O mercenário mais poderoso da Rússia, Yevgeny Prigozhin, estava a bordo de um avião que caiu na noite de quarta-feira ao norte de Moscou sem deixar sobreviventes, disseram autoridades russas, dois meses depois de ele ter liderado um motim fracassado contra o alto escalão do Exército russo.
Não houve comentários oficiais do Kremlin ou do Ministério da Defesa sobre Prigozhin, chefe do grupo mercenário Wagner e autodeclarado inimigo da liderança do Exército sobre o que ele argumentava ser uma condução incompetente da guerra da Rússia na Ucrânia.
No entanto, um canal do Telegram ligado ao Wagner, Gray Zone, declarou que Prigozhin foi um herói e um patriota que morreu nas mãos de pessoas não identificadas que chamou de “traidores da Rússia”.
No meio de especulações e de uma ausência de fatos verificáveis, alguns dos seus apoiadores apontaram o dedo para culpar o Estado russo; outros para a Ucrânia, que celebra o dia da sua independência na quinta-feira.
Outros que se opuseram ao presidente Vladimir Putin ou aos seus interesses também morreram em circunstâncias pouco claras ou estiveram perto da morte, incluindo líderes políticos e jornalistas.
Um prédio que abriga os escritórios do Wagner em São Petersburgo iluminava suas janelas à noite de modo a formar uma cruz gigante em sinal de respeito e luto.
A morte de Prigozhin deixaria sem liderança o Grupo Wagner, que provocou a ira do presidente russo, Vladimir Putin, em junho, ao organizar uma rebelião armada fracassada contra o alto escalão do Exército, e levantaria questões sobre as suas futuras operações na África e em outros lugares.
Independente de quem ou do que estiver por trás do acidente, a morte de Prigozhin também livraria Putin da pessoa que representou o mais sério desafio à autoridade do líder russo desde sua chegada ao poder, em 1999.
O modelo do jato executivo Embraer Legacy 600 que caiu registrou apenas um acidente em mais de 20 anos de serviço, e isso foi devido a erros da tripulação e não a falha mecânica, segundo o site International Aviation HQ.
A Embraer disse que vem cumprindo as sanções internacionais impostas à Rússia e não fornece manutenção para a aeronave desde 2019.
O avião não mostrou nenhum sinal de problema até uma queda abrupta nos últimos 30 segundos, de acordo com dados de rastreamento de voo.
Investigação
A Rosaviatsia, agência de aviação da Rússia, publicou os nomes de todas as 10 pessoas a bordo do avião, incluindo Prigozhin e o de Dmitry Utkin, seu braço direito que ajudou a fundar o grupo mercenário.
Autoridades russas disseram ter aberto uma investigação criminal para determinar o que aconteceu. Algumas fontes não identificadas disseram à mídia russa acreditar que o avião havia sido abatido por um ou mais mísseis terra-ar. A Reuters não pôde confirmar isso.
O Ministério de Situações de Emergência da Rússia disse em um comunicado que a aeronave que viajava de Moscou para São Petersburgo caiu perto da vila de Kuzhenkino, na região de Tver.
O presidente dos EUA, Joe Biden, disse: “Não sei ao certo o que aconteceu. Mas não estou surpreso… Não há muita coisa que aconteça na Rússia que Putin não esteja atrás, mas não sei o suficiente para saber a resposta.”
Abbas Gallyamov, um ex-redator de discursos de Putin que se tornou crítico e que as autoridades russas rotularam de “agente estrangeiro”, sugeriu que o líder russo, que deverá concorrer a outro mandato no próximo ano, estava por trás do acidente e teria reforçado sua autoridade no processo.
“O establishment está agora convencido de que não será possível opor-se a Putin”, escreveu Gallyamov no Telegram. “Putin é forte o suficiente e capaz de vingança.”
Bill Browder, empresário com anos de experiência na Rússia e outro crítico do Kremlin, concorda.
“Putin nunca perdoa e nunca esquece. Ele parecia um fracote humilhado com Prigozhin correndo por aí sem nenhuma preocupação no mundo (após o motim). Isso consolidará sua autoridade”, escreveu Browder no X, anteriormente conhecido como Twitter.
Segundo avião ligado a Prigozhin
Logo depois que o avião caiu, um segundo jato particular ligado a Prigozhin, que também parecia estar indo para São Petersburgo, a base de Prigozhin, voltou para Moscou, mostraram dados de rastreamento de voo, e pousou.
Prigozhin, de 62 anos, liderou um motim contra o alto escalão do Exército russo nos dias 23 e 24 de junho, que o presidente Vladimir Putin disse que poderia ter levado a Rússia para a guerra civil. Os combatentes do Wagner abateram helicópteros de ataque russos durante a revolta, matando um número não confirmado de pilotos, num movimento que enfureceu os militares russos.
Ele também passou meses criticando a forma como a Rússia conduzia a guerra na Ucrânia, algo que Moscou chama de “operação militar especial”, e tentou derrubar o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e Valery Gerasimov, o chefe do Estado-Maior.
Muitos russos se perguntavam como ele tinha conseguido passar incólume depois de fazer críticas tão descaradas.
O motim foi encerrado por negociações e por um aparente acordo do Kremlin, que viu Prigozhin concordar em se mudar para a vizinha Belarus. Mesmo assim, ele parecia circular livremente dentro da Rússia após o acordo.
Ele postou na segunda-feira um discurso em vídeo que sugeriu ter sido filmado na África e apresentado em uma cúpula Rússia-África em São Petersburgo, em julho.
Relatos não confirmados da mídia russa disseram que Prigozhin e seus associados participaram de uma reunião com autoridades do Ministério da Defesa russo.
A Reuters não pôde confirmar isso e não houve comentários imediatos do Ministério da Defesa.
O rastreador online de aeronaves Flightradar24 mostrou que o Embraer Legacy 600 (matrícula da aeronave RA-02795) que transportava Prigozhin saiu do radar às 18h11 (horário local). Um vídeo não verificado postado nas redes sociais mostrou um avião semelhante a um jato particular caindo do céu em direção à terra.
Outro vídeo não verificado mostrou os destroços do avião ainda em chamas no solo. Pelo menos um corpo estava visível. As equipes de resgate recuperaram sete corpos do local, informou a Tass.