Imagine por um instante que você está em um lugar repleto de montanhas no horizonte.
Cada uma dessas montanhas está coberta por uma vegetação de um verde vibrante. As pessoas que você ama se encontram ao seu redor.
De repente, você percebe que não tem mais preocupação com contas, boletos, mensalidade da escola das crianças ou plano de saúde, e que até os prazos apertados que você possuía para entregar todas as demandas no trabalho já não existem mais.
Que maravilha, não?
Esse mundo sem preocupações até hoje só se mostrou em um caso na minha vida: nos folhetos distribuídos por alguns membros de uma instituição religiosa aos domingos de manhã no Jardim São Luiz, bairro de São Paulo onde morava quando pequeno.
Digo isso porque essa é exatamente a ideia que algumas pessoas têm de um ciclo mais positivo para os ativos de risco, ou seja, que não haverá mais preocupações sobre estabilidade fiscal no Brasil, as discussões sobre inflação são coisas do passado e as divergências políticas só voltarão a ser observadas na próxima eleição presidencial.
Ledo engano.
Um período mais benéfico para esses ativos não se resume à ausência de riscos.
Se você duvida, vale lembrar o período entre os anos de 2016 e 2020.
Nesse ciclo de corte da taxa de juros no Brasil, o Ibovespa, principal indicador da Bolsa, se valorizou mais de 150%, o Ifix, o índice dos fundos imobiliários, subiu mais de 120%, e o Tesouro IPCA+ 2045, entre sua mínima em 2015 e máxima em 2020, passou dos 300%.
Quem olha apenas para os dados de rentabilidade acredita que esse foi um período tranquilo, em que praticamente todos os investidores ganharam dinheiro e que o dia a dia era pura paz e calmaria, certo?
Errado!
Durante esses anos, observamos alguns dos períodos de maior volatilidade da última década.
O interessante é que em todos os momentos citados, o mercado voltou a colocar em xeque o ciclo mais positivo no mercado brasileiro.
Joesley Day
Em 2017, por exemplo, tivemos o famoso “Joesley Day”, dia em que foram revelados áudios de conversas entre o até então presidente da República Michel Temer e os irmãos Batista, donos da JBS, uma das maiores empresas de proteína animal do mundo.
Durante os dias que sucederam a relevação, o Ibovespa experimentou seu limite de queda, a variação negativa limitada pela impossibilidade de negócios, que é de -10%, em um único pregão.
O dólar registrou seu limite de alta, sendo que a moeda norte-americana parou de subir pela impossibilidade de os investidores colocarem ordens de compra a um valor específico.
Os juros também alcançaram seu topo e apresentaram uma alta aguda, o que gerou uma desvalorização muito forte no preço dos ativos nos dias seguintes.
Engana-se quem acredita que o temor e o sentimento de que o ciclo positivo tinham acabado durou poucos dias. A expectativa era de que o governo Temer perderia sua capacidade de aprovar qualquer outro tipo de proposta no Congresso e que o Brasil voltaria a ficar “fora dos trilhos”.
Em 2018, foi a vez da greve dos caminhoneiros, dez dias em que a categoria se organizou e suspendeu suas atividades, gerando desabastecimento de combustíveis e alimentos ao redor do país. A inflação em junho foi de 1,26%, praticamente 1/3 da meta de inflação do ano, que acabou acontecendo em um único mês.
Naquele momento, as preocupações eram diferentes, mas apontavam para o mesmo lado: o fim do círculo virtuoso para os ativos de risco no Brasil. Vale lembrar que 2018 foi um ano eleitoral, o que naturalmente traz uma incerteza relevante para esse tipo de investimento e seu desempenho nos próximos anos.
No ano seguinte, tivemos um dos poucos anos menos turbulentos da economia brasileira, mas a “tranquilidade” acaba por aí.
Coronavírus
Pois em 2020, como sabemos, veio a pandemia, que marcou forte presença em nossas vidas tanto em termos sanitários quanto em econômicos até o final de 2021, com impactos inflacionários que se refletem até hoje em vários lugares do mundo.
Veja que até mesmo o período mais próspero para os ativos de risco na última década esteve repleto de incertezas e momentos de fazer qualquer pessoa se questionar se a bonança tinha chegado ao fim.
O que quero dizer para você é que se prepare para um cenário em que a tendência é de melhora, mas não deixe a convicção de que nada de ruim acontecerá. Isso porque podemos observar notícias e movimentos do mercado negativos e agudos, capazes de fazer qualquer pessoa que investe mais arrojada se assustar.
Aqui, a regra é clara: lembre-se da importância da sua alocação estrutural e de manter um certo nível de caixa em carteira. Eles serão essenciais para aproveitar os momentos que sempre existirão, sejam em um ciclo negativo ou não.
Abraços,
Guilherme Cadonhotto
Especialista em renda fixa e estrategista-chefe da Spiti. Técnico em Administração de Empresas e bacharel em Economia, atuou na mesa de operações como trader de renda fixa na SulAmérica Investimentos e como analista de investimentos na asset da Porto Seguro.