A Polícia Federal encontrou na busca e apreensão que fez na quinta-feira no escritório do ex-presidente Jair Bolsonaro na sede do PL, em Brasília, um texto apócrifo de quatro páginas com justificativas para a decretação de um Estado de Sítio no país, segundo um investigador envolvido na apuração relatou à reportagem e conforme o documento visto pela Reuters.
O texto, de quatro páginas, foi um dos achados na maior operação da PF deflagrada nesta quinta contra a tentativa de golpe de Estado, que levou à apreensão de passaporte de Bolsonaro, busca e apreensão relacionadas a quatro ex-ministros do governo anteriores e na prisão de um ex-assessor presidencial.
O investigador da PF, ouvido pela Reuters na condição de anonimato, disse que o documento encontrado é o “mais evidente” na busca em relação ao ex-presidente, mas ressaltou que ainda é preciso analisar os demais documentos apreendidos na operação desta quinta.
As primeiras páginas do texto tentam apresentar argumentos, de uma maneira sofisticada, para justificar e dar ares de legalidade à decretação do Estado de Sítio que seria anunciado no final.
O documento destaca que todo servidor público, seja ele um ministro do Supremo Tribunal Federal ou um “gari” de uma cidadezinha do interior deve atuar sempre de acordo com o “princípio da moralidade institucional”.
“Enquanto ‘guardiões da Constituição’, os ministros do Supremo Tribunal Federal, STF, também estão sujeitos ao ‘Princípio da Moralidade’, inclusive quando promovem o ativismo judicial”, afirma o documento.
O texto lista quatro atos que seriam considerados desmedido “ativismo judicial” e teriam “aparente ‘legalidade’ (desprovida de legitimidade)” na atuação de tribunais superiores.
Entre elas, normas ilegítimas de atuação de juízes suspeitos, citando o fato de que Alexandre de Moraes jamais deveria ter presidido o Tribunal Superior Eleitoral pelos supostos vínculos com o candidato a vice da chapa de Lula, Geraldo Alckmin, e que permitiriam a censura prévia.
“Afinal, diante de todo o exposto e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o Estado de Sítio; e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem”, diz o documento.
Esse mesmo trecho foi encontrado anteriormente em documento encontrado em poder do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro na Presidência, segundo relatório divulgado pela PF em junho do ano passado.
Em nota, o advogado Paulo Cunha Bueno, que defende o ex-presidente, informou que Bolsonaro desconhece o documento.
“O ex-presidente desconhece esse documento sobre Estado de Sítio, merecendo observar que o Estado de Sítio, para ser decretado, demanda a convocação e aprovação prévia do Conselho da República e do Conselho de Segurança, depois disso precisa ser aprovado no Congresso”, disse.
“Portanto, não existe Estado de Sítio como ato unilateral de um presidente, o que o torna incompatível com um golpe de Estado nos moldes como está sendo narrado hoje”, acrescentou o advogado.
Outro defensor de Bolsonaro, o ex-ministro Fabio Wajngarten, disse no X, antigo Twitter, que o padrão do documento “não condiz com as tradicionais e reconhecidas falas e frases do presidente”.
“Tal conteúdo escrito depende mandatoriamente de ação conjunta de outros Poderes”, afirmou.
“Não tem limite a vontade de tentar trazer o presidente Jair Bolsonaro para um cenário político que ele jamais concordou”, acrescentou.
Pela Constituição, o Estado de Sítio permite medidas restritivas como a suspensão do direito à liberdade de reunião.
Posteriormente, em nota, os advogados de Bolsonaro — Cunha Bueno, Wajngarten e Daniel Bettamio Tesser — afirmaram que os documentos apreendidos no escritório de Bolsonaro eram os mesmos que já haviam sido apreendidos com o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente, e que Bolsonaro detinha os documentos pois havia pedido a seus advogados que os enviassem a ele após a apreensão, já que afirmava não ter conhecimento dos mesmos.
“A defesa do ex-presidente — devidamente constituída naqueles autos — teve acesso a tais arquivos, que constituem elementos da investigação. O ex-presidente — desconhecendo o conteúdo de tais minutas — solicitou ao seu advogado criminalista, Dr. Paulo Amador da Cunha Bueno, que as encaminhasse em seu aplicativo de mensagens, para que pudesse tomar conhecimento do material dos referidos arquivos”, afirma a nota.
“A fim de facilitar a leitura do texto, o ex-presidente fez a impressão em papel do referido arquivo. A impressão provavelmente permaneceu no local da diligência de busca e apreensão havida na data de hoje (quinta-feira), que alcançou inclusive o gabinete do ex-presidente, razão porque lá foi apreendido. Trata-se, portanto, de documento que já integrava a investigação há tempos e cujo acesso foi dado ao ex-presidente por seu advogado, vez que, repita-se, desconhecia, até então, sua existência e conteúdo.”
A defesa de Bolsonaro afirmou ainda que “tal fato será comunicado imediatamente nos autos da investigação, acompanhado de ata notarial do conteúdo do celular do advogado, a fim de que não haja qualquer suposição equivocada de que o ex-presidente tinha intenções ou estaria alinhado a movimentos golpistas”.