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Veja como a Faria Lima e seu ‘Copom semanal’ manipulariam o BC

Análise detalha que o Banco Central é "bastante sensível" às variações nas expectativas do mercado divulgadas no relatório Focus

por Gustavo Kahil
3 min leitura
Faria Lima, BC

A sensibilidade do Banco Central do Brasil (BCB) às expectativas do mercado financeiro, capturadas pelo relatório semanal Focus, tem sido um fator determinante e “bastante sensível” nas suas decisões sobre a taxa de juros, a Selic, avalia o Banco Safra em um relatório enviado a clientes. Conforme a análise, a incerteza criada sobre as ‘regras’ da política monetária pode reduzir a sua efetividade.

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“Regras de política monetária são instrumento crítico para que a autoridade monetária guie as expectativas do setor privado, mesmo que elas não sejam anunciadas explicitamente ou seguidas de forma rígida”, aponta o time de economistas que produziu o relatório Política Monetária – Regras e Choques”.

O Focus, produzido com base nas previsões de economistas e analistas do setor financeiro, principalmente da Faria Lima, oferece uma visão de consenso sobre as expectativas futuras para a inflação, o crescimento do PIB e outras variáveis macroeconômicas. O BC, então, utiliza essas previsões como um insumo importante em sua política monetária, influenciando o timing e a magnitude de ajustes na Selic.

O uso dessas expectativas nas decisões do BC é evidenciado ao comparar a trajetória da Selic com a aplicação de regras monetárias como a regra de Taylor. Ela considera dois fatores principais: a diferença entre a inflação real e a meta de inflação, e a diferença entre o PIB real e o PIB potencial. A regra sugere que os juros devem subir quando a inflação está acima da meta ou quando a economia cresce acima do potencial, e cair em situações opostas, ajudando a equilibrar inflação e crescimento econômico.

Focus ou Taylor?

Durante o período pós-2019, a Selic se manteve abaixo da regra de Taylor por vários meses, apesar da recuperação econômica e do aumento da inflação global. Isso pode ser explicado pelas expectativas capturadas pelo Focus, que refletiam incertezas em relação à força da retomada econômica, particularmente antes da ampla distribuição de vacinas e do fim das restrições sociais.

Um gráfico do relatório do Safra demonstra como a Selic divergiu da regra de Taylor, que indicava taxas de juros mais altas durante a pandemia e no início da recuperação econômica.

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A manutenção de uma Selic abaixo dos valores sugeridos por essa regra pode ter sido uma resposta à percepção do mercado de que o choque inflacionário global seria temporário e de que a economia brasileira ainda estava fragilizada. Nesse cenário, o BCB ajustou sua política monetária não apenas com base nas condições presentes, mas também com uma visão prospectiva informada pelas expectativas de mercado.

Trajetórias da Selic e de Possíveis Regras de Política Monetária Aplicadas ao Brasil

Selic Taylor
(Fonte: ANBIMA, IBGE e Banco Safra)

A partir de 2022, no entanto, a Selic passou a ficar consistentemente acima do valor prescrito pela regra de Taylor. Esse movimento pode ser interpretado como uma tentativa de compensar a postura anterior, que manteve os juros baixos por um período prolongado, ou como resultado de uma piora nas expectativas econômicas, particularmente no campo fiscal. A deterioração das contas públicas e a percepção de maior risco fiscal capturada pelo Focus teriam levado o Banco Central a adotar uma postura mais conservadora, elevando a Selic para níveis superiores aos recomendados pelas regras monetárias tradicionais.

Um pouco aqui, um pouco ali

Os choques monetários decorrentes dessas decisões podem ter contribuído significativamente para a queda da inflação observada a partir de 2022. Segundo estimativas baseadas em um modelo de autorregressão vetorial (VAR), até um quarto da queda da inflação, que passou de 12,1% em abril de 2022 para 4,2% em agosto de 2024, pode ser atribuída a choques monetários implementados pelo BCB. Esses choques foram impulsionados pela aderência parcial a regras de política monetária e pelas expectativas capturadas no relatório Focus.

O modelo VAR utilizado na análise sugere que, quando a Selic se desvia da trajetória prescrita pela regra de Taylor ou por regras baseadas apenas na inflação, há um impacto direto sobre a inflação e o PIB nos trimestres seguintes. O estudo indica que choques estruturais de política monetária elevam a taxa de inflação nos dois primeiros trimestres, antes de começar a reduzi-la a partir do quarto trimestre. Esse padrão é consistente com o comportamento da Selic nos últimos anos, quando o Banco Central enfrentou pressões inflacionárias globais e domésticas, ajustando a política monetária de forma reativa.

Resposta ao Impulso do Choque Monetário (%, horizonte em trimestres)

Selic Taylor 2
(Fonte: Banco Safra)

Sensível ao mercado

A sensibilidade do BCB às expectativas capturadas pelo Focus também fica evidente na forma como a instituição comunica suas decisões. O Banco Central frequentemente reafirma seu compromisso com a convergência da inflação para a meta estabelecida e utiliza as projeções do mercado como uma referência importante para a calibração da política monetária.

“O BCB, por exemplo, dá grande destaque às projeções de inflação do Focus como elemento de suas decisões, não se limitando a observar a inflação corrente, como no caso das duas regras discutidas aqui. Verifica-se, de fato, que o “modelo do BC” obtido da divulgação que a instituição faz do modelo usado em suas decisões é bastante sensível a variações nas expectativas capturadas pelo Focus”, analisa o Safra.

De acordo com o Safra, o desvio da Selic observada em relação àquela determinada com preponderância do Focus pode ser menor do que aquele estimado usando, por exemplo, a regra de Taylor.

“Por outro lado, uma eventual mudança na regra do BCB, maior ou menor rigor em avaliar certos riscos, ou uma sinalização de disposição de se desviar mais ou menos dessa regra também poderia ser interpretada como um choque, tornando a discussão mais ambígua”, explicam os economistas.

Regras desconhecidas

Segundo o banco, apesar da popularidade de se associar a potência da política monetária à intensidade do impacto sobre o PIB ou a inflação, é provável que o maior sucesso da política monetária se deva ao entendimento pelos agentes econômicos da regra de política monetária adotada pela autoridade monetária e não de surpresa ao longo do caminho.

“Na ausência de uma regra conhecida, é comum o BCB anunciar seus objetivos e afirmar seu comprometimento em alcançá-los, indicando algumas variáveis que entram na sua eventual função de reação. No caso do BCB, essa afirmativa tem sido constante no que tange à convergência da inflação para a meta sobre um horizonte relevante, assim como a incorporação na sua função de reação das expectativas de mercado capturadas na pesquisa Focus, conforme os modelos de projeção de inflação disponibilizados pela instituição”, conclui o time de economistas do Safra.

Manipulação?

Talvez sabendo dessa “Focus dependência” do BC, há um debate sobre um “suposto movimento coordenado” de alguns gestores para manipular as expectativas e, por conseguinte, a autoridade monetária.

“O mercado financeiro forma grupos que se organizam para “ajustar” o Relatório Focus e influenciar as decisões do Banco Central. É tudo combinado. Eles já sabem o que fazer. Essa é a grande farsa que ninguém expõe”, disse um gestor recentemente durante um evento em São Paulo.

“Aqui, quem controla os juros de curto prazo é o Relatório Focus e esses grupos que fazem as combinações”, pontua.

As afirmações, trazidas pelo Dinheirama, ecoaram no mundo político. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, ressaltou que a denúncia é “gravíssima”.

“Gravíssima a nova denúncia de que o relatório Focus, do BC, é manipulado pelos agentes do mercado financeiro”, disse a deputada em uma rede social.

O texto do PT lembra que, anteriormente, uma denúncia feita pelo economista Eduardo Moreira, do Instituto Conhecimento Liberta (ICL), motivou o Ministério Público (MP) a entrar com uma representação interna, junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU), para a “adoção das medidas necessárias a identificar eventuais desvios de finalidade pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central na definição da taxa Selic”.

O TCU, contudo, afirmou que não compete ao Tribunal apreciar o mérito das decisões proferidas pelo Copom, mas que a avaliação da 255ª Ata “permitiu concluir que o processo de definição da taxa de juros Selic é colegiado, motivado, transparente, fundamentado em argumentos técnicos e sem qualquer evidência de ocorrência de desvio de finalidade por parte dos membros do Comitê”.

Além disso, destacou que as projeções de mercado contidas no Boletim Focus são apenas um dos subsídios utilizados para a decisão do Copom, entre diversas outras análises técnicas realizadas.

O que diz o Banco Central?

Questionado sobre o assunto pelo Dinheirama, o Banco Central não forneceu qualquer resposta.

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