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Você acredita em um Banco Central com dois presidentes?

O Banco Central criou para si mais um desafio que não estava à mesa, em um jogo de palavras dos seus diretores e de seus dois presidentes

por Gustavo Kahil
3 min leitura
Campos Neto e Galípolo

O Banco Central do Brasil, que atualmente parece ter dois presidentes – um virtual e outro de facto – tem confundido os investidores e economistas. Pior, neste processo, tem perdido a credibilidade conquistada nos últimos anos.

O primeiro capítulo desta novela monetária aconteceu na decisão da taxa Selic em 8 de maio. Naquela ocasião, o Copom (Comitê de Política Monetária) havia optado por um corte de 0,25 ponto percentual.

Era o último do ciclo, que levaria o juro para o nível atual de 10,5% ao ano.

Os diretores do Copom, contudo, se dividiram em duas “alas políticas”, conforme fizeram a leitura os economistas naquela ocasião.

O lado “lulista” de diretores indicados pelo presidente da República e com o provável próximo presidente do BC Gabriel Galípolo, com 4 votos para uma redução de 0,5 p.p., e a ala do mandatário atual, Roberto Campos Neto, com 5 votos para a decisão de 0,25 p.p..

Galípolo Haddad
Galípolo e Haddad (Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Galípolo faz jogo de cena?

Três meses depois, o debate sobre o rumo da Selic voltou. Na segunda-feira (19), Galípolo reforçou que a possibilidade de alta da Selic está colocada, mas lembrou que faltam quatro semanas para a decisão de 18 de setembro.

“Alguns dados têm nos deixado numa situação mais desconfortável”, afirmou.

Fortemente apoiado por Lula, que no dia 16 disse que o próximo presidente da autoridade monetária “precisar ter “compromisso com o povo brasileiro” e “coragem de dizer que vai reduzir [a Selic]”, o quanto é possível confiar no ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda, amigo de Fernando Haddad?

Para o analista político Roberto Reis, da Convex Research, a chegada do protegido de Lula é uma manobra cuidadosamente planejada por ele e Haddad para atingir suas finalidades econômicas visando uma futura reeleição.

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O analista descreve a nomeação como um cuidadoso “jogo de cena”. Eles evitam grandes demonstrações de apoio incondicional a Galípolo, preferindo orientá-lo a se alinhar com a maioria do atual BC, elogiando a equipe atual e evitando declarações controversas.

Isso vai muito em linha com as últimas declarações “altistas” do diretor.

Campos Neto, por outro lado…

Em uma entrevista concedida nesta terça-feira (20), Campos Neto pediu calma e cautela aos investidores em meio à expectativa de uma possível alta dos juros. “É importante ter calma, ter cautela nos momentos de muita volatilidade”, destacou, em entrevista à jornalista Miriam Leitão, do jornal O Globo.

Ao ser questionado sobre a possibilidade de elevar os juros, Campos Neto destacou que se fosse necessário, o BC elevaria, mas que não lembrava de ter mencionado a possibilidade de aumentar a Selic.

“Os economistas não estão prevendo alta de juros para este ano, mas o mercado sim.”

Não é bem assim…

Alta da Selic

O economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, é um dos que revisou a sua estimativa para a Selic. Ele projeta a retomada das elevações pela 1ª vez desde 17 de março de 2021 para até 12% ao final de janeiro.

Segundo o time de economistas da corretora, liderado por Caio Megale, o Copom tem enfatizado sua postura dependente de dados. “E indicadores recentes sugerem que a política monetária não está suficientemente restritiva”, explica.

O banco americano Wells Fargo também passou a estimar uma alta da Selic nesta semana.

“A atividade econômica saltou recentemente, o que, combinado com o aumento da inflação e a “permissão” de Lula para ajustar a política monetária conforme necessário, significa que agora acreditamos que o BC entregará uma política monetária mais rígida este ano. Nesse sentido, esperamos que o BC aumente as taxas em 25 p.b. nas reuniões de setembro e novembro, levando a taxa Selic para 11% até o final de 2024″, explicaram os economistas Nick Bennenbroek, Brendan McKenna e Anna Stein.

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central
Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central (Imagem: Raphael Ribeiro/ BCB)

Credibilidade

Com as declarações de Galípolo e Lula colocando o Banco Central em um “corner”, a decisão agora de subir ou não a Selic passa por uma possível perda de credibilidade, argumenta a LCA.

O Banco Central pode sofrer “arranhões em sua credibilidade” caso não eleve a Selic em setembro, tal qual projeta parte do mercado, avalia a LCA Consultores em um relatório enviado a clientes nesta terça-feira (20).

Conforme a análise, parte dos mercados avalia que o BC já se comprometeu com uma alta. “Esse é um risco que talvez o BC não queira correr, sobretudo num momento delicado de iminente transição no seu comando”, opina a consultoria.

Outra consideração interessante veio da economista-chefe do Inter Research, Rafaela Vitória, que revisou o cenário macroeconômico brasileiro, com foco na trajetória da taxa Selic e suas implicações para a economia em 2024 e 2025.

Segundo sua análise, o Copom deverá manter a Selic em 10,5% até o primeiro semestre de 2025, devido ao maior risco fiscal e à inflação persistente acima da meta.

Rafaela Vitória destaca que, apesar das discussões sobre uma possível retomada do ciclo de alta dos juros, a manutenção da Selic em 10,5% é vista como a medida mais adequada para o atual cenário econômico. O juro real ex-ante estimado, próximo de 7%, é considerado restritivo o suficiente para controlar a inflação, mantendo a credibilidade da política monetária do Banco Central.

“A credibilidade da política monetária é importante nesse processo, principalmente através do comprometimento e da coesão, como bem colocado pelo BC, mas acreditamos que a manutenção da restrição atual por um prazo mais longo é melhor caminho, considerando menor volatilidade e menor custo para a economia”, analisa Vitória.

A possibilidade de uma alta dos juros, no entanto, não pode ser descartada, dada a recente pressão inflacionária.

Ruídos na comunicação

Apesar das declarações que têm confundido o mercado, o diretor de Política Econômica do Banco Central, Diogo Guillen, disse hoje que a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) continua refletindo adequadamente o seu diagnóstico sobre a economia. Segundo ele, um ponto relevante continua sendo a “coesão” dos membros do colegiado.

“A ata traz em vários momentos a unidade, tanto nos diagnósticos quanto na questão prospectiva”, afirmou Guillen, em evento organizado pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio. Ele argumentou que essa unidade de diagnósticos diminui os ruídos em torno da comunicação do comitê.

Banco Central e os dois presidentes

As taxas de juros negociadas no mercado futuro operam em alta em toda a extensão da curva no final da manhã desta quinta-feira, 22, alinhadas ao movimento do dólar e dos retornos dos Treasuries.

O contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) com vencimento em janeiro de 2025 tinha taxa de 10,830%, ante 10,753% do ajuste de ontem.

O DI para janeiro de 2026 projetava 11,56%, contra 11,44%. E a taxa de janeiro de 2027 era de 11,53%, ante 11,41%.

Por fim, parece que o Banco Central criou para si mais um desafio que não estava à mesa, em um jogo de palavras dos seus diretores e de seus dois presidentes, Gabriel Galípolo “surpreendentemente” hawkish e Campos Neto “dovish”.

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