento do indivíduo, cuja classificação baseia-se quase que exclusivamente no padrão de consumo, o que leva a uma sensação de obrigação quase cívica em consumir.

Nossa cultura também não colabora ao não prestigiar as ciências exatas, sendo que a educação financeira requer aprendizado de conceitos novos nem sempre atraentes para quem não possui alguma familiaridade com a matemática. Ouvimos pessoas dizerem, sem qualquer constrangimento, “odeio cálculos”, “não gosto de matemática”, mas não ouvimos manifestações do tipo “não gosto de escrever com fluência” ou “odeio um bom português”.

Há certa confusão dos leitores e consumidores entre portabilidade de crédito e refinanciamento de dívidas. Você pode nos explicar as diferenças e em que devemos prestar atenção nesse ponto?

N. A.: Na portabilidade, o banco original transfere o contrato para outra instituição eleita pelo consumidor e que aceite receber a dívida e continuar administrando a respectiva amortização – mantendo as condições, exceto a taxa de juros que poderá ser diferente ou não da originalmente contratada.

Qualquer outra alteração, além dos juros, será suficiente para descaracterizar a portabilidade e transformar a operação em um refinanciamento do saldo devedor junto à outra instituição. Isso implica em novo fato gerador de IOF, além, é claro, de eventuais despesas contratadas na nova operação. Mais detalhes sobre essa diferença podem ser lidos nesta notícia (clique aqui).

Logo, na portabilidade não há a mesma participação do consumidor que existe na transferência, visto que a operação de transferência se dá entre instituições através de um TED cujo custo é de responsabilidade do banco emissor.

No refinanciamento, é o próprio consumidor quem liquida a dívida no banco original com o empréstimo contraído em uma nova instituição. Nessa transação, é importante conferir se o abatimento dos juros proporcionais informado pelo banco original confere com o direito de liquidação antecipada previsto no Código de Defesa do Consumidor.

Caso o consumidor não encontre um banco com taxa inferior disposto a receber uma transferência via portabilidade, mas apenas ofertas de refinanciamentos, deve comparar o Custo Efetivo Total (CET) da operação original com o do novo empréstimo. No site do Procon está disponível um programa para o cálculo do CET que é muito fácil de utilizar.

Caso o consumidor leve em conta apenas o valor da prestação, poderá fazer um mau negócio, pois com a alteração do prazo de financiamento que o consumidor estará sujeito no refinanciamento, a prestação deixa de ser uma boa referência de comparação entre os dois planos de pagamento – uma prestação inferior à do contrato original pode ser fruto de uma taxa de juros maior em uma operação de maior prazo.

Ainda sobre a portabilidade de crédito, parece que colocá-la em prática não é algo simples. Consumidores também reclamam da desinformação por parte de atendentes bancários e, em alguns casos, de má vontade. A resolução é clara no que diz respeito aos direitos neste sentido? O que o leitor deve saber e como deve agir?

N. A.: Capacitação profissional insuficiente é uma constante e não apenas em bancos, onde talvez o problema fique mais evidente. Penso que em parte o fato se deva à precariedade do sistema de educação e, em parte, por uma política crescente de redução de custos amplamente adotada em grande parte das empresas em geral.

Tem ainda o fato da Resolução n. 3401, que institui a portabilidade do crédito, ser extremamente técnica, assim como todas as normas do BACEN, pois são voltadas para o próprio segmento. Há também muita resistência dos bancos em fazerem a portabilidade para clientes em dificuldades financeiras, visto que o procedimento geralmente é disponibilizado apenas aos clientes que menos necessitam por questões referentes à reciprocidade.

Podemos considerar que falta, sim, uma melhor interlocução do Banco Central com o cidadão comum, visto que apenas uma leitura cuidadosa da Resolução 3401, juntamente com a Carta Circular 3336 que institui o TED como único instrumento legal para a operação, possibilita o perfeito conhecimento das regras. E é esse o cenário que vem possibilitando incautos consumidores trocarem seus contratos de forma desvantajosa.

Muitos leitores reclamam que tentaram renegociar suas dívidas junto aos bancos e instituições financeiras, mas sem sucesso. Como podemos ajudá-los? Que passos devem seguir? Formalizar uma proposta e pedir ajuda do PROCON facilita esse processo?

N. A.: Poxa, como eu gostaria de falar que o PROCON pode intervir junto às instituições financeiras no que tange ao cumprimento de sua função social, obrigando-as a recepcionarem créditos portados de outros bancos sempre que consumidores de boa fé necessitarem reverter uma iminente insolvência orçamentária – mas, infelizmente, a aceitação de créditos portados de outros bancos é mera liberalidade e dificilmente conseguida pelos consumidores que dela precisam, conforme mencionei.

Por outro lado, estamos para iniciar o “Programa de Apoio ao Superendividado”, que tem vários propósitos, entre eles ações junto a instituições públicas e privadas no sentido de se promover uma mudança tanto na concessão do crédito, como na renegociação de dívidas.

Estamos assinando convênio com o Tribunal de Justiça de SP, com o qual desenvolvemos um Projeto-Piloto cujo relatório final e slides de apresentação dos resultados podem ser vistos aqui (clique), onde disponibilizamos uma classificação dos credores demandados no projeto a partir dos índices de ausência e presença.

O trabalho permitiu detectar alguns problemas altamente prejudiciais ao consumidor, como o pagamento mínimo do cartão de crédito, em que o consumidor antes liquidava apenas 10% do saldo da fatura, para logo em seguida ser onerado com encargos de 11% a 13%. Tivemos também dificuldade em trabalhar renegociações coletivas, sempre que o devedor contasse no rol de credores, contratos de empréstimos consignado, em função da ausência ou falta de propostas dos bancos credores.

Obrigado pela disponibilidade em nos atender. Por favor deixe uma mensagem final para os leitores interessados em colocar em prática sua cidadania e lidar melhor com suas finanças. Até a próxima.

N. A.: Vou me valer das palavras de um nobre profissional em finanças com bagagem rara em nossos círculos profissionais. Em seu blog “Dinheiro Sempre”, Louis Frankenberg, procurando desvendar – com a propriedade que lhe é peculiar – os motivos que levam consumidores a se deixar levar pelos apelos de consumo, é assertivo ao afirmar que lhes falta “ter opinião própria, saber quais são suas metas e prioridades de vida, conhecer e seguir sua própria cabeça, personalidade e pensamentos”.

Despeço-me agradecendo mais uma vez e parabenizando a todos do Dinheirama pelo excelente trabalho realizado por nossos consumidores e poupadores. Fico à disposição. Até a próxima.

Fotos: divulgação e sxc.hu.

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