O autor do atentado ao STF na noite desta quarta-feira (13), Francisco Wanderley Luiz, conhecido como Tio França, de Rio do Sul (SC), reproduzia em seu perfil no Facebook teorias conspiratórias anticomunistas como o QAnon, populares na extrema-direita americana.
O homem foi candidato pelo Partido Liberal (PL) ao cargo de vereador do município de Rio do Sul em 2020. O autor do ataque visitou, meses antes, o STF, e tirou uma selfie no plenário da Corte. “Deixaram a raposa entrar no galinheiro”, comentou. A ida foi no dia 24 de agosto.
Ele publicou um manifesto antes do atentado no entorno do STF e do Congresso Nacional, com ataques ao Supremo, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O que é o QAnon?
A teoria conspiratória QAnon emergiu como uma das mais influentes e controversas narrativas conspiratórias nos Estados Unidos nos últimos anos. Nasceu de postagens anônimas em fóruns da internet e gradualmente evoluiu para um movimento de alcance global, envolvendo milhões de seguidores e impactando o cenário político e social norte-americano. Com promessas de revelar segredos e expor o que consideram uma rede de corrupção e crimes ocultos, QAnon mistura uma série de teorias que, embora sem evidências, conseguiram mobilizar um grande número de pessoas.
A teoria surgiu em outubro de 2017 no fórum anônimo 4chan, onde um usuário com o codinome “Q” começou a publicar mensagens conhecidas como “drops” ou “breadcrumbs” (migalhas). Esse nome faz referência a uma autorização de segurança de nível “Q clearance”, que se aplica a quem tem acesso a informações confidenciais do governo dos Estados Unidos.
“Q” alegava ser uma pessoa próxima ao governo, com acesso a segredos altamente restritos, e sugeria que estava liderando uma batalha secreta contra uma cabala global de pedófilos e satanistas que supostamente operavam nas altas esferas de poder, incluindo políticos, empresários e celebridades.
Uma das premissas centrais de QAnon é a ideia de que Donald Trump foi eleito presidente para liderar essa luta oculta contra as elites corruptas.
De acordo com a teoria, Trump estaria em parceria com autoridades militares para desmantelar uma rede internacional de tráfico de crianças e pôr fim a uma cabala de líderes mundiais que controlariam a mídia, a economia e o sistema político global. O movimento ganhou rapidamente adeptos, principalmente entre os apoiadores mais fervorosos de Trump, mas também entre pessoas que já tinham inclinações conspiratórias, atraídas pela promessa de “descobrir a verdade”.
Seguidores
Ao longo dos anos, QAnon passou do 4chan para outros fóruns, como o 8chan e depois o 8kun, onde continuaram a publicar mensagens codificadas e referências vagas, conhecidas como “Q-drops”. Esses posts incentivavam seguidores a interpretar e compartilhar informações, gerando uma rede de disseminação nas redes sociais, especialmente no Twitter, Facebook e YouTube. As plataformas de redes sociais foram essenciais para o crescimento da teoria, permitindo que seguidores se conectassem, compartilhando conteúdos e teorias.
Os seguidores de QAnon adotaram o movimento como uma missão de “salvamento nacional”. A ideia de que estavam desvendando segredos obscuros os levou a criar comunidades dedicadas a interpretar os “Q-drops” e a promover teorias que acusavam figuras públicas de envolvimento em tramas macabras.
Em muitos casos, QAnon também se conectou a outros movimentos conspiratórios, como os anti-vacinas e teorias relacionadas à COVID-19. O movimento se expandiu internacionalmente, com seguidores em países como Reino Unido, Alemanha e Brasil, que adaptaram a narrativa QAnon a suas próprias realidades políticas.
Análises
QAnon tem sido analisado por diversos pesquisadores e jornalistas que buscam entender as raízes e o impacto desse movimento na sociedade. Um dos livros mais notáveis sobre o tema é QAnon and On: A Short and Shocking History of Internet Conspiracy Cults, de Van Badham. Badham explora as conexões entre QAnon e as dinâmicas das redes sociais, demonstrando como a internet pode amplificar teorias conspiratórias. O livro também examina a psicologia por trás da atração das pessoas por teorias que oferecem respostas simplistas para problemas complexos.
Outro autor que explora o tema é Mike Rothschild, que escreveu The Storm is Upon Us: How QAnon Became a Movement, Cult, and Conspiracy Theory of Everything. Rothschild oferece uma visão detalhada da evolução de QAnon, desde seus primeiros posts no 4chan até seu impacto na política e na cultura americana. Ele também analisa como os seguidores de QAnon acreditam em previsões repetidamente frustradas e como isso reforça, ao invés de desmotivar, suas crenças, criando uma estrutura de pensamento semelhante à de cultos religiosos.
Ademais, a pesquisadora e professora Sophia Moskalenko, especialista em psicologia das conspirações, também discutiu como o QAnon atrai pessoas que buscam uma sensação de pertencimento e propósito. Em parceria com o Dr. Michael J. Wood, ela escreveu sobre o impacto psicológico das conspirações e como movimentos como QAnon exploram as vulnerabilidades emocionais de seus seguidores, especialmente em tempos de incerteza e crise.
Influência
O movimento QAnon foi além das discussões online, influenciando diretamente eventos e comportamentos do mundo real. Em 6 de janeiro de 2021, durante a invasão do Capitólio dos Estados Unidos, muitos participantes eram seguidores de QAnon, convencidos de que estavam protegendo o país contra uma tomada de poder corrupta. Esse evento demonstrou o potencial do movimento para inspirar violência e atitudes extremas, reforçando a atenção das autoridades e da mídia sobre os perigos associados às teorias de conspiração.
Além disso, alguns candidatos ao Congresso dos Estados Unidos apoiaram abertamente QAnon e foram eleitos para o Congresso, o que mostra a penetração do movimento na esfera política. Esse fato preocupou especialistas, que argumentam que a normalização de QAnon e de suas teorias pode ter consequências prejudiciais para a democracia. Eles temem que teorias como essas corroam a confiança pública nas instituições e nos processos eleitorais.
Redes sociais
Com o crescimento de QAnon, plataformas de redes sociais como Facebook, Twitter e YouTube implementaram medidas para conter a disseminação do movimento, banindo contas e bloqueando hashtags relacionadas. Essas ações foram uma tentativa de frear a influência de QAnon, mas, em muitos casos, os seguidores migraram para outras plataformas, como Parler e Gab, que permitem uma maior liberdade de expressão e têm menos restrições sobre conteúdo conspiratório.
Essas ações, no entanto, não foram suficientes para erradicar QAnon. A natureza descentralizada do movimento e o apoio incondicional de alguns de seus seguidores tornaram quase impossível a contenção total da teoria conspiratória. A internet proporcionou um ambiente fértil para a propagação de QAnon, com algoritmos que frequentemente promovem conteúdo de teorias conspiratórias, criando uma “bolha de confirmação” que reforça as crenças dos seguidores.