Os juros da taxa básica de juros, conhecida como Selic, caíram um ponto percentual ontem, em decisão do Copom (Comitê de Política Monetária). A taxa Selic passa agora para 10,25% ao ano. A verdade é que o corte já era esperado pela grande maioria dos analistas e economistas, que inclusive já projetavam a queda no ranking de juros reais – agora o Brasil não é mais o líder neste bizarro quesito.
O que de fato mudará com o corte atual da Selic?
A primeira grande verdade que ficará evidente é que a economia real demorará ao menos alguns meses para notar o efeito do corte. O efeito instantâneo e mais positivo se dá pelo efeito moral e a queda no patamar dos juros cobrados no crédito ao consumidor. Juros baixos representam crédito mais barato, o que leva os consumidores as lojas e faz a economia girar. E é exatamente esta a intenção. Em suma, o consumidor terá acesso ao crédito ligeiramente mais barato, assim como as empresas.
10,25%: Menor taxa da história
A preocupação do governo em viver um período de PIB negativo a pouco mais de um ano das eleições também parece influenciar positivamente para a queda da taxa Selic, o que, de quebra, passa a impressão de um viés mais desenvolvimentista por parte dos financistas de carteirinha que formam a direção do Banco Central. Pensar o crescimento do país oferecendo condições mais baratas de transferência de capital é importante, mas a tendência precisa ser mantida.
É bem verdade que os tempos são outros se comparados ao longo dos quase sete anos desse governo; e, justamente por isso, os cortes são tidos como única saída para uma economia que tenta se manter aquecida. A figura abaixo traz um resumo da evolução da taxa Selic ao longo dos últimos anos:
Dados de desemprego também reforçam a convicção de toda a sociedade na necessidade de uma economia mais dinâmica e com juros “humanizados”. Afinal, pensar a economia voltando-se para a população é ato comum em épocas de crise e não existe nada mais desumano do que o desemprego e o mundo sem expectativas de recuperação no curto prazo.
Preocupação real com a rentabilidade dos investimentos e inflação
A taxa básica caindo faz com que os investimentos atrelados ao CDI tenham também uma perda de rentabilidade. O retorno mais baixo também será característica do Tesouro Direto. Essa queda pode representar a necessidade de modificações na caderneta de poupança, que passará nesse contexto a ser ainda mais atraente se comparada à renda fixa e fundos de investimento conservadores com taxas de administração maiores que 1%.
Juros menores também são reflexos de uma inflação controlada. A expectativa de retomada da inflação um ano atrás levou ao último grande repique de alta nos juros (veja o gráfico). Naquela época, a preocupação de que os países em desenvolvimento tinham levado mais pessoas à mesa, de certa forma diminuindo a oferta de alimentos, transformou o país em uma bomba relógio de preços altos – e ai aumentou-se de tudo: juros, commodities etc. Hoje, passado um ano, a inflação alta parece “brincadeira” perto dos problemas causados pela recessão mundial.
Próximo desafio: crescimento econômico
Com o inicio da crise, a maioria dos países buscou opções para a recessão e ao desemprego. Muitos, sem sucesso (leia-se países ricos). O revés deveu-se justamente ao grau de envolvimento de suas grandes empresas de capital, bancos e todo um sistema financeiro sem regulação e pudores.
Mesmo agindo com trilhões de dólares para oxigenar a economia, a crise se manteve e a recessão não deu trégua. Aqui, ficamos parados esperando a “marolinha” e, quando nos demos conta, fomos acordados por um tsunami de proporções históricas. Não trata-se de desmoralizar o governo, mas de pensar sua atuação.
- Por que nossas autoridades monetárias demoraram tanto tempo para tomar medidas que realmente trazem impacto real na cadeia produtiva?
- Por que mantiveram os juros básicos tão altos, e por tanto tempo?
Certamente, hoje é possível perceber que a possibilidade de crescimento negativo e o desemprego poderiam ter sido muito mais amenizados. Sem falar em um dos principais desafios para o governo, a redução do abusivo spread bancário. Mas, economia não é fácil; complicá-la, no entanto, parece ser. Decisões que parecem simples depois, nem sempre o são quando é hora de levá-las adiante. Enfim, que os juros baixos venham para ficar!
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Ricardo Pereira é educador financeiro e palestrante, trabalhou no Banco de Investimentos Credit Suisse First Boston e edita a seção de Economia do Dinheirama.
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