Conforme prometido no artigo anterior, abordarei desta vez o impacto da mesma liberdade de expressão, mas agora pelo viés de sua aplicação no processo da capacitação corporativa. Sou então obrigado a reativar a memória, me recordando do meu próprio processo de capacitação.
Encerrei a graduação no final do século passado (sim, é verdade, faço parte da geração X), precisamente em 94, no nascedouro do Plano Real – o plano que debelou o processo inflacionário brasileiro, lançando o país em uma era de estabilidade econômica sem precedentes, possibilitando a colheita (por enquanto) dos seus frutos até hoje.
Não faço a contextualização do momento econômico por acaso, pois ela esclarece, ao menos para a minha compreensão, muito do que hoje se observa. Naquele instante, onde a colheita dos resultados empresariais não podiam mais contar com o componente inflacionário, empresários e gestores brasileiros mergulharam de cabeça no universo da busca incessante pela eficiência gestora.
A partir daquele momento, os ganhos eram reais e a economia entrava em um período de exposição à competitividade nunca antes visto. Com o fim da inflação e o surgimento da economia real, nascia, nos ambientes da capacitação de gestores, um conjunto de dogmas e “leis fundamentais”, cuja defesa de seus princípios tratava de condenar ao foço da ignorância qualquer questionamento, oposição ou ponderação.
Estava inaugurada a era das verdades absolutas, dos “gurus” da administração e, no seu rastro, a indústria do “management”. Eram terminantemente abominados e relegados ao segundo plano tudo o que colocasse à prova os fundamentos da Reengenharia (lembram?), da Qualidade Total, da Instabilidade dos Cargos Executivos como Vetor de Desenvolvimento Empresarial e das Oportunidades da Globalização (sobre suas ameaças, nenhum comentário).
O que dizer então da Supremacia das Economias Baseadas em Serviços (na época ninguém falava sobre a China e a expressão Brics não existia, assim como a importância dos seus signatários) e, em alguns ambientes mais radicais, da Importância do Cosmos na Seleção de Executivos? Eu poderia dar inúmeros outros exemplos…
Nas salas de aula, pouquíssimos se atreviam a criticar e apenas um ou outro educador ousava estimular o debate. Havia, logicamente, cochichos e piadinhas, mas sempre em voz baixa, pois ninguém queria ser rotulado de retrogrado ou reativo.
Os defensores desse modelo, sem saber e mesmo sendo fiéis escudeiros da livre iniciativa e da democracia, reeditavam, sem saber, uma nova forma de trotskismo, que no melhor estilo das ditaduras socialistas, incentivava a patrulha ideológica oprimindo o contraditório e os efeitos do bom e saudável senso crítico.
Os anos se passaram, o processo de estabilidade econômica consolidou-se definitivamente (?) e a educação corporativa ocupou definitivamente um lugar de grande destaque. No entanto, salvo algumas exceções, percebo que a mesma dinâmica persiste em alguns ambientes, insistindo nos mesmos dogmas repaginados ou rebatizados – naturalmente contando com o acréscimo de outros novos, mas sempre necessitando importar de além mar os pacotes de soluções e ideias.
Contudo, a resultante de uma estrutura educacional que avança na contramão dos princípios do livre pensamento e da ponderação das contradições é a própria atrofia da capacidade intelectual dos seus principais agentes e o desestímulo à pesquisa e o desenvolvimento no âmbito da administração.
O fato é que esse cenário não traz apenas bocejos às salas de aula, mas com o tempo acaba por entediar o processo econômico como um todo, asfixiado pela carência de inteligência própria e energia criativa. Ou não?
Foto de sxc.hu.