Marta comenta: “Navarro, gostaria de vê-lo escrevendo mais sobre negociação nas finanças cotidianas. Vemos exemplos de carros sendo negociados sem tapete, protetor de motor e valores absurdos sendo cobrados quando exigimos tais “acessórios”. Como lidar com os custos escondidos nas compras do dia-a-dia? Há alguma regra para identificá-las e melhor negociá-las? Onde mais devemos prestar bastante atenção e aprender a comprar melhor? Obrigada.”
Marta, obrigado pela participação. Suas dúvidas são extremamente importantes e pouco exploradas pela grande maioria da população e dos especialistas. A negociação normalmente é tida como uma habilidade complexa, de difícil aprendizado e valorizada apenas no mundo dos negócios. Repare na quantidade de livros focados neste aspecto. Toda essa definição representa o desinteresse geral diante da necessidade de aprofundamento antes de uma importante decisão. Queremos possuir, mas com um mínimo esforço.
Vender um produto implica demonstrar suas qualidades, minimizar seus defeitos e garantir preço interessante para o cliente e para a loja/empresa vendedora. Do outro lado, comprar muitas vezes significa apenas uma satisfação emocional passageira, criada por uma demanda pessoal incontrolável alimentada por um reflexo da sociedade consumista. Comumente transferimos para o vendedor a tarefa de satisfazer nossos anseios, quando este deveria ser apenas mais um catalisador de nossos objetivos. Parece que evitamos comprar bem quando o vendedor parece ser bom e honesto. Não soa ingênuo? Comprar deveria ser uma experiência.
Gosto muito de algumas frases do professor da FEA-USP, Rafael Paschoarelli, autor do livro “A regra do jogo” – publicado pela editora Saraiva:
“Tomar uma decisão com base apenas na informação do seu interlocutor é como jogar xadrez deixando seu adversário dizer quais peças você deve mexer. O que não nos é favorável não é mostrado pela loja ou instituição com a mesma clareza com que são exaltadas as vantagens do negócio. O desconhecimento tem o potencial de fornecer à pessoa a falsa sensação de ter realizado um bom negócio. Quando estiver negociando algo, lhe caberá levantar os pontos desfavoráveis”
Os custos omitidos
Antes de tratar de alguns custos realmente disfarçados, é importante lembrar que muitas negociações trazem custos omitidos no momento da venda. Alguns exemplos mais comuns são a cobrança da TAC (Taxa de Abertura de Crédito), IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), lâmina do boleto, taxas de cadastramento, de vistoria e seguro. Será que cabe uma discussão acerca da ética dos lojistas? O que podemos fazer? Não sei, mas acredito que informação é tudo! Procure informar-se sobre as condições da compra, leia as letras miúdas do contrato e peça para o vendedor detalhar todas as taxas e custos antes de fechar o negócio.
Os custos escondidos
Todo mundo sabe da falácia do “juro zero”. Lojas que vendem produtos com preço à vista igual ao preço parcelado, simplesmente embutem as taxas de juros no preço do produto e alardeam a facilidade no pagamento como grande diferencial competitivo. Apesar de não ser óbvia, esta é a realidade. Acredite ou não, ainda é muito mais vantajoso pagar de uma vez e com desconto. Procure lojas que lhe permitam desconto no pagamento à vista e evite o parcelamento. E sim, essas lojas ainda existem.
Mas esse é apenas o caso mais comum. Outros, menos explícitos, também são igualmente prejudiciais ao seu bolso. O exemplo citado pelo leitor, dos carros que vêm sem tapete ou protetor de cárter, é muito comum e quase não questionado pelos consumidores na hora de sair da concessionária. O financiamento imobiliário traz cobranças de taxas de vistoria, taxas de checagem da documentação e taxas administrativas em suas prestações ou no valor total financiado.
Procurar saber, procurar negociar
Se você nem sabe quais são os custos envolvidos na compra de um produto, fica difícil querer negociá-los. Algumas dicas podem facilitar o trabalho de comprar melhor, identificar, entender e negociar essas taxas:
1. Informe-se mais sobre o que está comprando. Investigue diferentes fornecedores e pesquise mais sobre o produto. Detalhe suas características financeiras com a mesma dedicação que investiga suas especificações técnicas, comerciais e formas de pagamento. Crie uma planilha simples de custos comparando as diferentes formas de pagamento. Na dúvida, não feche o negócio.
2. Procure pagar à vista. Sabendo das desvantagens e dos custos embutidos no parcelamento, negocie o melhor valor à vista. De preferência, extrapole as alternativas e descontos do vendedor e acabe na sala do gerente. Dica velha, mas que funciona.
3. Preste atenção no contrato. É seu dinheiro que está em jogo. Leia atentamente o contrato e, na dúvida, peça esclarecimentos e(ou) leve o material para a análise de um perito (todos têm um amigo advogado). Se a empresa não permitir que você hesite e saia para investigar melhor os detalhes, fuja. Afinal, se ela não tem respostas ou tem medo de ser questionada é porque seu contrato não deve ser muito interessante para seus clientes.
4. Aproveite a falta de sazonalidade. Véspera de Natal não é uma época interessante para comprar presentes para o Natal. Matematicamente não. Janeiro é um mês repleto de liquidações e há quem compre os presentes do dia das mães, dos pais, aniversários e Natal nessa época. Sem graça ou não, o bolso agradece.
Dá trabalho, eu sei!
Ler, pesquisar, perguntar, escrever, comparar, andar, telefonar. Ufa. Pois é, ser um comprador consciente é muito mais que saber o que quer e qual o tamanho da parcela que “cabe” em seu orçamento. Comprar é colocar seu dinheiro em algo com significado e que lhe trará algum benefício, mas nem por isso precisa ser um ato imediato e impensado. Quem não se habitua a planejar permite que o desejo de ter coloque em xeque o desejo (e a necessidade) de poupar e investir.
Crédito da foto para Marcio Eugenio.