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Trade do chinelo: o caso do insider bilionário da Alpargatas

"Essa ON está mais barata, viu": uma das dicas do ex-conselheiro para seus colegas sobre a compra das ordinárias e não das preferenciais

por Gustavo Kahil
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Trade do Chinelo, Alpargatas
(Imagem: ChatGPT/ Dinheirama)

A CVM puniu dois ex-traders da corretora do Bradesco e o cliente da dupla, um ex-conselheiro de administração da Alpargatas (ALPA3; ALPA4) – conhecida pelos seus icônicos chinelos Havaianas, por negociações com informações privilegiadas (insider trading), mostra uma decisão publicada pela autarquia nesta semana.

O caso revelou as “dicas” do ex-executivo para os seus colegas traders, dias antes de uma reorganização societária que planejava levar a Alpargatas ao Novo Mercado, justamente um ambiente em que se espera uma maior governança corporativa.

Pela condenação, os traders Caio Galli Carneiro e Julio César da Silveira Rossi deverão pagar uma de R$ 200 mil, cada um.

Já o ex-conselheiro Silvio Tini de Araújo, também cliente da corretora e um bilionário, ficou inabilitado temporariamente pelo período de 60 meses para o exercício de cargo de administrador ou de conselheiro fiscal de companhia aberta, de entidade do sistema de distribuição ou de outras entidades que dependam de autorização ou registro na CVM.

Araújo é um investidor muito conhecido e o presidente da Bonsucex Holding, empresa com participações na Alpargatas, Terra Santa (LAND3), Paranapanema (PMAM3), Banco Pan (BPAN4), Gerdau (GGBR3; GGBR4), Bombril (BOBR3; BOBR4) e IRB (IRBR3).

Tini já se envolveu em outros casos de insider em empresas no qual tem, ou já teve participação, como a Azevedo & Travassos (AZEV4) e a Brasil Ecodiesel.

Ele teria transmitido a Caio Galli informação relevante ainda não divulgada, em violação ao dever de guardar sigilo, que teria repassado as dicas para o seu parceiro.

Os acusados punidos poderão apresentar recurso com efeito suspensivo ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.

O “trade do chinelo”

Nos dias 10, 12 e 17 de abril de 2017, Caio Galli teria solicitado a realização de negociações com ações da Alpargatas, com base em duas ligações de Silvio Tini de Araujo que, em 29 de março, após investigações internas da corretora, repassou ao trader informações não públicas.

Em 20 de abril, a Alpargatas emitiu um fato relevante ao mercado tornando pública sua intenção de coordenar uma reestruturação societária com uma migração para o Novo Mercado.

Primeiro telefonema

“Silvio: É…essas coisa aí, Caio, É…é…essas coisa aí…Caio…o…a ALPA ON tá muito distorcida…você não quer comprar um pouquinho pra você, hein, Caio?

Caio: Posso.

Silvio: Isto…pra você.

Caio: Tá…E a PN [ações preferenciais da Alpargatas], Silvio, acabou a venda, hein? Voltou…

Silvio: ‘Cê” entendeu, Caio?

Caio: Entendi, entendi…Voltou um caminhão de compra da PN aqui, hein? Você me dá só um minutinho, Silvio, pra…?

Silvio: Tá.

Caio: Um caminhão de venda, hein? Um caminhão de compra na PN.

Silvio: É…eu, eu acho que vai melhorar. Essa ON [ALPA ON] está mais barata, viu, Caio?

Caio: É…Agora fechou a 10,40, as vendas estão ali a 10,34. Se eu tomar um “cenzinho” lá, o papel vai parecer com queda.

Silvio: Ô Caio? “Cê” entendeu o que eu falei?

Caio: Lá, né?

Silvio: É…manda o…manda o…o…manda lá o Júlio César comprar pra você.

Caio: Tá bom.

Silvio: Tá bom? No limite do seu fôlego.

Caio: Pode deixar.

Silvio: Tá?

Caio: Pode deixar.

Silvio: Nós não vamos falar mais.

Caio: Tá bom.

Silvio: Tá bom?.”

Segundo telefonema

“Caio: Silvio?

Silvio: Muito cuidado com isso que eu falei, viu, Caio?

Caio: Tá joia. Pode ficar tranquilo.

Silvio: Tá. E é só pra você…

Caio: Pode ficar tranquilo.

Silvio:…e mais ninguém…ir com muita sede ao pote, tá? Senão… […]

Caio: E a PN…tem…tem gente mostrando compra aqui, viu Silvio? Tem um monte de gente olhando aí.

Silvio: É, mas não…não se mete nessa não…

Caio: Não…não tô nem olhando…

Silvio: Ah não. Vai no outro que lá que eu falei… né?

Caio: Não tá nem no radar.

Silvio: Tá…Nós não vamos falar mais, tá?” (destaquei).

Ações disparam

O fato relevante que seria divulgado na sequência das ligações divulgou que a relação de conversão das ações preferenciais em ordinárias seria na proporção de 1,30 ação preferencial para cada 1 ação ordinária.

Caio Galli teria adquirido 2.600 ações em 10 de abril e Julio César 5.300 ações entre 29 de março e 5 de abril de 2017. As compras de Julio César no dia 29 de março aconteceram apenas 9 minutos após o encerramento do segundo telefonema entre Silvio Tini, e seu colega Caio Galli, finalizado às 11h04.

As ações ordinárias saltaram 15,08% no pregão seguinte, no dia 24, e 12,25% no dia 25.

De acordo com a área técnica da CVM, Caio Galli teria auferido vantagem correspondente a R$ 4.779 com a “troca” de ALPA PN por ALPA ON em 10 de abril, enquanto Julio Cesar teria obtido lucro de R$ 9.420.

Em 23 de maio, contudo, a Alpargatas cancelou a sua operação de migração ao Novo Mercado.

Defesa

Os acusados alegaram que a conversa entre Silvio Tini e Caio Galli estava baseada exclusivamente na observação sobre o spread atípico entre ações ordinárias e preferenciais da Alpargatas naquele momento, o que seria um dado público.

Silvio Tini alega que não detinha uma informação privilegiada, tendo em vista que “até a divulgação do Fato Relevante, o controlador podia simplesmente alterar a proposta da relação de troca ou simplesmente decidir não promover a migração para o Novo Mercado”.

Eles até alegaram que o investimento nas ações da Alpargatas era respaldado em relatório de análise especializado divulgado em 10 de março de 2017, pelo Itaú BBA.

Caio Galli e Júlio César também argumentaram que mantiveram suas ações ALPA3 em carteira por meses (até 2018, no caso de Júlio César, e até 2019, no caso de Caio Galli), “o que evidenciaria a ausência do requisito doloso de obtenção de vantagem ilícita para configurar a prática de insider trading”.

Veja o documento da CVM sobre o caso

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