Diogo comenta: “Ricardo, a recessão bate na porta dos Estados Unidos faz muito tempo. O que antes era negado, hoje ja é quase uma unanimidade. É só uma questão de (pouco) tempo. Os investidores começam a diversificar (ex: ouro em alta) e as bolsas começam a sentir o efeito. Na sua opinião vale a pena entrar no mercado de ações agora ou é melhor esperar a bomba estourar e tentar entrar na baixa? E para os que já estão lá? É hora de vender e diversificar em investimentos mais seguros? Muito Obrigado.”
Diogo, obrigado pela visita. Na primeira parte do artigo abordamos os aspectos mais técnicos da crise, as opiniões do mercado e o efeito devastador vivido pelos grandes bancos norte-americanos (usamos o exemplo do Citi). Hoje é dia de falarmos sobre os aspectos diretos e indiretos que influenciam a economia mundial e, consequentemente, o bolso e a vida de milhões de pessoas. A idéia é abordar aspectos práticos da crise, discorrendo sobre as mudanças em indicadores, mercados e vida pessoal. Vamos lá?
Inflação
A inflação, variável que pode brecar a queda nas taxas de juros dos EUA, é um ingrediente a mais a ser considerado no cenário de crise. Sabemos que sem queda nas taxas básicas de juros ficará praticamente impossível um aquecimento mais elevado na economia. O Departamento do Trabalho dos EUA divulgou que o Indice de Preços do Atacado, o PPI, teve a maior variação desde 1981, com alta de 6,3% em 2007.
Efeitos no país e no seu bolso
O temor da crise, mais cedo ou mais tarde, chegará ao Brasil. Claro, não poderia ser diferente. No entanto, vemos opiniões de analistas e profissionais do mercado que desenham uma expectativa de pouco estardalhaço. Há consenso sobre nossa maior resiliência, muito embora o capital estrangeiro faça enorme diferença no âmbito do desenvolvimento industrial e de produtividade.
Os primeiros sinais já são sentidos no Ibovespa, indicador que reflete os preços das ações mais negociadas, que registra forte queda durante a semana. O pregão de ontem foi marcado por uma fuga de US$ 1,9 bilhões, quase metade de todo o dinheiro que saiu em 2007. Não se sabe ao certo a extensão da correção, mas o ministro da Fazenda Guido Mantega diz estar prestando muita atenção.
O dólar apresenta uma considerável valorização, perto de 1%, devido à fuga de capital pela crise. O impacto do aumento do dólar pode ser decisivo nas próximas reuniões do COPOM (Comitê de Política Monetária). Na economia moderna, o dólar alto exerce pressão inflacionária, aumentando as chances de picos de inflação. Se a expectativa do mercado era pela manutenção da taxa Selic, agora há fortes indícios de que ela realmente não mudará durante 2008.
Entretanto, quando pensamos no longo prazo a expectativa para o Brasil permanece positiva. Tivemos acesso às projeções do banco UBS para o cenário econômico tupiniquim em 2008. Dentro do universo projetado pela instituição, 2008 ainda será um ano com ganhos na bolsa brasileira. O banco projeta um Ibovespa na casa dos 85 mil pontos para o final de 2008, um expressivo upside de mais de 30% com relação ao final de 2007.
Será que temos tanto potencial, mesmo com a crise norte-americana? Tomara que sim. As projeções do banco baseiam-se no valuation (avaliação de potencial) atrativo das empresas locais, uma relativa estabilidade cambial, política monetária séria e inteligente, sólido crescimento econômico guiando o avanço corporativo e a probabilidade de consolidação de alguns setores, sobretudo o de telecomunicações.
Medo da crise?
Uma preocupação que deve ser bem debatida é a (grande) chance de um desaquecimento na economia mundial, iniciada pela recessão norte-americana. A diminuição do ritmo da economia global pode ocorrer porque os EUA têm enorme poder de consumo e garantem negócios com todos os países. Uma queda na demanda leva, invariavelmente, a uma queda na oferta e(ou) queda nos preços e elevação dos juros, afetando a produtividade e saúde econômica de outros países.
Muito do crescimento brasileiro veio da alavancagem dos negócios de grandes grupos brasileiros, influenciando bastante no resultado positivo da balança comercial. Imaginemos que a recessão norte-americana influencie novos negócios, diminuindo o fluxo de investimentos estrangeiros e a demanda por produtos, e a atuação dessas empresas fique comprometida. Temos, assim, um sinal de que a crise pode nos afetar de maneira mais drástica.
Crises também são oportunidades
A experiência nos mostra que, de tempos em tempos, uma crise faz parte do mundo financeiro. Nenhuma crise é definitiva. Veja além do noticiário e foque seu potencial nas possibilidades e oportunidades que surgem em decorrência da crise. Ações de boas empresas estão baratas e os fundamentos do país são os melhores já alcançados em muito tempo. Citando um excelente blog sobre o mercado financeiro, Seagull Trading, tudo é uma questão de timing.
Um recente estudo publicado pelo jornal Valor Econômico se propôs a investigar, publicar e criar uma média ponderada das previsões para a Bolsa brasileira em 2008. De acordo com o estudo, a média encontrada foi próxima de 81 mil pontos. Claro, são previsões, mas isso demonstra que há otimismo no mercado e que o Brasil já melhores condições de enfrentar crises internacionais.
Outras possibilidades interessantes de ganho também surgem nos fundos multimercado, que têm em sua carteria diversos tipos de ativos. Tais fundos, usando gestão pró-ativa, podem aproveitar-se de uma eventual alta dos juros (renda fixa e títulos públicos) e, ainda assim, garimpar boas oportunidades na renda variável. Fique alerta. Não desanime ou se desespere se você perdeu rentabilidade ou dinheiro durante estes primeiros dias do ano. Perder faz parte do jogo. O importante é saber porque seu dinheiro minguou, ficar atento às reações do mercado, aos fundamentos do país e à literatura financeira.
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Ricardo Pereira é Analista Financeiro Sênior da ABET Corretora de Seguros, trabalhou no Banco de Investimentos Credit Suisse First Boston e edita a seção de Economia do Dinheirama.
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Crédito da foto para Marcio Eugenio.