Por raras vezes, a imprensa se afasta do seu papel não declarado de defesa do capital, que é quem afinal a financia com a compra de anúncios, e se põe ao lado de outros interesses menos assistidos. Dois exemplos mais ou menos recentes ilustram isso. Semanas atrás, a Gazeta Mercantil publicou uma entrevista com o economista da Unicamp Júlio Gomes de Almeida sobre o risco que o país corre com o excesso de crédito para o consumidor. Conhecido da imprensa por ter sido presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Empresarial (IEDI) e por uma passagem ligeira pela Secretaria de Política Econômica do Ministério do Planejamento, ele acredita que a situação não se sustenta mais do que cinco anos.
O outro exemplo notório foi dado pelo jornal O Estado de São Paulo no último domingo (11 de novembro), com uma página e meia sobre o lado do consumidor nesta história. A matéria trouxe estatísticas, exemplos de gente que não cai na balela dos preços altos e uma entrevista com o economista e filósofo Eduardo Gianetti. Aliás, tudo que está na matéria pode ser resumido no título do livro mais recente de Gianetti: “O Valor do Amanhã”, que virou série no dominical Fantástico, da TV Globo e que, diz a matéria, será vendido em DVD (vai para minha prateleira assim que chegar nas bancas!).
O argumento da obra é que a relação entre a forma como lidamos com nossas finanças tem a ver com o que queremos e esperamos do futuro de cada um de nós. Vale à pena ler o livro! E para quem quiser economizar uns trocados para guardar para o futuro, uma boa notícia: comprei o meu num sebo, por uns R$ 10 a menos que o preço das livrarias. Na entrevista da página B17 do Estadão, como o jornal é conhecido entre seus leitores, Gianetti, que, assim como Almeida não celebra a expansão do crédito, usa palavras fortes como:
“Querem faturar em cima da ignorância do cidadão”
Sobre os juros embutidos nos preços à vista e a falta de esclarecimento ao consumidor pelos comerciantes ele denuncia:
“O consumidor de baixa renda é explorado e manipulado por uma prática que nós não podemos tolerar”
E complementa com chumbo grosso, usando verbos como omitem, sonegam e empurram. Aliás, o consumidor também não é poupado:
“Está se indo com muita sede ao pote”
As opiniões de Gianetti estão comprovadas na prática. Na página anterior, a repórter Márcia De Chiara traduz uma pesquisa sobre o que Gianetti aponta como níveis perigosos de endividamento das famílias. Os número levantados pelo Programa de Administração do Varejo (Provar), da Fundação Instituto de Administração da Universidade de São Paulo (FIA/USP), e pela consultoria Canal Varejo atestam que:
- Na baixa renda, quase 60% estão endividados.
- 72,5% parcelam compras.
Como o objetivo do Provar é trabalhar para o varejo, a pesquisa se preocupou em descobrir a realidade do consumidor de baixa renda no que beneficia o setor. Patrícia Vance, que coordenou o trabalho, analisou para o Estadão que:
“A loja antecipa um sonho de consumo ao aprovar o crédito para a compra de mercadorias”
E, sem olhar para a situação das finanças do consumidor, mais adiante acrescentou:
“A baixa renda vai ao shopping, mas não compra como poderia”
Neste ponto, a matéria toca no cerne da tese de Gianetti, que desafia o leitor a refletir se vale à pena consumir já (e arcar com os juros) ou se é melhor tirar proveito dos juros, guardando e investindo o dinheiro para consumir depois.
A declaração aponta que a segunda alternativa ainda passa longe da cabeça da baixa renda brasileira: para 46% dos entrevistados, a confiança depositada pelos lojistas é o principal sentimento despertado quando conseguem aprovar o crédito. Ou seja, ainda se compra muito com o coração.
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Lúcio Costi Ribeiro é gaúcho, jornalista e mora em Brasília, além de adorar a cidade! Começou a estudar finanças para cuidar do próprio bolso, gostou e resolver escrever sobre dinheiro. Já fez boletins enviados para mais de 2 mil rádios do país e agora escreve sobre como a imprensa trata o pequeno investidor. Ah, tem fama de pão-duro, mas jura que apenas gasta menos que os outros.
Crédito da foto para Marcio Eugenio.