Investigadores e especialistas de EUA e Azerbaijão passaram a se concentrar ontem na possibilidade de um míssil do sistema de defesa aérea da Rússia ter atingido o avião da Azerbaijan Airlines, que caiu no Casaquistão no dia de Natal, matando 38. Rússia e Casaquistão tentaram minimizar as especulações. Assim como o Azerbaijão, eles conduzem investigações criminais, que terão apoio do Brasil, já que o avião foi fabricado pela Embraer (EMBR3).
“A Rússia inicialmente culpou um bando de pássaros, mas esses “pássaros”, ao que parece, podem ter sido defesas aéreas destinadas a conter ataques de drones ucranianos. Moscou evidentemente falhou em fechar o espaço aéreo coberto pelos sistemas, que travaram no avião azerbaijano”, analisa a consultoria GZERO, divisão da Eurasia Group, em um relatório enviado a clientes nesta sexta-feira (27).
A aeronave precisou fazer um pouso de emergência a cerca de 434 quilômetros de seu destino inicial. O avião partiu da capital do Azerbaijão, Baku, e seguia para Grozny, na Rússia. No entanto, o acidente ocorreu perto de Aktau, no Casaquistão, do outro lado do Mar Cáspio. A Embraer afirmou ter enviado uma equipe de especialistas ao local para prestar assistência técnica na investigação.
Segundo os especialistas, as imagens do local do acidente mostram buracos na fuselagem do avião que dificilmente teriam sido causados por pássaros. Agências de notícias russas também chegaram a atribuir a queda a problemas com neblina, o que também não explicaria os danos citados.
A aeronave voava no momento em que ataques de drones ocorriam ao redor de Grozny e os sistemas de defesa aérea russos estavam respondendo, de acordo com relatos da mídia local. A aeronave foi obrigada a desviar a rota. Havia 62 passageiros e 5 tripulantes a bordo.
O canal do Telegram Fighterbomber, que se acredita ser comandado por Ilya Tumanov, um capitão do exército russo, divulgou um clipe que parecia mostrar buracos nos destroços do avião, que alguns sugeriram assemelhar-se ao tipo de dano causado por bombardeio ou explosão com estilhaços. O Fighterbomber disse que era improvável que os buracos fossem causados por uma colisão com pássaros, revela o Guardian.
Voo da Malaysian Air
Conforme lembra a GZERO, este tipo de postura já aconteceu antes.
“Este ano marcou uma década desde que separatistas apoiados pela Rússia no leste da Ucrânia abateram o voo MH17 da Malaysian Air, matando todas as 298 pessoas a bordo, a maioria delas da Holanda. Moscou nunca admitiu culpa ou enfrentou a justiça por isso”, aponta a consultoria.
Há dez anos, o voo 17 da Malaysia Airlines foi abatido sobre o leste da Ucrânia, em território controlado por forças russas e lideradas pela Rússia, tirando a vida de 298 pessoas, incluindo 80 crianças.
Segundo o Departamento de Estado dos Estados Unidos, uma “Equipe de Investigação Conjunta” descobriu em 2018 que a aeronave foi abatida por um míssil terra-ar BUK de fabricação russa disparado daquele território, e que o lançador de mísseis usado para abater o MH17 era originário da 53ª Brigada Antiaérea da Federação Russa, estacionada em Kursk, Rússia.
Inquérito
Segundo o jornal britânico Guardian, no mesmo dia do acidente houve especulação na mídia russa de que o avião poderia ter sido abatido pelo sistema antimísseis russo. Ontem, funcionários da inteligência americana, que falaram sob condição de anonimato, afirmaram que indicações preliminares mostravam que o avião foi abatido por um sistema antiaéreo russo, muito provavelmente por um míssil terra-ar, em um ato de imprudência, não ação deliberada, segundo o New York Times.
Dois azerbaijanos, com conhecimento do inquérito do governo, disseram à agência Reuters que autoridades do país e investigadores do caso acreditam que um sistema de defesa russo Pantsir-S danificou o avião. As fontes também falaram sob condição de anonimato.
O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, criticou as especulações sobre as causas do incidente antes da conclusão do inquérito. O presidente do Senado do Casaquistão, Mäulen Äimbaev, também enfatizou que a causa ainda era desconhecida, indicando que nenhum dos países envolvidos tinham “interesse em ocultar informações”. O governo do Casaquistão tem uma relação amistosa com Moscou de Vladimir Putin.
Falando em uma entrevista coletiva no dia do acidente, o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, disse que era muito cedo para especular sobre as razões por trás do acidente e chegou a citar as condições climáticas como causa.
Os comentários foram feitos logo depois que o membro do governo ucraniano Andri Kovalenko afirmou no X que a aeronave havia sido “abatida por um sistema de defesa aérea russo”. Ele citou imagens de dentro do avião que mostravam “coletes salva-vidas furados”.
Região sob ataque
O Flightradar24, um serviço de rastreamento de voos, informou que o jato Embraer 190 foi submetido a interferência de radar e falsificação de dados de GPS perto de Grozny, e durante parte de sua rota não enviou informações.
Segundo os dados disponíveis, o avião teve problemas com o controle de altitude, e o serviço citou imagens do local do acidente que mostrariam “danos por perfuração” em parte da aeronave.
Interferências de radar podem ocorrer em regiões de conflito intenso, especialmente envolvendo drones.
A área ao redor de Grozny tem sido cenário de batalhas aéreas nas últimas semanas com drones, geralmente lançados pela Ucrânia, e mísseis disparados pelos russos. Uma autoridade na Chechênia disse que outro ataque de drones na região foi repelido naquele dia, embora autoridades federais não o tenham relatado.
A Osprey Flight Solutions, uma empresa de segurança de aviação, disse em uma nota aos seus clientes que o avião provavelmente foi atingido por disparos da defesa aérea russa “durante um incidente de identificação incorreta”.
Brasil
A Força Aérea Brasileira (FAB) afirmou ontem ter enviado três investigadores do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) para oferecer suporte técnico à investigação. A colaboração do país fabricante da aeronave faz parte dos protocolos do Anexo 13 da Convenção sobre Aviação Civil Internacional, do qual Brasil e Casaquistão são signatários.
(Com Estadão Conteúdo)