Gustavo comenta: “Olá Navarro. Tenho dinheiro aplicado em fundos de investimentos em ações e estou amargando um grande prejuízo em decorrência da semi-crise que está ocorrendo no EUA e, consequentemente, nas bolsas de valores em todo o mundo. Gostaria de saber se seria melhor eu retirar o dinheiro, deixando-o estacionado na conta investimento com o respectivo prejuízo, ou aguentar mais um pouco na esperança de ultrapassar esse período turbulento? Gostaria de saber também qual a sua opinião para o mercado acionário em 2008 e até quando essa crise ou semi-crise prevalecerá. Mais uma vez conto com sua valiosa opinião. Obrigado.”
Olá Gustavo, obrigado pela participação. A tensão gerada pela crise vem trazendo muito medo ao cotidiano de muitos brasileiros, você tem razão. Suas palavras me fazem lembrar de importantes lições quando se trata do investimento em ações, seja ele direto ou através de fundos ou clubes de investimento. Darei enfoque especial para três principais fatos sobre o investimento em renda variável, especialmente importantes em momentos como o que vivemos atualmente: qual sua expectativa de ganhos na Bolsa? Em quanto tempo pretende alcançá-la? Em caso de problemas, como pretende se livrar das grandes perdas?
Quero fazer uma pequena advertência ao leitor incauto e acostumado com meu ritmo sempre tranquilo e sereno de ser e escrever. O artigo de hoje merece um tom mais desafiador e menos tolerante. Leia e encare o texto de hoje como um desabafo, um sincero alerta de um verdadeiro amigo e fã de sua insistência em melhor lidar com seu dinheiro e futuro financeiro. Gustavo, nenhuma das palavras aqui estão, necessariamente, dirigidas à você, mas ao enorme contingente de leitores desavisados que entraram na Bolsa sem nenhuma responsabilidade. Este, vejo através de sua mensagem, não é seu caso.
Lição n° 1: Curto, médio e longo prazo!
Tenho recebido inúmeros e-mails, alguns bastante ameaçadores, de leitores indignados com os resultados de seus investimentos em ações depois destes primeiros 20 dias do ano. Quase todos reclamam que, depois de muito ler sobre ações aqui, em revistas e em outros sites da internet, resolveram aplicar seu único dinheiro em ações e perderam boa parcela do valor aplicado, mesmo depois de “quase um ano”. Será que estou diante da invasão das salsinhas?
Os leitores do Dinheirama são, em sua grande maioria, jovens de 20 a 30 anos e com alta propensão ao risco. Ótimo para o mercado de ações, não é mesmo? Sim, certamente, mas parece-me que muitos de vocês andam apressados demais. Com 27 anos, entendo perfeitamente que um ano pode ser uma eternidade para muitos de nossos objetivos, mas com dinheiro e planejamento financeiro não se brinca. Sempre fiz questão de deixar isso muito claro.
Um ano é curto prazo, ao contrário do que muitos podem pensar. Em um ano muita coisa pode acontecer, é verdade, mas isso não justifica a fúria vista nos e-mails desta semana. Aprenda e aceite, de uma vez por todas, que investir em ações é algo desejável para o longo prazo e que longo prazo significa dinheiro rendendo por pelo menos cinco anos. Particularmente, prefiro encarar o longo prazo como dez anos ou mais. A razão para tal conservadorismo está, justamente, na volatilidade do mercado de ações, o que o torna uma aplicação de maior risco. Simples assim.
Lição n° 2: A fustração faz parte do jogo!
Quão difícil é para você ouvir um “NÃO” ou quebrar a cara? Se quiser arriscar parte de seu patrimônio na tentativa de vencer as rentabilidades módicas dos muitos produtos bancários manjados, acostume-se com a possibilidade de perder algum dinheiro. Jovens que somos, costumamos não dar tempo sequer para nossos próprios momentos de solidão ou reflexão, comumente agindo de forma a inibir a dor decorrente de um “tombo” e frequentemente justificando o insucesso como fruto de atitudes alheias ao nosso controle. Covardia, conhece?
Pare de fugir da realidade, cresça e comece a agir como um investidor inteligente. Assimilar pequenas perdas evita que você incorra em grandes decepções, já nos ensina Max Gunther, autor do livro “Os Axiomas de Zurique”. Se você é daqueles extremamente competitivos, que não aceitam perder nem em uma partida de video-game, cuidado! A vida real é mais dura que o placar adverso do Winning Eleven e impõe desafios mais importantes que título da Master League. Competir é ótimo, vencer excelente, saber perder essencial.
Da próxima vez, antes de enviar-me um e-mail malcriado, repleto de palavras chulas e impróprias, experimente lê-las diante de um espelho. Afinal, o e-mail é apenas um atestado de desinteresse pelo seu próprio dinheiro e pelas verdadeiras implicações de sua coerente administração. A culpa é mais sua do que minha. A Bovespa não é nenhum brinquedo e as ações das empresas não vão ficar subindo só porque vossa senhoria decidiu movimentar seu dinheiro por lá. Existe vida fora do umbigo.
A crise certamente irá se dissipar. Novas e interessantes oportunidades surgirão no futuro próximo. Sendo breve, as ações continuam sendo ótimo veículo de acúmulo de patrimônio no longo prazo, espaço temporal já devidamente explicado. Minha carteira de longo prazo permanece inalterada e meus planos para a Bolsa idem. Vejamos se esse é o seu caso.
Lição n° 3: Estratégia de saída é fundamental!
Quem opera com certa frequência não sobrevive sem estratégia. Isso, no entanto, não significa que o pequeno investidor, focado no médio e(ou) longo prazos, não deva se preocupar. Ora, estratégia significa criar planos para possíveis riscos, problemas e vitórias. Você sabe onde quer chegar? Quanto quer acumular nos seus investimentos em ações? Está disposto a perder parte do dinheiro para tentar chegar lá? Quanto? Entrar quando as coisas parecem boas e sair quando elas estão ótimas é maravilhoso, mas será que a vida é assim? Tudo que você decide fazer dá sempre certo na primeira tentativa? O caminho para qualquer meta ou objetivo exige importantes correções de rumo, quebras de paradigma e força de vontade para reerguer-se.
Gosto muito da palavra “gatilho”. Ela tem relação direta com a idéia de estratégia que procuro utilizar e disseminar. Definindo sua expectativa de ganhos e o percentual que aceita perder, deixe o gatilho fazer o trabalho por você. Fique de olho, se conseguir o que queria, o gatilho dispara e você sai fora. Se perder o aceitável por algum problema de mercado, o gatilho dispara e você sai “levemente ferido”. Existe diversas ferramentas para isso.
Ganhou o que queria? Ótimo, objetivo alcançado. Hora de partir para o próximo negócio. Perdeu parte do que investiu, mas algo dentro do que julgava aceitável? Enquanto o “tiroteio” continua, você assiste ao agito, vivo e confortável de sua poltrona, com apenas algumas escoriações. Estratégia não é só uma palavra bacana para palestras e livros de gurus, é atitude inteligente que pode fazê-lo sair-se bem ou mal em muitas situações de sua vida. Claro, avaliar periodicamente sua estratégia também faz parte de uma eficiente estratégia de alocação de seu patrimônio. Estamos combinados?
Ah, não adianta pensar no risco só quando as coisas vão mal. Procuro lembrar sempre da sabedoria milenar chinesa, que traduz crise e oportunidade em um mesmo ideograma. Afinal, estamos diante de uma crise ou de uma oportunidade? Tudo depende de sua visão de tempo (curto, médio, longo prazo), resiliência (quantos “nãos” você aguenta?) e estratégia (como pretende chegar lá). Já ouviu o chavão “se fosse fácil, qualquer um fazia”? Pois é, prefere voltar para o video-game?
Winning Eleven™ é marca registrada da Konami®. Crédito da foto para Marcio Eugenio.