Exemplo de eficiência e customização, o Modelo T da Ford foi o primeiro modelo de produção de baixo custo em uma linha de montagem. E, apesar de exemplo de inovação para a época, os carros eram produzidos somente na cor preta, já que essa era a tinta de secagem mais rápida. Sobre o assunto, Henry Ford afirmava “Quanto ao meu automóvel as pessoas podem tê-lo em qualquer cor, desde que seja preta!”. Pois é.
A Ford chegou a ter 60% do mercado americano no início dos anos 20, mas, poucos anos depois, perdeu espaço para a General Motors, que oferecia modelo de diferentes cores. Assim, um produto antes inovador passou a obsoleto. O que havia mudado desde o lançamento do Modelo T? As preferências dos consumidores.
Marketing é a função dentro das organizações que busca não só identificar como também criar desejos que precisam ser satisfeitos por produtos e serviços. Com base em extensas informações originadas em pesquisas por observação, grupos de foco, levantamentos, pesquisas experimentais, entre outros, os profissionais de marketing seguem como piratas em busca do baú do tesouro da sociedade atual: o botão “comprar” do consumidor. E até pouco tempo, essa era a única forma de se aproximar da grande incógnita que nos impulsiona para o consumo.
Marketing e Neurociência
Na década de 1990, um grupo de pesquisadores, dentre os quais Gerald Zaltman, usou aparelhos de ressonância magnética durante um estudo ligado ao Marketing. O objetivo era identificar as reações do cérebro do consumidor diante de certos estímulos comerciais. Já em 2004, o cientista norte-americano Read Montaque (Universidade de Baylor) publicou um artigo com o primeiro experimento a testar as reações da mente em relação a estímulos mercadológicos.
Os testes consistiram em dividir os voluntários em grupos para identificar qual bebida tinha o melhor sabor entre Pepsi e Coca-cola, sendo que um grupo não sabia qual refrigerante estava consumindo e o outro tinha as bebidas identificadas. O artigo concluiu que partes diferentes do cérebro são acionadas quando o consumidor sabe e quando não sabe o que está bebendo.
Quando eles sabiam que estavam consumindo Coca-Cola, as funções racionais do cérebro eram ativadas. Quando bebiam Pepsi, sem que o produto estivesse identificado, as partes que se ativavam no cérebro eram as funções ligadas à satisfação e prazer. Dessa forma, o artigo foi capaz de provar a influência das marcas na mente dos consumidores, dando um passo significativo na compreensão de nossas decisões irracionais. Essa união do marketing e da neurociência foi chamada de “Neuromarketing”.
Fazendo uso de ferramentas que antes eram exclusividade das ciências médicas, os cientistas de vendas usam tecnologias como a ressonância magnética e a tomografia computadorizada para identificar as reações de nossos neurônios diante de marcas, imagens, sabores e odores. Embora ainda seja uma ciência preliminar, o futuro da neurociência promete aumentar significativamente a compreensão das empresas em relação aos desejos dos consumidores, o que os fazem reagir de certas maneiras e até identificar formas de divulgação de grande eficácia.
Algumas descobertas do Neuromarketing
Mesmo ainda em estágio inicial, a aplicação das técnicas de neurociência à pesquisa de marketing já demonstra resultados significativos. Em seu livro “A lógica do consumo”, Martin Lindstrom apresenta alguns resultados inquietantes para nós consumidores, os quais relaciono abaixo:
Merchandising funciona? Com certeza funciona, desde que a marca/produto esteja realmente integrado ao roteiro do programa, série ou filme. Se a aparição do produto for claramente comercial, levantamos nossas barreiras e não prestamos atenção à mensagem. Sabe aquele celular que John McClane (Bruce Willis) retira da mão de uma pessoa para tentar fazer uma ligação num momento tenso do filme “Duro de Matar 4.0”, quando os terroristas estão tomando conta de todo o sistema de telecomunicações? Você se lembra da marca do celular?
E qual o modelo de telefone que Samantha Jones (Kim Cattrall) entrega para Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker) em “Sex and the City – o filme” quando ela pede um telefone para ligar para o noivo que ainda não chegou para o casamento? Se você assistiu a algum dos filmes, certamente terá alguma lembrança sobre esses aparelhos pois, de alguma forma, estavam inseridos na trama dos filmes.
Por que temos uma vontade incontrolável de ter um produto quando vemos outras pessoas fazendo uso deles? É o fenômeno denominado pelo cientista italiano Giacomo Rizzolati de “neurônios-espelho” – quando nossos neurônios se ativam ao observar uma ação que acontece ao vivo, em filmes, quando ouvimos sobre a ação ou até quando lemos e imaginamos a ação acontecendo. Mas, nos processos ligados ao consumo, os “neurônios-espelho” não trabalham sozinhos.
Quando decidimos comprar algo, nossas células cerebrais liberam uma substância chamada dopamina, uma das mais viciantes para o ser humano. No organismo, a dopamina libera uma forte sensação de bem-estar que alimenta o comportamento de continuar comprando, ignorando os apelos racionais. Outro fator interessante é que essa descarga de prazer está associada à aquisição de produtos destinados a aumentar (creiam!) nosso sucesso reprodutivo e de sobrevivência.
É por isso que podemos ser tomados por desejos incontroláveis de consumo quando observamos outras pessoas usando iPods, iPhones ou roupas de grife. Na verdade, o que nos invade é um desejo intenso de ser como elas – e, para isso, precisamos comprar. Dessa forma, o uso dos conceitos de “neurônios-espelho” aplicados ao marketing é uma poderosa ferramenta para criar a lealdade do consumidor, bem como fazê-lo comprar.
E quanto às mensagem subliminares? Funcionam de forma assustadora. Quando identificamos que uma mensagem é comercial, naturalmente levantamos nossas defesas por saber que aquilo é só propaganda. Mas quando somos expostos a imagens, cores, sons, ambientes, sem marcas associadas, baixamos a guarda, e é nesse momento que as mensagens subliminares fazem o seu trabalho. Elas podem vir em forma de imagens que nos lembrem alguma sensação proporcionada por um produto, ambientes decorados de forma icônica (sem marcas, mas com objetos que provocam a associação) com as cores típicas de uma marca, informações nos rótulos dos produtos, entre outras, que são percebidos e associados pelo nosso subconsciente.
Neuromarketing versus livre-arbítrio
Como fica o livre-arbítrio do consumidor na hora de escolher? Será que é inevitável que a indústria do consumo nos transforme em robôs com o botão “comprar” na testa? Não, é claro que não. Educação financeira, disciplina, bom senso e informação são algumas de nossas armas. Este texto apresentou algumas armadilhas com o objetivo de detalhar melhor todo o processo que envolve nossos desejos por comprar e ter cada vez mais coisas.
A afirmação de que a única coisa certa é a mudança está intrinsecamente ligada ao ser humano. A cada dia vivido nos tornamos pessoas diferentes, de opiniões distintas e com experiências inéditas. Processamos uma quantidade enorme de informações, embora não nos lembremos de tudo. Refletimos, repensamos, reaprendemos. Quebramos paradigmas, passamos a defender tópicos que antes não acreditávamos, mudamos o comportamento de consumo. Dessa forma, quando descobrimos como funciona nosso raciocínio em relação ao consumo, também podemos modificá-lo.
Todo trabalho ligado ao consumo tem duas vertentes. Se por um lado as empresas estão cada vez mais empenhadas em descobrir o “genoma” do consumo, por outro lado essas pesquisas aplicadas nos dão uma maior compreensão de como nós decidimos comprar. Todo conhecimento gera responsabilidade e, se somos capazes de compreender nossos comportamentos irracionais, também seremos capazes de controlá-los.
Considerações
Nossos processos de decisão irracionais foram construídos ao longo do tempo por meio da exposição aos mais diferentes estímulos comerciais. Todo mundo já comprou alguma coisa da qual se arrependeu depois. Em alguns casos, antes de comprar já sabíamos que nos arrependeríamos. Mas compramos, seja pela sensação de bem-estar associada ao consumo, seja porque precisamos nos sentir “parte do grupo”.
Então, tendo o conhecimento de como esses processos funcionam em nossa mente, somos capazes de reagir positivamente, escolhendo com critério nossas opções de compra e consumindo de forma responsável, inteligente e coerente. Somente aprendendo a consumir para viver e não a viver para consumir é que seremos capazes de fazer desse mundo um lugar mais justo, humano e ético.
Referências
- Lindstrom, Martin. A Lógica do Consumo – verdades e mentiras sobre por que compramos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
- Neuromarketing e os neurônios do consumismo
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