Olá leitor! O artigo de hoje talvez contenha a parte mais esperada por muitos: o dinheiro na prática clínica, seja ele o valor de uma consulta, a forma de negociar para que não fique pouco, escasso ou represente uma injustiça ou mau negócio, entre outros.
O dinheiro, que pela má administração (e consequente falta) faz com que muitos desistam de serem profissionais liberais; o dinheiro, que, no caminho oposto, faz com que inúmeros profissionais se desenvolvam cada vez mais. Vamos falar sobre dinheiro.
Como o assunto é complexo, especialmente neste artigo lançarei mão de alguns conceitos mais acadêmicos, não estranhem.
O que é dinheiro?
Vamos começar pelo que é dinheiro, afinal, no senso comum ele tem muitos significados, contradições e representações, variando entre os indivíduos, família e sociedade.
Segundo o historiador John Weatherford, em seu livro “A História do Dinheiro”, ele (dinheiro) “permite que os seres humanos estruturem a vida de formas incrivelmente complexas que não se encontravam disponíveis antes da invenção do dinheiro […] O dinheiro representa uma forma finitamente ampliável de estruturar o valor e as relações sociais e pessoais, políticas e religiosas, bem como as comerciais e econômicas”.
Assim sendo, como em nosso trabalho podemos estruturar o uso do dinheiro de maneira a atingirmos bons resultados, tanto para nós como para nossos clientes?
Porque mesmo na dor humana também temos que entender sobre dinheiro e lidar com ele como parte importante daquela relação de cuidado. Afinal, como já diziam os papas da Psicologia Econômica Lea, Tarpy e Webley em 1987, “nós passamos boa parte de nossas vidas engajados em comportamentos econômicos”; não há como negar esta realidade que se aplica também no uso do dinheiro na prática clínica, concorda?
No livro “The new psychology of money”, versão revista e ampliada do primeiro, o “The psychology of money” , o autor Furnham abre um espaço para falar sobre pagamentos em psicoterapia: “psicoterapeutas acreditam que as crenças e comportamentos relacionados ao dinheiro não são fenômenos psíquicos isolados mas fazem parte da pessoa como um todo”; concordo totalmente com ele.
Como ensinou a pesquisadora norte americana Miriam Tatzel, cada um de nós tem o seu próprio “mundo pessoal do dinheiro” e é através dele, de sua referência ou framing, que agimos.
Você, leitor, já identificou qual é o seu mundo pessoal do dinheiro? Como ele é composto? De quais crenças, valores, modelos familiares, sociais, profissionais, experiências, traços de personalidade, idade, experiências? E como ele é responsável por suas escolhas e decisões econômicas e financeiras, principalmente em relação ao seu trabalho?
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Como definir o preço da consulta
Pergunto: de que maneira este mundo pessoal atua na forma de dar preço, cobrar, negociar com os clientes, reajustar ou aumentar o valor das sessões/ consultas? Quais os critérios que você utiliza?
Na minha profissão, o Conselho Federal de Psicologia disponibiliza em seu site uma tabela de referência de honorários para os diversos serviços, que ajudam a termos um ponto de partida para pensarmos as questões acima e precificar nossa hora de trabalho. Caso não seja meu colega psicólogo, veja seu conselho profissional disponibiliza algo assim, é útil.
Em termos mais regionais, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, no Manual de Orientações, Legislação e Recomendações para o Exercício Profissional do (a) Psicólogo (a), item III.13, parágrafo 125, posiciona-se da seguinte maneira em relação ao cobrar pelos serviços:
“O (a) psicólogo(a) considerará a justa retribuição pelos serviços prestados, estabelecendo valores de acordo com as características da atividade realizada, considerando as condições do(a) usuário(a)”.
O que entendemos por justa? A psicóloga Izabel Marazina explica: “O preço de um atendimento não é simples nem objetivo. Em grande medida, se define pela posição da/ do terapeuta no mercado de trabalho, sua formação, os anos e valores nela investidos, mas também sua inserção institucional. E esse aspecto tem marca ideológica e mercadológica”.
Como percebe, há fatores subjetivos e outros práticos que envolvem o preço de uma consulta. Os subjetivos apontei acima, os objetivos, além da tabela de referência do Conselho Federal de Psicologia, acima, apresentarei abaixo.
Para ajudá-lo a encontrar um valor para suas consultas, apresento o meu jeito de fazer isto. Ah, cabe o alerta: é um ponto de partida, não uma fórmula pronta, mágica. Funcionou para mim, eu partilho com muita gente, mas sugiro que encontre o seu modo, considerando a região onde atua e o valor de mercado praticado pela maioria dos colegas. E lembro que o bom senso ajuda muito nesta situação.
Para começar, seja realista: lembre-se de que são 12 meses no ano, períodos de férias, feriados, imprevistos nos quais você não trabalhará. Ou seja, você certamente pagará 12 meses de contas, mas nem sempre terá as mesmas entradas mês a mês.
Vamos lá! Faça a média de todas as despesas que terá em um mês, mais o valor necessário para a reserva financeira e, assim, chegará ao custo mensal e depois anual de seu consultório.
Existem despesas fixas (locação, por exemplo) e variáveis (energia elétrica), mas considere tudo como gastos fixos para ter uma boa margem de segurança financeira ao longo do ano.
A título de ilustração, irei usar o símbolo $ como representante da palavra dinheiro. Portanto, será 1 $ (um dinheiro), serão 2 $ (dois dinheiros) e assim por diante.
Por exemplo: se no início uma sublocação de sala custará mensalmente 5$, a supervisão 1$, a terapia 2$ e os gastos com livros 0,5$, mais o transporte (estacionamento, metrô, ônibus), alimentação, pagamento do GPS (Guia da Previdência Social), condomínio, IPTU, faxineira, contador, impostos, mais os 10%$ de reserva para os meses de menor movimento e feriados, você deve ter em mente que para pagar o valor fechado da somatória, 16$, precisará conseguir um determinado número de clientes, pagando um valor mínimo por hora de “tantos $s”.
Ou seja, você precisará ter uma entrada semanal de pelo menos 4$, que você, observando os preços praticados por colegas em sua região e considerando a disponibilidade horária que terão, poderá dividir em 2, 3, 4, quantas vezes acharem necessário para dar o valor à sessão/ consulta.
Assim você terá o valor mensal necessário para pagar suas despesas fixas e variáveis e ainda reserva para os meses de menor movimento.
Trazendo em números: vamos considerar que todas as demandas acima custarão um valor fictício de R$ 2.500,00 ao mês; portanto, você precisa pensar que necessitará de um número de clientes que gere receitas mínimas a partir deste valor.
Como consequência, você chegará o mais perto possível de uma referência de valor de suas consultas. Por exemplo: se você estipular R$ 100,00 a consulta semanal, que ao final do mês dará R$ 400,00 por cliente, precisará de pelo menos 6 clientes pagando esse valor para manter o consultório, isto sem considerarmos os gastos pessoais.
Eu opto por começar os cálculos apenas pelas despesas do consultório, considerando que, inicialmente, como teremos feito um bom planejamento financeiro não precisaremos dele para viver, mas muitos colegas já incluem também as despesas pessoais. Fica a critério de cada um, basta inserir os valores.
Mas, pense que se fizer um “enquadre” ou contrato com o cliente que leve em conta não cobrar faltas avisadas com 24 horas, além das doenças, emergências e feriados, considere a possibilidade de pelo menos 8 clientes. Assim, reforço, você terá uma margem de segurança financeira para eventualidades, incluindo as boas, como um curso imperdível.
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Como comunicar o preço ao cliente
E para que tudo isto seja eficiente, há outro aspecto a ser considerado: o saber cobrar/ falar o preço para seus clientes.
Não basta ter o preço da sessão/consulta bem estipulado se no momento de falar para seus clientes você não for firme, não souber negociar e, mais ainda, não entender o que diz aquele pedido por menor valor ou forma diferente de pagamento.
Lembre-se de que você possui contas a pagar e objetivos a serem atingidos. Tenha clareza da porcentagem possível de desconto a ser dada quando seus clientes pedirem.
Sim, em época de crise, negociar faz parte do dia a dia da maioria das pessoas, incluindo aquelas que buscam serviços na área de saúde, como psicoterapia.
Aprenda a multiplicar os descontos por 4 (4 semanas no mês) e por 12 (12 meses no ano). Já ouvi colegas dizerem: “Eu dei um desconto de R$ 25,00 na sessão”. Ótimo! Foi possível, viável? Parabéns!
Você deixou de ter uma entrada de R$ 100,00 ao mês que ao final do ano serão R$ 1200,00; se tudo bem para você, se isso não impactou seu planejamento financeiro, nada contra, mas tem que ser pensado! Deu pra entender?
Eu mesmo negocio, tanto com minha psicoterapeuta quanto com meus clientes e desde que cheguemos num valor que seja bom para os dois lados, fechado!
Aprendi a não dar desconto ou fechar um preço quando eu me sentir desconfortável. E vale aqui entender o que aquele pedido do cliente quer nos mostrar, se é um jeito de querer nos controlar, se mostrar superior a nós ou se de fato não pode mesmo pagar, entre tantas dinâmicas possíveis. Daí a importância do “feeling” e conhecimento, ok?
Outra coisa: lembre-se de que escrevi uma vez que escolhas feitas sobre necessidades possuem mais chances de fracasso que aquelas feitas baseadas em nossos valores? Pois então, isso vale aqui também.
Conclusão
No começo da carreira e do consultório, precisamos e queremos muito atender, e facilmente aceitaremos clientes que nos pagarão pouco (“é melhor pingar que secar”), casos que nem sempre teremos condições técnicas e psicológicas para atender (escreverei sobre isto nos próximos artigos), entre outros. Sugiro uma reflexão, pois no médio e às vezes já no curto prazo, vocês chegarão à conclusão de que não valeu muito a pena.
Lembre-se também do Código de Ética, que nos dá boas referências de condutas e possibilidades de atuação. Então, sugiro um pouco de paciência e boa dose de autoconhecimento, o que ajudará você a não entrar em situações desgastantes, desnecessárias.
No próximo, artigo, a segunda parte deste especial sobre dinheiro para o profissional autônomo, falarei mais sobre como cobrar os atendimentos nos casos de faltas, reajustes, aumento do valor das sessões/consultas, bem como as várias formas de pagamentos. Até lá!
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Referências bibliográficas:
- LEA, S.E.G.; TARPY, R.M.; WEBLEY, P. The individual in the economy. Cambridge: Cambridge University Press, 1987. 627p.
- TATZEL, M. “Money words” and well being: An integration of money dispositions, materialism and price-related behavior. Journal of Economic Psychology, 23, p.103-126, 2002.
- MARAZINA, I. Artigo “Muito além da mera informalidade”, In: PSI . Revista do Conselho Regional de Psicologia SP, n. 179, junho, julho e agosto, 2014. P. 28-29.
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