Uma investigação com 105 páginas (veja a íntegra abaixo) com provas obtidas pela Polícia Federal (PF) demonstram que foi criada estrutura para desviar presentes dados por autoridades estrangeiras a Jair Bolsonaro no período em que estava na presidência da República.
As informações foram reveladas após o ministro do STF, Alexandre de Moraes, atender a um pedido de aprofundamento das diligências por parte da Polícia Federal para realizar busca e apreensão nas casas do general Mauro Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, do advogado Frederick Wassef, do assessor Osmar Crivelatti e do próprio Mauro Cid.
Isso foi necessário após o avançar das investigações que começaram com as apurações de ataques virtuais nas eleições de 2022 e que resultaram em cinco eixos:
Moraes concluiu que os presentes recebidos por Bolsonaro durante viagens internacionais eram desviados para o acervo privado do ex-presidente e vendidos nos Estados Unidos, onde morava o general. Durante o governo de Bolsonaro, Lourena Cid trabalhava no escritório da Apex, em Miami. Entre os itens, estão relógios de luxo e obras de arte.
“Os elementos de prova colhidos demonstraram que, na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, foi criada uma estrutura para desviar os bens de alto valor presenteados por autoridades estrangeiras ao ex-presidente da República, para serem posteriormente evadidos do Brasil, por meio de aeronaves da Força Aérea brasileira e vendidos nos Estados Unidos, fatos que, além de ilícitos criminais, demonstram total desprezo pelo patrimônio histórico brasileiro”, afirmou o ministro na decisão.
“Kit Rose”
Um dos conjuntos de bens que mais chamaram a atenção no extenso relato de desvios está o “Kit Rose’, um conjunto de itens masculinos da marca Chopard contendo uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário árabe (‘masbaha’) e um relógio.
Os presentes foram recebidos pelo então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, após viagem a Arábia Saudita, em outubro de 2021, e foram evadidos do país, no final do mês de dezembro de 2022, por meio do avião da Presidência da República, e submetido à venda, em procedimento de leilão na empresa Fortune Auction nos Estados Unidos. (veja aqui o link com as peças).
Ainda é possível acessar ao vídeo completo das joias, confira:
Rolex de US$ 68 mil
Segundo as investigações, os desvios começam em meados de 2022 e terminam no início deste ano. Em um dos casos descobertos pela PF, o general Cid recebeu na própria conta bancária US$ 68 mil pela venda de um relógio Patek Phillip e um Rolex.
A análise de dados armazenados na nuvem de Mauro Cid revelou uma fotografia que registra um “Payment Detail Report (comprovante de depósito), realizado por meio da instituição financeira Capital One, no valor total de US$ 68 mil, realizado na data de 13 de junho de 2022 ,mesmo dia em que Mauro Cid se deslocou para a sede da empresa Precision Watches.
Em consulta ao site do Banco Central, este valor correspondia, na data do pagamento, ao montante de R$ 346.983,60.
De acordo com o ministro, os presentes de governo estrangeiros deviam ser incorporados ao Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH), setor da Presidência da República responsável pela guarda dos presentes, que não poderiam ficar no acervo pessoal de Bolsonaro.
US$ 25 mil para Bolsonaro
A decisão de Moraes também cita mensagens obtidas pela Polícia Federal em que o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro trata da venda de estátuas – uma palmeira e um barco folheados a ouro, recebidos durante visita oficial ao Bahrein -, de um possível leilão de um dos kits de joias recebidos na Arábia Saudita.
No dia 18 de janeiro deste ano, Cid trocou mensagens com Marcelo Câmara, apontado como assessor de Bolsonaro, sobre a venda de esculturas presenteadas pelo governo do Bahrein durante viagem oficial.
Na avaliação dos investigadores, o general Mauro Lourena Cid estaria com o valor de US$ 25 mil, “possivelmente pertencentes a Jair Bolsonaro. Conforme o relatório, os interlocutores também evidenciaram receio de usar o sistema bancário para “repassar o dinheiro ao ex-presidente”.
“Tem vinte e cinco mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que era melhor fazer com esse dinheiro, levar em cash aí. Meu pai estava querendo inclusive ir ai falar com o presidente. E aí, ele poderia levar. Entregaria em mãos. Mas, também pode depositar na conta. Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor, né?, escreveu Mauro Cid.
A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro declarou nesta sexta-feira (11) que ele “jamais se apropriou ou desviou” bens públicos. Em nota divulgada à imprensa, os advogados também afirmaram que Bolsonaro vai colocar seu sigilo bancário à Justiça.
Os advogados Paulo Amador Bueno e Daniel Tesser afirmaram que o ex-presidente já havia solicitado ao Tribunal de Contas da União (TCU) o depósito dos presentes recebidos.
“Sobre os fatos ventilados na data de hoje nos veículos de imprensa nacional, a defesa do [ex] presidente Jair Bolsonaro, voluntariamente e sem que houvesse sido instada, peticionou junto ao TCU, em meados de março, requerendo o depósito dos itens naquela Corte até final decisão sobre seu tratamento, o que de fato foi feito. O [ex] presidente Bolsonaro reitera que jamais apropriou-se ou desviou quaisquer bens públicos, colocando à disposição do Poder Judiciário sua movimentação bancária.”, declarou a defesa.
Veja a investigação: