Benilton comenta: “Eu estou sentindo na pele como consumir de forma consciente, sem exageros e apenas o necessário faz diferença tanto no bolso como na maneira de encarar a vida, mas tenho uma duvida: se todos os consumidores consumirem conscientemente, não se corre o risco de a economia dar uma desacelerada? Menos demanda implicaria em menor produção, podendo afetar também o nível de emprego. Por favor, me esclareça isto, pois não compreendi ainda esta associação entre consumo consciente e desenvolvimento. Obrigado”.
Tenho certeza que essa é a dúvida de muitas pessoas. Afinal, tudo o que ouvimos em relação a crescimento e desenvolvimento no contexto atual está associado ao incentivo do aumento no consumo. Mas, para discutir a questão, cabe relembrar três pontos:
- Em primeiro lugar, a questão da consciência. Estar consciente nada mais é do que estar atento, o tempo todo, ao que fazemos. Isso significa desligar o piloto automático e manter o foco no momento presente. Adotar as premissas do consumo consciente é se manter atento às escolhas de consumo, procurando sempre compreender como elas impactam no meio em que vivemos. É buscar sempre as opções mais social e ambientalmente responsáveis;
- Em segundo lugar, não podemos confundir consumo com consumismo. O ato de consumir é inerente ao fato de estarmos vivos. Precisamos de diversos itens para viver e só os obtemos através do consumo de recursos. Já o consumismo é suprir necessidades e desejos intangíveis através da aquisição de itens tangíveis;
- Por fim, mas não menos importante, o consumo consciente não deve ser encarado como algo negativo sob o aspecto econômico. O ato de consumir vai existir sempre. O que muda é forma como o percebemos.
Na atual situação, o consumo aparece tanto como mocinho quanto vilão. Enquanto ele cresce, tudo funciona bem. Aumenta o nível de emprego e renda, melhora o acesso a alguns bens, aumentam os investimentos, cresce a oferta e acesso ao crédito etc. Ou seja: tudo na nossa economia cresce.
Mas quando acontece algum evento que desestimula o consumo, pronto! A espiral toma o caminho inverso e passa a haver diminuição da atividade econômica, com os respectivos reflexos em emprego, renda, endividamento etc. E, como temos acompanhado, a tempestade e a bonança se alternam regularmente no que tange à questão econômica.
Além disso, nem sempre o consumo que é bom para a economia agora será positivo sempre. Ao se estimular o consumo, também se estimula a exploração de recursos naturais. E como estes são recursos finitos – ou necessitam de muito tempo para se formar – em algum momento enfrentaremos sua escassez.
Mesmo diante de uma situação tão séria, não observamos ações significativas em busca de uma solução. Embora existam limites para o nosso crescimento, porque evitamos tanto a questão? Uma das respostas pode estar associada ao que discuti no artigo “Sobre sacrifícios e limites: a dor é opcional, já o sofrimento…”.
Creio que a razão para isso também está na busca pela satisfação imediata dos desejos, que não considera seu impacto nos dias vindouros (qualquer semelhança com problemas de finanças pessoais não é mera coincidência!).
No ensaio “A Tragédia dos Comuns”, de Garrett Hardin, publicado na revista Science em 1968, é possível ter uma clara noção de como a busca egoísta por benefícios pode colocar todo um sistema a perder. O caso hipotético apresenta uma área de terra capaz de comportar todo o ciclo de vida de mil ovelhas. A propriedade é de uso comum a 10 pastores, que concordaram em colocar no máximo 100 ovelhas cada um, de forma a manter a terra produtiva.
Mas, motivados pelo lucro adicional, cada pastor foi ultrapassando a sua cota de ovelhas ao longo do tempo. No final, embora tenham lucrado mais com essas ovelhas adicionais, a degradação da terra, a falta de alimentação e a proliferação de doenças acabaram com todo o rebanho.
A idéia proposta pelo exemplo é simples: se existisse o respeito pelos limites naturais, a produção teria se mantido por tempo indeterminado. Mas, a partir do momento em que se explora além da capacidade de resiliência da terra, em algum momento perde-se tudo o que foi investido. É apenas uma questão de tempo.
Outro ponto: quando o espaço é de todos, também é de ninguém. Ou seja, não aceitamos que se jogue entulho no nosso quintal, mas podemos ser condescendentes com quem joga em propriedade pública. Afinal, o espaço é de todos, não é?
Voltando para a questão do consumo, precisamos tomar cuidado em lembrar que o ambiente comum é responsabilidade de todos. Por isso, nem sempre o crescimento econômico será positivo para a “aldeia global”. Se existe abuso no consumo, como acontece hoje nos países desenvolvidos, alguém vai pagar a conta. Não existe outra equação.
Depois de apresentar argumentos e opiniões polêmicas, finalmente arrisco-me a responder à dúvida proposta pelo leitor. Consumir de forma consciente muda o mundo, os mercados, as empresas, o governo, ou seja, todos aqueles que dependem dos recursos financeiros de cada consumidor. Assim, criado por um novo tipo de consumidor, forma-se um novo mercado, que igualmente necessita de um novo tipo de produção, um novo tipo de trabalho e um novo tipo de pessoas.
Diferentemente do modelo exploratório atual, um modelo econômico para consumidores conscientes deve privilegiar o respeito aos limites naturais, além de investir na qualidade de vida e educação dos povos, dar preferência a arte e cultura regionais, abolir a produção massiva de qualquer coisa, revisar a idéia de conforto, evoluir o conceito de sucesso pessoal e valorizar a comunhão de pessoas com interesses no bem comum.
Por essa razão, desenvolver uma consciência global é fundamental para mostrar como nossas escolhas impactam no ambiente e que, apesar de vivermos em lugares diferentes, somos cidadãos de um único Planeta. Que tal partirmos deste ponto para uma discussão mais abrangente? O que você acha disso tudo? Deixe seu comentário.
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