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Petrobras: “Eu sei o que você fez no verão passado”, diz CVM

Condenação de ex-diretor da Petrobras no caso da Sete Brasil chega em um momento da retomada das licitações de sondas da estatal

por Gustavo Kahil
3 min leitura
Ex-presidente Dilma Rousseff durante visita à Plataforma P-56 dá autógrafo no macacão do ex-presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, em 2011
Ex-presidente Dilma Rousseff durante visita à Plataforma P-56 dá autógrafo no macacão do ex-presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, em 2011
Ex-presidente Dilma Rousseff durante visita à Plataforma P-56 dá autógrafo no macacão do ex-presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, em 2011 (Imagem: Roberto Stuckert Filho/PR)

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) decidiu aplicar uma multa de R$ 255 mil a Renato de Souza Duque, ex-Diretor de Serviços da Petrobras (PETR3; PETR4), por seu envolvimento no favorecimento da contratação de sondas através da Sete Brasil, em meio a expectativas de pagamento de propina. A decisão é resultado de uma investigação aprofundada que revelou uma série de irregularidades e práticas antiéticas.

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Essa decisão serve como uma lembrança incômoda sobre o passado da estatal, em um momento no qual a Petrobras voltou a contratar sondas de perfuração de poços de petróleo e gás em terra. Uma nova licitação para quatro sondas foi aberta em 26 de abril de 2024.

À época liderada por Sergio Gabrielli, em um período em que seus “chefes” foram o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, posteriormente, a ex-presidente Dilma Rousseff, a Petrobras tinha a missão de liderar a retomada a indústria naval brasileira, o que incluia a construção de sondas de perfuração.

A Petrobras investiu diretamente na recém-criada Sete Brasil cerca de R$ 415 milhões e no FIP Sondas cerca de R$ 361 milhões. A PNBV (Petrobras Netherlands), acionista de sete SPE (Sociedades de Propósito Específico) que seriam, individualmente, proprietárias dessas unidades de exploração, investiu US$ 57 milhões.

O resultado? Nenhuma sonda foi produzida, e a Sete Brasil permanece em recuperação judicial.

Ex-diretor da Petrobras, Renato Duque depõe à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga irregularidades na estatal
Ex-diretor da Petrobras, Renato Duque depõe à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga irregularidades na estatal, em 2015 (Imagem: Gabriela Korossy – Câmara dos Deputados)

O início do processo

Em 20 de maio de 2008, a Petrobras comunicou ao mercado sua intenção de contratar 40 sondas até 2017, com prioridade para construção no Brasil. Inicialmente, 12 sondas foram contratadas no mesmo ano, sem especificação de local de construção. Essa decisão foi baseada na expectativa de um pico de demanda em 2018, conforme estudos daquela época.

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As expectativas de demanda foram revisadas anualmente, refletindo mudanças nas projeções para a exploração do pré-sal. Em 9 de abril de 2009, a Petrobras aprovou um relatório que previa um pico de demanda de 35 sondas em 2016. Esse número foi revisado para 28 sondas em 11 de fevereiro de 2010, e novamente para 33 sondas em 18 de abril de 2011.

Criação da Sete Brasil

Apesar dessas mudanças, o Projeto Sondas manteve o foco na contratação de 28 unidades a serem construídas no Brasil. Em 10 de setembro de 2009, a Diretoria da Petrobras aprovou duas modalidades de contratação: EPC (engenharia, aquisição e construção) para até nove sondas e apenas afretamento para outras 19 unidades. A Sete Brasil foi constituída em 2010 como parte da estrutura financeira para viabilizar a modalidade EPC.

Em fevereiro de 2011, a Petrobras concluiu a licitação para a construção e afretamento do primeiro lote de sete sondas. A gestão do processo foi inicialmente a cargo da Petrobras Netherlands BV (PNBV), mas foi transferida para a Sete Brasil em abril do mesmo ano. A PNBV, no entanto, manteve-se responsável pela operação das sondas desse lote.

Nova Licitação

Em abril de 2011, a Petrobras cancelou o processo de licitação para a segunda modalidade de contratação de sondas por afretamento devido aos altos preços apresentados. Em outubro de 2011, um novo processo licitatório foi aberto, com propostas da Sete Brasil e da Ocean Rig do Brasil Serviços de Petróleo Ltda.

Em 9 de fevereiro de 2012, a Diretoria da Petrobras aprovou a contratação de 26 sondas, superando o número inicialmente previsto no Projeto Sondas. Em agosto de 2012, a Diretoria autorizou a assinatura dos contratos para 21 sondas junto à Sete Brasil, que ficou responsável pela contratação de todas as 28 sondas a serem construídas no Brasil.

Problemas Financeiros

Em novembro de 2014, a Sete Brasil parou de honrar os compromissos de pagamento dos estaleiros responsáveis pela construção das sondas, levando a empresa a negociar um standstill com os credores em março de 2015. Em 2016, a Sete Brasil entrou com pedido de recuperação judicial, com o plano aprovado pelos credores em 2018. Nenhuma sonda foi produzida.

Mensagens Reveladoras

A Superintendência de Processos Sancionadores (SEP) da CVM acusou Renato Duque de violar o artigo 155 da Lei nº 6.404/1976 por favorecer a Sete Brasil em troca de propina e se manter em silêncio diante do prejuízo à Petrobras. Ele teria assegurado que os estaleiros fossem contratados por preços superiores ao de mercado.

No contexto das investigações, mensagens eletrônicas de 2011 revelaram a intenção de Renato Duque de favorecer a Sete Brasil.

Em 7 de abril de 2011, ele sugeriu ao presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, que a Sete Brasil fosse contratada diretamente para construir as 21 sondas restantes ou que uma nova licitação fosse realizada com prazo reduzido, incluindo a Sete Brasil.

“Caro [J.S.G.A.], alguns comentários para sua apreciação a respeito do processo das sondas:

1 – Finanças emitiu o DIP, abaixo anexado, onde verifica-se que as taxas apresentadas encontram-se acima da faixa estimada pelo Petrodata. (…)

2- O DIP do E&P propõe uma nova licitação, como segue: (…)

3 – Duas opções para viabilizar o atendimento da necessidade das 21 sondas de perfuração adicionais:

a) tendo em vista que as taxas foram superiores ao limite máximo da faixa da Petrodata, comunicar aos licitantes que foram desclassificados por preço excessivo e negociar com a Sete do Brasil; ou

b) considerar, simplesmente, o processo encerrado. Nesta hipótese, recomendar uma nova licitação e solicitar que o E&P retorne à D.E, dentro de quinze dias, com as propostas de alterações no Edital que possam resultar em diminuição nos valores das taxas diárias.

O prazo para recebimento das propostas desta nova licitação deveria ser o menor possível, por exemplo três meses, tendo em vista que já estamos atrasados no processo. Para tal, as empresas convidadas deveriam ser aquelas que apresentaram
propostas (quatro), com a inclusão da Sete do Brasil”

Atores políticos

Renato Duque interferiu diretamente nos processos licitatórios para viabilizar a contratação direta da Sete Brasil. Essas intervenções foram confirmadas na decisão de primeira instância, na qual Duque foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na operação Lava Jato. A condenação foi mantida em segunda instância, embora ainda haja recursos pendentes no Superior Tribunal de Justiça.

Mensagens eletrônicas de abril de 2011 detalham compromissos de Renato Duque com atores políticos para permanecer no cargo e viabilizar a contratação das sondas pela Sete Brasil. Ele confirmou que seu compromisso envolvia a arrecadação de propinas, que seriam distribuídas entre ele, subordinados e administradores da Sete Brasil, além de destinações políticas.

Para corroborar a atuação do acusado em favor da Sete Brasil, há, nessa decisão, referência a mensagem eletrônica anterior ao contato do acusado com o presidente da Petrobras, em que um executivo de empreiteira sócia de um dos estaleiros que seriam contratados para a construção das sondas, trata da intenção de Renato Duque de viabilizar a contratação da Sete Brasil, assim como de seu compromisso com determinados atores políticos para permanecer no cargo até viabilizar a contratação das sondas:

“Estive hoje Dir Duque:

1) Estão ainda concluindo processo das 19 Sondas para afretamento. As indicações são na linha de não serem contratadas (daily rates faixa 600 mil$),

2) E&P precisa declarar preços excessivos para cancelar bid.

3) Caso não ocorra, uma saída seria novo bid com participação da [Sete Brasil]. Mas acredita que esta alternativa não vai em frente

4) Uma vez vencida Etapa bid acima, itens 1 e 2, ficaria liberado o processo para contratação pela [Sete Brasil] do restante das 21 Sondas

5) Neste caso, permanece a estratégia da Pb orientar [a Sete Brasil] para negociar as 21 Sondas com a G/A,J,KF e EEP,

6 ) Mencionou q tem compromisso com [determinados atores políticos] de ficar no cargo de Diretor até solucionar a contratação destas 21 Sondas.

7) Afirmei para ele, que manifestou satisfação sobre posição do EEP de flexibilização para negociar e chegar a um acordo com a [Sete Brasil].”

Propinas

As investigações revelaram que Renato Duque recebeu propinas por meio de transferências bancárias no exterior. Três transferências para contas off-shore, totalizando aproximadamente US$ 4,4 milhões, foram registradas em 2013, apesar de Duque ter deixado a Petrobras em abril de 2012.

Renato Duque não foi o único a receber propina dos estaleiros contratados. Outros administradores da Petrobras e da Sete Brasil também estavam envolvidos. Apesar de estar ciente do esquema, Duque manteve-se em silêncio, contribuindo para o prejuízo à Petrobras.

Perdas da Petrobras

A Petrobras investiu diretamente na Sete Brasil cerca de R$ 415 milhões e no FIP Sondas cerca de R$ 361 milhões. A PNBV, acionista de sete SPE, investiu US$ 57 milhões. Nenhuma sonda foi produzida, e a Sete Brasil permanece em recuperação judicial.

Renato Duque foi citado pela CVM, mas não apresentou defesa. A multa de R$ 255 mil aplicada pela CVM reflete a gravidade das infrações e o impacto negativo das ações de Duque na Petrobras.

Veja a decisão da CVM

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