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Ditadura militar no Brasil será cenário de HQ do jogo Assassin’s Creed

Escritor conta que trazer esse cenário para a ditadura militar brasileira tem um propósito de enfrentar o revisionismo histórico

por Gustavo Kahil
3 min leitura
Assassins

Famoso por explorar intrigas políticas fictícias em diferentes momentos da humanidade, o jogo Assassin’s Creed ganhará uma história em quadrinhos (HQ) que se passa no Brasil da década de 1970, durante a ditadura militar. O projeto foi anunciado neste fim de semana, na Comic-Con de San Diego, nos Estados Unidos, e tem a condução de três brasileiros: o premiado quadrinista Rafael Albuquerque, o roteirista e escritor Ale Santos e o colorista Marcelo Maiolo.

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O trio trabalhou para entregar a história ao Studio Lounak de HQs e à Ubisoft, empresa de jogos eletrônicos criadora da franquia Assassin’s Creed. O lançamento está programado para novembro deste ano, em língua inglesa, e ainda não há previsão de tradução para o português.

La Bestia, como é chamada a trama, será a principal história do volume um do projeto  Assassin’s Creed Visionaries, que trará artistas de diversas partes do mundo para criarem histórias no universo do jogo. As narrativas respeitam a coerência interna do universo de Assassin’s Creed, o que é chamado de cânone, mas não farão parte do enredo oficial dos jogos.

HQ contra o negacionismo

Com histórias que se passam do antigo Egito à Revolução Russa, Assassin’s Creed traz nesses enredos muitas referências históricas e a constante disputa entre os Assassinos e os Templários, duas sociedades secretas que disputam o destino da civilização. O escritor Ale Santos, autor do romance afrofuturista O Último Ancestral, conta que trazer esse cenário para a ditadura militar brasileira tem um propósito de enfrentar o revisionismo histórico.

“Deliberadamente escolhemos bancar uma história sobre a ditadura porque a gente precisa acabar com esse negacionismo de que talvez ela nem tenha existido. Ela existiu e foi cruel”, afirma Ale Santos, que é historiador. “Contar a ditadura brasileira em uma franquia poderosa nos Estados Unidos é como se falássemos para o mundo que isso verdadeiramente aconteceu, e a gente não vai deixar barato que as pessoas tentem apagar essas lembranças.”

Sem dar muitos detalhes, o escritor conta que La Bestia segue um grupo de estudantes que desafia o governo e luta pela liberdade e justiça. A protagonista é Alicia, uma jovem argentina que acaba presa em um protesto e vai parar nos porões da ditadura, onde um misterioso “Doutor” está envolvido em experimentos que visam erradicar o espírito de revolta na humanidade.

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“É nesse contexto que a ordem dos Assassinos se reúne na América Latina para impedir que esse plano seja concluído”, adianta ele, que explica ter partido do próprio universo do jogo para montar a narrativa fictícia que o entrelaça com a história brasileira. “É do cânone do Assassin’s Creed que teria um investimento dos Templários em algumas ditaduras da América Latina, que os Templários teriam incentivado alguns golpes militares na América Latina. Então, notoriamente, os Assassinos seriam contra as ditaduras que tivemos por aqui.”

A história tem apenas dez páginas, e o roteirista afirma que a concisão exigiu que muitos detalhes históricos saíssem dos diálogos para aparecerem em referências visuais. “Rafael Albuquerque fez uma pesquisa muito profunda sobre as roupas, os símbolos, os sinais. Muitas das mensagens do contexto histórico entram mais na parte visual. Por ser uma obra de ficção, a gente tinha que fazer uma adaptação da história [do Brasil] para uma franquia que já existe.”

Ficção com contexto realista

Vencedor dos prestigiados prêmios Eisner, Harvey, e Inkpot, da indústria dos quadrinhos, Rafael Albuquerque conta que ele, Alê Santos e Maiolo tiveram carta branca para criar uma história que se passasse no universo de Assassin’s Creed, e enxergaram a visibilidade da franquia como uma oportunidade para passar uma mensagem.

“Está se tentando um revisionismo histórico a respeito disso [ditadura], então, acho que usar essa plataforma para poder deixar claro o que aconteceu é um dos pontos de a gente querer fazer sobre isso. Tem também a proximidade. Quando a gente vai falar sobre alguma coisa, é bom falar sobre algo que a gente conhece. Por mais que nenhum de nós tenha vivido aqueles tempos terríveis da ditadura, a gente achou importante endereçar isso no melhor lugar que a gente pudesse.”

Apesar do compromisso com a denúncia daquele contexto histórico, o quadrinista deixa claro que a história é ficcional, com personagens e fatos inventados. Ele conta que um dos desafios foi criar algo que fosse interessante para brasileiros e estrangeiros. “O brasileiro vai pegar esse contexto de uma maneira mais pessoal, mas também tem que funcionar para o público gringo, onde a história está sendo veiculada. Precisa atender a esses dois públicos da melhor maneira.”

Quadrinista oficial de super-heróis como o Batman e também de histórias de terror, como o premiado best-seller Vampiro Americano, Rafael Albuquerque afirma que La Bestia é uma história que tem ação, mas não apela para cenas explícitas de violência nem ao retratar a tortura dos porões da ditadura.

“Eu já trabalhei em histórias de terror antes, e sempre prefiro trabalhar com o suspense, muito mais do que com mostrar as coisas. É um recurso mais elegante e funciona melhor. No momento em que você sugere algumas coisas, muito mais do que mostra, você passa uma sensação mais pesada, porque a pessoa imagina o pior que ela conseguir”, argumenta. “Não vai ter cenas explícitas de tortura, mas, se você lê os diálogos, se você vê a cena, tem uma construção de tensão que pode ser pesada, sim.”

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