Patrícia comenta: “Navarro, esses dias tive uma conversa daquelas com uma amiga em torno da definição de riqueza. Ela insistia na dimensão material do termo, abordando as histórias de gente milionária, com carros, mansões e eu preferi o olhar mais humano, da pessoa livre e capaz de realizar seus sonhos de forma sustentável. Gostaria de saber sua opinião sobre tudo isso. Obrigada”.
Dinheiro é bom e todo mundo gosta! Qualquer conversa sobre finanças pessoais e investimentos que se preze precisa começar com a abordagem real dos fatos: lidamos com dinheiro todos os dias, ele é importante para nossos planos e representa a única maneira possível de uma costureira trocar seu trabalho por um pão sem ter que costurar a roupa do padeiro, como gosta de dizer Alexandre Versignassi (livro “Crash”).
Logo, dinheiro é parte integrante de nossas responsabilidades cotidianas, assim como é a higiene, a alimentação, o cuidado com a saúde, o trabalho em si e muitas outras coisas. Ora, será que negligenciamos essa questão? Pois é, a partir desse ponto a conversa começa a ficar mais interessante.
Por que relutamos em dar a merecida atenção ao dinheiro?
Simplesmente porque é fácil esconder uma situação financeira em frangalhos. É impossível olhar para alguém e dizer “Você está endividado!”. O assunto é gerenciado de uma forma muito pessoal e amparado em justificativas e desculpas capazes de tornar o “fundo do poço” aparentemente raso e inofensivo. Tratei disso no artigo “A vitimização como falso pilar de felicidade”, publicado na semana passada.
Some ao fator “eu sei o que estou fazendo” (não sabe, coisa nenhuma!) a falta de diálogo entre as famílias, o grande apelo de ascensão social trazido pelo consumo e as expectativas externas (pressão familiar, social e no trabalho) e temos um resultado triste: o dinheiro como um fim para manter uma posição artificial (status), não para garantir qualidade de vida e independência.
Aparece o conceito de liberdade…
Há muita gente se dizendo livre e capaz de fazer o que quiser de sua vida. Será mesmo? Ao menor sinal de emergência, como o desemprego ou um problema de saúde, é uma correria até o banco ou financeira para conseguir mais empréstimo, mais prazo e melhores condições de pagar as dívidas já contraídas.
A liberdade não diz respeito a ter e fazer o que bem entender de sua vida, mas de criar as condições ideais para que seu padrão de vida seja capaz de levá-lo na direção de seus sonhos e objetivos. E viver assim significa aprender a adiar o consumo (que muitas vezes representa o conforto) para criar patrimônio capaz de prover o desejável conforto (agora sim!) por mais tempo.
Então é preciso recuperar o significado?
Imagine aquele jovem que trabalha desde cedo, que deseja poder estudar e ter uma profissão. Ele também quer ter uma família, poder trabalhar na área em que pretende estudar e assim melhorar o atual padrão de vida que possui. Olhe pela janela e contemple quantos brasileiros correspondem a esse perfil. São muitos!
E suponha que esse jovem passe apenas a responder aos estímulos externos, aos convites de seus “amigos” e aos chamados do consumo como ferramenta de inclusão social. Ele consegue um emprego como office-boy ou estagiário, mas gasta muito mais do que recebe porque tem que andar “na moda”, com um celular de última geração e etc.
Com dívidas cada vez maiores, todo seu salário serve apenas para pagar o que ele já nem quer mais. Ele então é obrigado a trabalhar mais ou buscar posições com salários maiores. Não vai além porque quer ir além, mas faz qualquer coisa para manter e cultivar a imagem que ele projetou de si próprio – que não é a sua, a verdadeira. Qualquer coisa é muito diferente do que sonhamos e realmente desejamos.
Pergunta: seu sonho ficou fraco diante da imposição social? Ao abrir mão do significado que seu objetivo deveria ter, ele simplesmente disse a si mesmo que o esforço para chegar lá seria inútil – e que, assim, o melhor mesmo é viver o presente e passar a odiar e falar mal de quem vem com esse papo de poupar, sonhar e investir. A minha orelha já está queimando só de escrever isso.
Riqueza pode ser o que você quiser, inclusive nada.
Repare que não toquei na palavra “riqueza” até agora. De propósito, preferi ilustrar nosso processo de tomada de decisões através da ótica cotidiana, das atitudes e consequências que vivemos ao tratar o dinheiro como uma mera formalidade, um item qualquer diante da caótica e difícil arte de viver. Ele é muito mais que isso.
A riqueza, acredito, não está no quanto acumulamos ao longo de uma vida, mas em como desfrutamos da jornada que decidimos viver. Logo, riqueza não deveria ser sinônimo de quanto dinheiro temos, mas de como nosso patrimônio permite que possamos viver e se essa realidade nos permite realizar pequenos e grandes objetivos.
Lembre-se do exemplo do jovem que abriu mão de seus sonhos (mesmo ele dizendo que não) para viver a vida dos outros. Como discutir o que é ou não é riqueza com alguém que deixa de lado o próprio bem-estar para simplesmente emular o modelo de riqueza dos outros?
Se aceitar a importância do dinheiro é fundamental para iniciar uma conversa sobre finanças, terminá-la sem que sonhos, objetivos e significados sejam devidamente relacionados ao conceito de riqueza é simplesmente manter as coisas como elas estão: sem sentido. E para alguém sem sentido, discutir tudo isso é bobagem – e nada acontece.
Gostaria muito de receber o feedback de vocês, leitores, sobre a questão. Usem o espaço de comentários abaixo, sigam-me no Twitter – @Navarro – e também o Facebook – www.facebook.com/dinheirama – para deixarem a opinião de vocês. Concordam? Conhecem gente que ainda está deixando de lado o que realmente importa? Eu também. E agora?