Bruno comenta: “Navarro, sou daqueles caras super motivados e que tem energia de sobra para iniciar diversos projetos. Gosto de desafios. Minha atual meta pessoal é colocar ordem em minhas finanças e pagar algumas dívidas atrasadas. O problema é que depois de alguns dias tentando colocar em prática essa mudança, coisas novas aparecem e perco o foco. Mas não falta iniciativa. Onde estou errando? Obrigado”.
Você já deve estar acostumado com as insistentes vozes da educação financeira que dizem que para que haja real transformação e sucesso financeiro é necessário mudar de atitude, desafiar hábitos e rever comportamentos. Mais que aprender a somar, subtrair e multiplicar, questionar o processo de tomada de decisão é que tende a trazer melhores frutos.
Os sonhos são individuais, a mudança também!
Faço coro aos demais especialistas, mas tentarei agregar algo mais ao tema. As mudanças propostas são de caráter pessoal e, assim, influenciadas por diversas variáveis subjetivas e particulares: imprimir novos hábitos e definir prioridades são tarefas que oferecem desafios individuais diferentes. Em outras palavras, o que é fácil para um pode não ser para o outro.
“Há que se tentar”, você deve estar pensando. Iniciativa é a palavra mais usada para definir a característica desejada em muitas ações cotidianas. Se é importante mudar, é também crucial que essa decisão parta de nós mesmos – e que seja então transformada em ação de algum tipo. Com iniciativa, logo logo damos por iniciado o nosso “processo de transformação”. Quer ver?
- Toda segunda-feira acordamos motivados a colocar em curso a dieta que finalmente mudará o rumo das coisas. A sensação é sempre ótima e passamos o dia respeitando o cardápio e comemorando. Às vezes passamos uma semana, um mês assim. E só;
- Todo ano renovamos os votos de dias melhores e definimos metas pessoais importantes: perder peso, livrar-se das dívidas, visitar mais a família, estudar mais etc. São tantas as mudanças desejadas, não é mesmo? Haja iniciativa.
Definir tudo isso dá trabalho. Priorizar e agir conforme tais resoluções passa a ser um objetivo. Queremos mudar, queremos ser melhores, não queremos? Por onde olho, não parece faltar iniciativa. Aliás, o que não falta é vontade e coisas a fazer. Iniciativa, começo a ser mais realista em minhas observações, todo mundo tem: basta que o estímulo seja suficientemente interessante para despertar em nós a decisão pelo novo.
Quanto realmente nos levamos a sério?
Se não falta vontade, atitude e iniciativa, como responder a algumas questões tipo:
- Por que tão poucas pessoas são bem-sucedidas financeiramente e vivem em dia com seus compromissos e orçamento?
- Por que poucos brasileiros conseguem se manter saudáveis e satisfeitos com sua forma física?
- Por que tão poucos indivíduos são capazes de atingir as metas propostas por eles mesmos?
“Há algo mais, não é possível”. Sim, há. Entre o começo de qualquer projeto pessoal e a hora de comemorar seus bons resultados existe um longo percurso. A jornada traz ao sujeito boas doses de realidade, especialmente se a trajetória escolhida for verdadeiramente nova (desafiadora). O caminho normalmente reserva:
- Frustrações. Depois do otimismo característico e necessário para que sejam dados os primeiros passos, nos deparamos com a vida real. Portas fechadas, resultados aquém do esperado, necessidade de correção de rota etc. Impossível não ser assim;
- Decepções. As surpresas com os relacionamentos e amizades são comuns (infelizmente!) durante o decorrer dos acontecimentos. Empresas e sociedades são frequentemente assoladas por problemas dessa ordem. Errar na escolha pode inviabilizar um importante passo, mas nunca o sonho;
- Crises. A história comprova que muito do que hoje é melhor compreendido surgiu do enfrentamento franco das crises – muitas delas com medidas drásticas, como guerras e polêmicas decisões dos governos vigentes. O endividamento excessivo, por exemplo, é uma das mais graves crises que alguém pode encarar, mas tem solução. Tem que ter;
- Momentos de reflexão. Costumamos ser críticos demais com as horas difíceis (dos outros, principalmente) e pouco efusivos quando há o que celebrar. É aquele gosto estranho que nutrimos ao apontar o dedo ou estufar o peito: “Não falei?”; “Eu sabia que não daria certo”. Enquanto isso, damos asas demais ao que esperam de nós e deixamos de celebrar as pequenas vitórias do dia a dia;
- Vitórias. Ora, as coisas também dão muito certo. Aproveitar a sensação de “alvo atingido” oferece energia e motivação para seguirmos firmes com nossas aspirações. Importante que as emoções não sejam demais a ponto de cegar, acomodar e criar a sensação de que a rotina já está confortável.
Repare que o percurso descrito pelos itens acima envolve ações e consequências inter-relacionadas. A ordem dos desafios não é literal, mas todos passamos (passaremos) por situações deste tipo. Trata-se, portanto, de um ciclo. Costumo chamá-lo de ciclo de amadurecimento.
Iniciativa demais não adianta nada…
É importante ter iniciativa, é claro, mas só ela não muda muita coisa. O que, então, devemos buscar? Arrisco-me a dizer que a diferença está em insistir mesmo que o ciclo de amadurecimento ofereça mais percalços e crises que vitórias. Trabalhar, trabalhar e trabalhar. Agir mesmo que as respostas não sejam exatamente as que desejamos. Persistir. Abordei essa visão nos artigos “Quanto você está disposto a lutar e esperar por um sonho ou objetivo?” e “O sucesso tem perseverança, motivação, disciplina e muitos fracassos”.
Hoje quero tratar da disciplina. Ela resume o que acredito ser o “pulo do gato” que permite a poucos brasileiros a proeza de se destacar e ver realizados seus objetivos. Começar a dieta é fácil; levá-la a sério é outra história. Com o dinheiro não é diferente: iniciar as atividades de planejamento é simples; rever decisões econômicas e colocar em marcha o plano (e suas consequência) requer desprendimento, esforço e dedicação.
Em se tratando de disciplina, o exercício combinado de reflexão, paciência e motivação frequentemente se confunde com a frustração de não seguir a moda, o anseio dos outros. Respeitar o padrão de vida e lidar com essa percepção viciada evita angústias e problemas futuros. Digo isso porque percebo que a ansiedade combinada à expectativa dos outros detona com o aprendizado decorrente do “saber esperar”.
Somos seres irracionais, é óbvio…
Sendo mais direto, é fácil saber porque tantas pessoas preferem pratos gordurosos a uma dieta saudável; ou porque curtir e comer atrai mais adeptos que a prática regular de exercícios físicos; ou porque consumir logo, usando o crédito, é a opção da maioria em detrimento do hábito de negociar, poupar e pagar à vista.
É fácil: a satisfação imediata vence os possíveis benefícios futuros. Está certo? O modelo “curtir agora, correr atrás depois” é popular porque atinge em cheio nossas emoções. Simples assim.
Não se espante! Demorei tantas linhas para falar algo que você já sabe: não adianta se vangloriar por ser bom em começar as coisas. Isso é comum. São os projetos levados a sério, construídos com disciplina, que dão ganhos significativos. Tapar os olhos para essa verdade é continuar a se esconder atrás de desculpas esfarrapadas. O alívio é imediato, mas é também temporário e não representa mudança.
É aquela velha história: você sabe bem o que precisa fazer, mas certas justificativas são cômodas e fazem o tempo passar. Os dias avançam, os anos passam e a situação vai sendo empurrada. Sem saber (ou consciente disso, não sei), você escolhe parecer feliz, parecer bem. Parecer? A realidade, ali do lado de fora da janela, é bem distinta.
Vamos resumir? Não importa quantos projetos bons aos olhos dos outros você começa ou apoia (iniciativa), mas quantos projetos relevantes para você e seus entes queridos você termina (disciplina). O resto é hipocrisia e exigência social descabida.
Aproveito a oportunidade e convido-o a alimentar essa discussão no espaço de comentários. Que experiências você já teve no sentido de confundir iniciativa com disciplina? Se preferir, fale comigo também no Twitter: @Navarro. Até mais.
Foto de sxc.hu.