Quem não quer comprar logo seu primeiro carro zero ou mudar-se para a casa própria, deixando de pagar de aluguel? Quem não quer comprar aquele relaxante apartamento na praia ou realizar uma longa e charmosa viagem pela Europa? Quem não quer trocar todo o guarda roupa e comprar novos pares de tênis?
Alguém sábio já disse que “os sonhos existem para tornar-se realidade”.
Crescemos ouvindo esta frase e fazemos questão de repeti-la sempre que esbarramos em alguém que sonha “alto demais”. Os sonhos são parte fundamental da construção de uma família completa, rica em diversos sentidos e com algum significado. Sonhar ajuda a definir objetivos e a encontrar motivação e disciplina para respeitá-los até que sejam alcançados e renovados.
Tudo certo, não fossem as rápidas mudanças presentes no tecnológico século XXI. Século marcado pela ansiedade em níveis perigosos, cujas causas podem ser a simples espera, de alguns segundos, até que uma página de Internet se abra ou a necessidade de aguardar até que as condições financeiras da família estejam mais compatíveis com a compra do que se quer ter.
A verdade é que estamos, em geral, ficando muito menos pacientes e lidando de forma cada vez mais infantil (e perigosa) com a frustração.
A situação piora quando somos ansiosos demais e, ao mesmo tempo, temos dinheiro na mão.
Entra em cena o crédito, o dinheiro emprestado. O crédito fácil, devo completar. Basta ficar alguns minutos caminhando pelas ruas para ser abordado por algum panfleteiro devidamente uniformizado – com dizeres “Dinheiro na mão” na camiseta – e que oferece facilidades incríveis detalhadas no pequeno papel entregue.
Impossível não ouvir as mensagens proferidas pelos incômodos carros de som: “Crédito rápido, sem burocracia, juros baixos e pagamento facilitado. O jeito mais fácil de atingir seus sonhos”. Consignado, empréstimo pessoal, parcelamento excessivo, rotativo, cheque especial, são muitas as alternativas. Quem realmente pesquisa suas características antes de contratá-las? Poucos, bem poucos.
Por que é que poucos chegam tão longe?
Parece que alcançar sonhos e objetivos está muito mais fácil. Será? Márcia Tolloti, autora do excelente livro “As Armadilhas do Consumo” (Ed. Campus) constata que o endividamento excessivo vem em decorrência do excesso de expectativa (desejos de satisfação em alta) aliado ao pouco caso que fazemos do planejamento (incapacidade de encarar a frustração). Bingo!
Ora, realizar um sonho não é tarefa que mereça pouca atenção. Sonhos precisam ser construídos, trabalhados e associados ao legado que a família deseja oferecer aos seus entes queridos. Ouvir “nãos”, dar com “a cara na parede”, superar crises, tudo isso faz parte. Quem disse que tem que ser fácil realizar grandes sonhos? Isso explica porque apenas parte da população realmente se destaca.
Já é hora de abrirmos espaço para palavras como coerência, bom senso, planejamento e, ao agir de forma compatível, depender menos do dinheiro dos outros e mais de nossa própria disciplina.
Ingênuos aqueles que pensam que sonhar não custa nada. Para este grupo, cujos bens materiais servem apenas como fator de diferenciação social e status, sonhar é sempre sinônimo de um futuro repleto de pesadelos, carnês e uma vida sem liberdade – embora isso não seja admitido.
A hipocrisia cria falsos exemplos de sucesso
O que se percebe, na prática, é algo bem diferente do discurso. A percepção engana e cria o tão movimentado mercado da ostentação. Percebo que o dinheiro fácil (crédito usado de forma inconsciente) usado para sustentar “sonhos” cria uma distância cada vez maior entre o verdadeiro estilo de vida de uma família e a imagem que ela tenta passar.
Antes que apareçam as usuais críticas em relação ao consumo, afirmo: consumir é importante para todos (economia, cidadão, trabalhador, governo, nação etc.). Certo, mas parece que estamos levando muito “a sério” essa relação. Quando tudo é fácil demais, sonhar fica sem graça, fora de moda.
Soam patéticos os exemplos que citei no início do texto. Carro zero, imóvel, viagem dos sonhos? Roupas da moda, celular ultramoderno? Há ainda quem realmente sonhe com isso?
Um pouco de coragem e muitas justificativas tolas bastam para abrir a porta de casa para o desejado produto o longo carnê associado à sua compra. Simples. Sonho, que sonho?
Que dias são esses em que os sonhos não geram esforço, dedicação, necessidade de superação e aprendizado? Em que realidade viveremos se não mais sonharmos, já que os “sonhos existem para tornar-se realidade”?
No final apenas o trabalho e o planejamento consistente são capazes de propiciar a realização de sonhos, o resto é sempre o resto.
Prefiro continuar sonhando e, com paciência e determinação, aprender sempre a atingir níveis melhores… E você?