Uma vez, durante um pequeno debate, um amigo me disse a seguinte frase: “A economia é algo muito importante para ser deixada para os economistas”. Talvez o meu amigo esteja certo, ainda mais quando refletimos sobre o tamanho da confusão em que os “brancos de olhos azuis” nos meteram. De fato, a economia já não pertence mais apenas aos economistas; outros cientistas vêm fazendo importantes contribuições sobre como os agentes tomam suas decisões e por quê.
Uma dessas novas vertentes do estudo econômico vem chamando cada vez mais atenção: a economia comportamental. Nascida na década de 70 com o trabalho dos psicólogos Amos Tversky e Daniel Kahneman, da Universidade Hebraica de Jerusalém, a economia comportamental incorporou as inconstâncias humanas aos seus modelos de previsão.
Tversky e Kahneman focaram seus estudos sobre o comportamento das pessoas em situações de incerteza e de alta carga emotiva, consideradas por eles, com acerto, como predominantes nas grandes decisões econômicas – seja a compra do primeiro apartamento ou a venda de ações nos momentos de queda das bolsas. Kahneman ganhou o Prêmio Nobel de economia em 2002, tornando-se o único psicólogo a conseguir esse feito.
No mundo de Kahneman, os agentes econômicos nem sempre tomam decisões sóbrias e corretas. Eles agem de acordo com os misteriosos mecanismos mentais de aceitação e rejeição do risco. Uma mesma pessoa que só bebe água mineral e morre de medo de bactérias pode ser vista fazendo bungee jumping, esporte em que o praticante se joga de uma ponte sobre um abismo amarrado por uma corda elástica. No mundo econômico, atitudes incoerentes como essa são quase a regra.
Aplicadas ao estudo do comportamento dos investidores nas bolsas, as teses de Kahneman e seus colegas mostram que a convivência de atitudes racionais e irracionais é uma força considerável. Entre o início de 2003 e o máximo de alta em maio de 2008, o índice Bovespa, da Bolsa de Valores de São Paulo, valorizou-se 350%. Nesse período, a maioria dos investidores enxergou todos os acontecimentos, os bons e os ruins, com a lente da euforia.
Passaram despercebidos os sinais precoces da crise que viria a se abater sobre a economia mundial e com repercussões fortes no Brasil no fim do ano passado. Mesmo os investidores profissionais não estão imunes. A ilusão mais comum é acreditar que projeções baseadas em dados recentes podem ser tomadas como tendências duradouras.
O americano Robert Shiller, da Universidade Yale, ouviu investidores que tinham acabado de perder uma fatia considerável do valor de suas ações na famosa “Segunda-Feira Negra”, como ficou conhecida a queda da Bolsa de Nova York em 19 de outubro de 1987. As ações perderam 22% de seu valor em um único dia. Shiller quis saber por que os investidores não caíram fora antes do desastre.
A resposta que o professor de Yale ouviu foi que os investidores se achavam tecnicamente aparelhados para “saber” com certeza quando as ações cairiam. Que técnica era essa? 88% deles disseram que se tratava de feeling, palavra que pode ser traduzida como intuição. No fundo, os investidores deixaram-se cegar pela confiança exagerada em suas habilidades – confirmadas pelos excelentes retornos obtidos antes da Segunda-Feira Negra.
A forma como nosso cérebro registra, armazena e recupera experiências que envolvem perdas e ganhos nos induz a um excesso de iniciativa que é prejudicial à boa gestão. Impele-nos a vender na baixa e comprar na alta. Leva-nos a superestimar nossa propensão ao risco durante a alta e a subestimá-la nas quedas. Ganha mais quem define uma alocação em ativos de risco compatível com sua tolerância e as mantém com disciplina.
O investidor precisa estar disposto a enfrentar flutuações e eventualmente perdas em horizontes mais curtos para que não esteja fora da bolsa nos momentos de recuperação que, via de regra, ocorrem de maneira concentrada no tempo. Mas nem todos os enganos são originários da autoconfiança. O investidor também pode ser atrapalhado por uma emoção de natureza bem diversa: a angústia.
O investidor novato, sobretudo, tende a entrar no mercado com a sensação de que está atrasado – e de que seus amigos ganhavam fortunas enquanto ele aplicava nos fundos conservadores de seu banco. Essa sensação conduz à escolhas precipitadas. Em vez de traçar uma estratégia sólida, o novato dá grandes tacadas de uma vez só, para evitar a tensão de analisar e optar – ou não – por determinada ação. A impaciência custa caro.
Ficamos vulneráveis porque somos intolerantes às frustrações. Essa intolerância nos faz buscar caminhos mais fáceis e rápidos. As frustrações se tornam ainda mais agudas quando as cotações caem. O investidor que tomou sua decisão de compra sem base sofre por não saber se deve vender as ações que estão patinando e estancar as perdas ou apostar na recuperação dos papéis e mantê-los em carteira.
Se a economia comportamental introduziu o estudo mais detalhado das emoções na análise financeira, era apenas natural que alguns pesquisadores dessem o passo seguinte para investigar muito literalmente como funciona a cabeça do investidor. Tais estudos deram origem à neuroeconomia. O termo, ainda pouco conhecido, refere-se à aproximação dos estudos da economia com os da psicologia e da neurociência. Esses estudos utilizam recursos como o mapeamento cerebral para entender o comportamento humano.
A neuroeconomia combina as mais recentes descobertas da neurociência – em particular, técnicas de mapeamento cerebral como a ressonância magnética funcional (fMRI), aperfeiçoada nos anos 90 – com os conceitos da psicologia financeira e da economia. É um campo de estudos ainda recente – conta cerca de uma década –, mas já acena com um entendimento fascinante da biologia do investidor.
Com os avanços da neurociência, abriu-se uma empolgante forma de estudar a mecânica mental por trás do processo decisório. Cientistas são capazes de mapear em tempo real quais regiões do cérebro são estimuladas quando somos colocados diante de diversas situações. Profissionais de marketing têm recorrido a isso para identificar que tipo de mensagem tem maior probabilidade de ficar registrada de forma positiva no cérebro para criar estratégias de comunicação para influenciar consumidores. O mesmo pode ser feito quando lidamos com as decisões de compra e venda de ativos.
Sempre que uma região do cérebro é estimulada, ela é irrigada por um fluxo adicional de oxigênio. Ao monitorar esse fluxo de oxigênio – e sabendo que regiões são responsáveis por quais sentimentos (prazer, medo, frustração etc.) -, podemos saber o efeito que determinado estímulo causa sobre nós. Além disso, a descoberta dos marcadores somáticos permitiu compreender de que forma tais impressões ficam registradas e como são recuperadas quando precisamos tomar novas decisões.
Os marcadores somáticos são relevantes se lidamos com estímulos que causam sentimentos de recompensa e punição. Por exemplo, se você alguma vez retirou um bolo recém-preparado do forno e queimou seu dedo, essa experiência ativará seus marcadores somáticos, que gravarão uma impressão duradoura em seu cérebro que será recuperada sempre que você precisar lidar com um forno. Esse tipo de influência sobre o processo decisório é mais relevante quanto mais complexa, conflitante e ambígua for a decisão. Desnecessário dizer que o mercado financeiro está repleto de decisões desse tipo.
A teoria financeira comportamental tem bem registrado que o desprazer associado à perda é superior à sensação de recompensa quando há ganho na mesma proporção. Registramos de forma mais significativa experiências de perdas – a atividade cerebral no hemisfério que reage à sensação de punição e perdas é mais intensa – do que em situações de ganhos. Essa assimetria explica porque temos aversão a perdas e não ao risco. O problema ocorre quando o risco se materializa, traduzindo-se em prejuízo.
A neuroeconomia tem encontrado seus críticos. Em um texto duro publicado em 2005, o economista Ariel Rubinstein, das universidades de Nova York e Tel-Aviv, acusou os estudos com ressonância magnética de serem vagos e inconclusivos. De modo geral, porém, a neuroeconomia encontra-se em um estágio semelhante ao da neurociência em geral: conheceu avanços imensos nos últimos anos – e está apenas começando.
Mas na velocidade com que está se desenvolvendo, talvez no futuro a consulta com o psicólogo já virá acompanhada das melhores dicas de investimento, ou numa receita sobre como otimizar o orçamento doméstico, ou sobre como… Enfim, vamos esperar para ver.
Bibliografia:
- Revista Veja, edição 2.095 de 14 de janeiro de 2009
- Revista Época Negócios, edição 02 de abril de 2007
- Portal InfoMoney, em 02 de julho de 2008 e 18 de julho de 2008
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Alexsandro Rebello Bonatto, economista e com MBA em Gestão Empresarial, é professor universitário, instrutor e sócio da Ventura Corporate, empresa de treinamentos corporativos. Tem mais de 13 anos de experiência no mercado de crédito.
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